A filmografia de Di Venanzo impressiona: são tantos os clássicos que fotografou que fica difícil escolher um predileto
Por Carlos Ebert
Cada um de nós consegue localizar sem muito esforço, quais foram os diretores de fotografia que nos levaram a querer fotografar cinema quando ainda éramos cinéfilos. Foi depois de uma dupla sessão do Eclipse de Antonioni no Art Palácio Copacabana que me ocorreu que – embora estivesse estudando para prestar vestibular de arquitetura, uma das coisas que eu poderia fazer com muito prazer no futuro seria fotografar cinema.
Aquele filme tinha peculiaridades que me deixaram deslumbrado. Num momento parecia que nada havia sido trabalhado na imagem, que a luz era perfeitamente natural e que se encontrava daquele jeito no momento em que fora capturada pela câmera. Em outras seqüências, uma elaboração sutil – quase minimalista, na luz , no posicionamento da câmera e na objetiva escolhida destacava algumas partes do cenário e alguns objetos da cena, o que causava um efeito incrível de estranhamento.
A duração estendida das cenas provocava uma sensação angustiante e os atores pareciam mover-se numa dimensão paralela ao mundo real. Tudo muito estranho e ao mesmo tempo tão natural. Eu então percebi sentado naquela platéia quase vazia, numa tarde de gazeta, que o veículo daquilo tudo era a luz difusa e penetrante de um fotógrafo cujo nome fui encontrar na saída, em letras bem pequenas no canto do cartaz: Gianni di Venanzo (1). Dali prá frente acompanhei como pude seu trabalho, procurando entender como era feita aquela mágica ao mesmo tempo tão simples e tão elaborada.
Cada filme acrescentava alguns detalhes à magia daquela luz. Com Antonioni fez mais alguns filmes notáveis: A Noite (1961) , O Grito (1957) e as Amigas (1955). Com Francesco Rosi experimentou a linguagem documental, despojando ao máximo a imagem e tomando partido da especificidade da luz local. O Bandido Juliano (1961) tem os tons queimados e a incandescência da luz meridional da Sicilia que ele explora em toda a extensão da latitude do filme preto e branco, conseguindo uma infinidade de nuances nas altas e nas baixas luzes.
Uma fobia por viagens aéreas impediu-o de acompanhar Rossi à Espanha para fazer as filmagens das touradas do Momento della Verità (1965), realizadas por Pasqualino De Santis, mas esteve junto a Rosi em La sfida (1958), I magliari (1959) e Le mani sulla città (1963). Di Venanzo é considerado o introdutor do uso continuado da luz difusa no cinema. Entendeu – como ninguém antes dele, o processo de dispersão da luz natural em interiores e conseguiu recriá-lo com precisão nos set de filmagem. Para tanto se utilizava de calhas com lâmpadas fotoflood, recurso largamente empregado depois na Nouvelle Vague por Raoul Coutard e Nestor Almendros entre outros.
A filmografia de Di Venanzo impressiona: são tantos os clássicos que fotografou que fica difícil escolher um predileto. Mesmo assim, 81/2 é um marco notável na sua cinematografia. A parceria com Fellini revelou-se extraordinária, pois Gianni ao conseguir viabilizar toda a feerie visual felliniana, ampliou mais ainda o horizonte criativo do mestre, com quem ainda faria ainda Julieta dos Espíritos (1965) – o primeiro filme colorido de Fellini.
Di Venanzo teve poucas oportunidades para trabalhar com a cor. Depois de Il Momento Della Verità e Julieta fez A Décima Vítima com Elio Petri , Ontem, Hoje e Amanhã (o episódio de Salce) e The Honney Pot de Joseph Mankiewicz , filme que não chegou a concluir. Entretanto pelas imagens de Julieta podemos perceber a desenvoltura com que trabalhava as cores e o domínio técnico que lhe permitia usar de forma expressiva os contrastes de valor e cromático sem nunca resvalar para o kitsch.
Esse dominio da técnica deveu-se certamente à sua formação. Antes de começar a fotografar longas (Achtung! Banditi! (1951), foi assistente de Aldo Tonti em Ossessione, de Ubaldo Arata em Roma Cidade Aberta, de Otello Martelli em Paisà e Caccia Tragica, e de Aldo em La terra trema e Milagre em Milão, todos grandes mestres da luz do período.
Segundo depoimentos de alguns de seus contemporâneos, Di Venanzo era muito rápido no set e tremendamente criativo, adepto das traquitanas e dos trucussus. Examinando sua obra notamos um incrível ecletismo estilístico associado à capacidade de apreender visualmente temas variados e díspares. Sua aproximação visual dos temas esteve sempre a serviço da narrativa, como atestam o emprego da profundidade de campo em Eva (1962) de Joseph Losey, que contrasta com o uso do desfoque com teleobjetivas em Il Momento della Verità (1965) de Rosi.
Comentando a obra de Di Venanzo, Beppe Lanci (fotógrafo de Kaos dos Irmãos Taviani e de Nostalgia de Tarkovsky) observou: “Suas imagens em preto e branco, com sua estética peculiar, tem como característica fundir a luz com a atmosfera e os ambientes. A partir dele a cinematografia adquiriu uma importância significativa. Uma completa simbiose com o filme e a narrativa.” (2)
Alguns de seus instrumentos de trabalho foram preservados num pequeno museu em sua cidade natal Teramo no Abruzzo, que também tem uma sala de exibição com seu nome, onde é realizado anualmente um festival que atribui o Prêmio Internacional de Fotografia Cinematográfica Gianni di Venanzo. Gianni foi o único diretor de fotografia italiano a receber por cinco vezes o Nastro d’ Argento, o maior prêmio do cinema italiano: em 1958 com O Grito em 1960 com I Magliari, em 1963 com O Bandido Giuliano, em 1964 com 81/2 e finalmente em 1966, “in memoriam” por Julieta dos Espíritos.
(1) Anos mais tarde li um comentário esclarecedor de Penelope Houston sobre o filme: “O estilo de Antonioni sempre se fundou na justaposição entre as pessoas e a paisagem. No Eclipse entretanto a justaposição se transformou em fusão: as duas paisagens se transformam em uma, as imagens visuais e mentais se entrelaçam sem esforço.” -Penelope Houston, Sight and Sound, primavera de 1963.
(2) Entrevista com Beppe Lanci em http://www.horschamp.qc.ca/new_offscreen/lanci.html
Filmografia de Gianni Di Venanzo em http://us.imdb.com/name/nm0005689/
Textos na internet
http://www.celtoslavica.de/chