Máximo Barro, um grande homem do Cinema Brasileiro

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Foto: Paulo Schlick

Por Luciana Rodrigues

No dia 30 de outubro, o querido montador, pesquisador, autor, professor, militante histórico do Cinema, Máximo Barro, nos deixou, vítima de complicações pulmonares que o acompanhavam desde a mais tenra idade e que procurou combater de diversas formas, inclusive se tornando um ótimo jogador de tênis. Estava com 90 anos e dedicou toda a sua vida jovem e adulta ao Cinema.

No dia seguinte ao da sua morte, tive de escrever um artigo sobre ele para LabJor, Laboratório de produção de conteúdos jornalísticos do curso de Jornalismo da FAAP, porque meu desejo de homenageá-lo superou a dor que senti ao perder meu pai acadêmico, meu pai cinematográfico, porque era assim que eu o via (e verei), então não pude me esquivar de o homenagear, também nesse espaço da ABC.

De saída vou pedir algumas desculpas a quem está lendo.

A primeira escusa é porque se trata um relato eivado de emoções, quase particular, muito voltado para a sua responsabilidade na criação ao curso de Cinema da Faap portanto não vai dar conta da riqueza que foi a trajetória do nosso “herói”. Quem quiser conhecer mais sobre sua contribuição inestimável ao cinema, principalmente do paulista, sugiro que leia obra a da Coleção Aplauso, chamada “Máximo Barro: talento e altruísmo”, que diz, em sua sinopse:

Pesquisador, professor de cinema, montador, escritor, notável contador de histórias, Máximo Barro é uma das figuras mais queridas do cinema paulista, principalmente graças ao seu trabalho de muitos anos na Escola de Cinema da FAAP. Também tem sido um importante colaborador na Coleção Aplauso, realizando as biografias dos cineastas José Carlos Burle, Agostinho Martins Pereira, o compositor Rogério Duprat, o ator Sérgio Hingst e a edição do roteiro de O caçador de Diamantes, de Vittoirio Capellaro. Agora chegou a hora de contar sua história”. Alfredo Sternheim, Máximo Barro: talento e altruísmo (São Paulo, Imprensa Oficial, 2009)

O segundo pedido de desculpas é pelo fato de que vou “requentar” alguns relatos que já fiz, tanto no artigo que citei, quanto em minha dissertação de mestrado sobre o ensino de cinema no Brasil, orientada pela professora Dora Mourão e defendida em 2004 na ECA USP. “Requento” não por preguiça, mas porque, repito, ainda me sinto em luto e isso certamente não é o sentimento ideal para uma escrita original, porque o coração engana a cabeça.

Como bem me lembrou José Gozze, ex coordenador do Curso de Cinema da FAAP e um dos seus mais fiéis amigos, em mensagem privada:” Além de professor e criador de cursos de cinema ele profissionalizou muitos dos seus alunos. Alguns como seu assistente, tanto na produção como na edição.

Associou-se a projetos de alunos e trouxe alunos para participar de seus projetos. Transformou alunos em professores, para dar continuidade ao seu projeto de pesquisa e de ensino a arte cinematográfica. Na FAAP não foi só o criador do curso de cinema. Foi o responsável por uma das melhores bibliotecas de cinema e por uma filmoteca e mapoteca invejável. Se ligou ao nosso amigo Eliseu (Lopes) em cursos de animação pelo Brasil afora e foi o grande incentivador para que o Eliseu criasse na FAAP o curso de animação. Acredito que onde estiverem agora os dois estão juntos tentando ensinar cinema e animação. Quem escolheu seu nome teve inspiração divina. Realmente foi Máximo em nome e na vida”

Para nós, da FAAP, ele é o pai, o fundador, o homem que colocou tanto coração, tanto sangue, tanta força que hoje posso vê-lo em cada professora, em cada professor, cada aluna, em cada aluno, mesmo em quem, como as professoras Tide Borges e Silvia  Hayashi, com ele não estudaram.

O DNA de Máximo Barro nos dá união, nos faz amar contar histórias, gerar cineastas, nos lembra de que ensino nunca pode ser dissociado de empatia, altruísmo, dedicação, paixão e solidariedade.

Máximo e o curso da FAAP geraram gerações e gerações de grandes atuantes no cinema paulista, brasileiro e internacional, são tantas pessoas que não me animo em as citar, com medo de perder muita coisa pelo caminho.

Desde os seus primórdios, o montador Máximo Barro e o diretor Rodolfo Nanni, outro fundador, buscaram para compor o quadro docente pessoas com fortes ligações com o cinema paulistano, muitas saídas de estúdios, como Juan Carlos Landini, fotógrafo, Sílvio de Abreu, diretor, Alfredo Palácios, produtor e diretor e o roteirista e realizador, Milton Amaral.

Durante muitos anos o curso da FAAP foi exclusivamente noturno e atraía, como ainda atrai, pessoas já inseridas no mercado de trabalho. Mas foi um longo caminho até sua consolidação.

A trajetória apaixonada de Máximo pelo Cinema começou desde muito cedo, iniciada por seu pai, que era projecionista.

Máximo não se limitava a amar o Cinema, ele compreendia a importância da luta, e participou das primeiras e grandes mobilizações da categoria, como a que ocorreu, em 1952, 1º Congresso de Cinema Nacional, precedida pelo 1º Congresso Paulista do Cinema Brasileiro.

E desde aquela época, já valorizava o ensino, que inexistia em formato curricular oficial. Nos anais do I Congresso já se nota a necessidade da criação de um ensino superior de cinema no Brasil. Esse evento recomendou a criação urgente da Escola Nacional de Cinema, deliberação incorporada pelo II Congresso, em dezembro de 1953. Esta Escola pertenceria à Universidade do Brasil, hoje UFRJ, e se destinaria a formação de quadros para o cinema brasileiro.

Isso deflagrou uma série de iniciativas, que procurava corrigir, mesmo que parcialmente, a ausência de uma formação qualificada e técnica da emergente indústria cinematográfica nacional.

Foram expoentes desse movimento diversos cineastas, muitos ex alunos de escolas estrangeiras, que criaram cursos livres, como Ruggero Jaccobi, Adolfo Celli e Carlos Ortiz, a quem coube a direção, em 1949, do Seminário de Cinema do MASP – Museu de Arte de São Paulo.

Máximo Barro foi aluno da primeira turma do Seminário de Cinema do MASP e me relatou que o Seminário teve dois momentos. No primeiro, era uma extensão do Clube de Cinema do MASP e era bastante teórico. A segunda fase era bastante técnica, ligada aos estúdios Maristela, Multifilmes e Vera Cruz.

O Seminário foi, também, responsável, por um evento que “deflagraria o ciclo industrial paulista” conforme gostava de contar Máximo Barro. Esse evento foi o retorno de Alberto Cavalcanti, que estava com uma carreira exemplar na Europa, para o Brasil.

Em uma noite, se orgulhava Máximo, Carlos Ortiz, então crítico da Folha da Manhã, substituindo Tito Batini como professor, convidou os alunos, dentre eles Máximo, a escolherem um diretor estrangeiro para concluir seus aprendizados em cinema. Os estudantes convidaram Alberto Cavalcanti para vir ao Brasil, e não preciso lembrar a vocês o que isso significou.

Nessa turma, além de Máximo, estavam estudantes que trabalhariam em realização, fotografia, roteiro, direção, montagem, crítica, como Roberto Santos, Zulmira Ribeiro Tavares; Trigueirinho Neto; Eliseu Fernandes; Emílio Fontana; Galileu Garcia; Glauco Mirko Laurelli e, até, o diretor de teatro Antunes Filho. Os estúdios da Maristela, Multifilmes e da Vera Cruz logo passaram a incorporar os estudantes nas suas equipes. Foram professores: o diretor Tito Batini; o crítico e diretor Carlos Ortiz; o diretor Rodolfo Nanni; o diretor Marcos Marguliès, os diretores Geraldo e Renato Santos Pereira; o produtor e diretor Alfredo Palácios.

Também contava Máximo que seu primeiro organizador, o ex- padre Carlos Ortiz, era um autodidata em cinema, sem qualquer formação técnica. Por este motivo a primeira fase do Seminário foi extremamente voltada para o ensino teórico, já que o Museu sequer possuía equipamentos.

O Seminário teve, no ano de 1952, a direção entregue a Marcos Marguliès, que realizou o filme sobre arte Os Tiranos com alguns alunos, como Luiz Bresser Pereira e Plínio Garcia Sanches. Dois anos depois o MASP incorporou ao recém criado Departamento de Cinema o Seminário.

O Seminário de Cinema, de 1954 a 1959, quando Máximo Barro começou a dar aulas, teve como alunos o diretor Ozualdo Candeias, o diretor Milton Amaral, e Eduardo Coutinho; o diretor Alan Pek; Luiz Gonzaga Santos; o produtor e diretor Pedro Carlos Rovai e o diretor e montador José Adalto Cardoso Quando Merguliès deixou o Departamento de Cinema do Museu, o Seminário passou a ser coordenado por Plínio Sanchez, em 1955.

Em 1957 o Seminário de Cinema transformou-se em escola de cinema e foi, junto com todo o MASP, para a Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), “os cursos que o MASP tinha vieram com os quadros, a ideia do Bardi (Piero) era fazer um Museu dinâmico, não estático, só para ser apreciado pela vista.”, dizia Máximo.

Dois anos depois o Departamento de Cinema e o Museu de Arte de São Paulo retornaram às antigas dependências da rua Sete de Abril. No ano seguinte, em 1960, ainda sob direção de Plínio Garcia Sanchez, o Seminário de Cinema transformou-se em entidade autônoma, todavia, infelizmente, naquele ano o curso não funcionou. Até o início dos anos 1970, já sem ligação com o MASP, ocupou vários lugares como curso livre, no Ibirapuera, Associação de Cineastas, Parque Água Branca e Comissão Municipal de Cultura, sempre contando com a determinação inquebrantável de Máximo Barro e Rodolfo Nanni.

Em 1972 já existia na FAAP a Faculdade de Comunicação, com habilitações em Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda e a Fundação incorporou definitivamente o curso de Cinema.

A partir da primeira turma, formada em 1975, que havia ingressado no Curso Polivalente, a habilitação passou a ser Cinema.

Quem vê hoje o nosso Departamento de Cinema tão forte, tão consolidado, não pode imaginar que ele só é o que é porque Máximo Barro NUNCA esmoreceu, nunca desistiu, mesmo em períodos de profunda crise no cinema e no ensino de Cinema. Sua saída da coordenação do curso, por sua livre escolha, não significou em nada uma diminuição em sua dedicação.

A verdade é que Máximo amava o Cinema e a FAAP. Amou a cada estudante, cada professor, cada colega e fui privilegiada por também ser objeto desse amor.

Quando fui sua aluna já era advogada e estava insegura em começar um novo curso, com pessoas mais novas. Lembro do primeiro dia de aula, onde descobri estar em casa graças àquele senhor já de cabelos brancos, voz rouca, que ocupava a sala com suas incontáveis histórias e paixão (nunca foi possível notar que ele não era muito alto, rsrs).

Ele era grandioso, seus olhos brilhavam, e ele procurava disfarçar sua grande sabedoria e sensibilidade com ironias, ele SEMPRE foi irônico de um jeito doce.

Não só eu me sentia sua discípula, éramos uma turma de pessoas apaixonadas pelo Máximo, que seguiram tendo contato constante com ele.

Ele reunia tantas qualidades docentes que as vezes me pego pensando se não sou mera imitação de quem ele era, se a paixão por dar aula é tão avassaladora que disfarço com uma enorme ironia, assim como ele fazia.

Insisto que Máximo era puro amor, amor por cinema, amor pela Faap, amor por nós. Era um contador de histórias, que sempre tinha uma “fofoca”, uma anedota, uma lembrança “meio duvidosa” sobre o Cinema, ele, sua mulher e filhas, abriram sua casa tantas vezes para nós, estudantes e professores, que todas e todos acabavam virando sua família.

Enquanto eu era estudante, me levou a tiracolo para entrevistar antigos cineastas, fazer pesquisas, gravar cursos de cinema para pessoas da melhor idade, me encheu de livros, palestras, artigos, curiosidades, fui sua monitora na FAAP e ele SABIA que eu seria professora, embora eu não imaginasse isso. Como “filha” discordei muitas vezes de suas posições, mas isso não o impediu de me escolher como sua sucessora em uma disciplina.

Ele via qualidades em nós que nem sabíamos que possuíamos, esse era um dos tantos poderes mágicos que ele tinha. E ele fez isso com tantas pessoas que deixou uma marca indelével para cada pessoa que passou por sua vida.

Mesmo quando deixou de ser “oficialmente” professor, Máximo NUNCA deixou de ser professor, nunca desistiu de nós, do Cinema e da FAAP, e durante todos os dias, sendo impedido somente pela pandemia, esteve na Filmoteca da FAAP, criando um enorme acervo de livros, filmes e cartazes, cuidando de preservar e difundir a História do Cinema mundial e brasileiro. Todos os dias jovens (e nós, não tão jovens) gostávamos de ir na sua “salinha” ouvir suas histórias.

A dor da saudade voltou e devo parar por aqui, peço novamente desculpas se não estive à altura da tarefa de falar sobre ele, porque Máximo Barro é grandioso e sua memória e legado devem ser levados adiante.

Viva o Cinema Brasileiro!

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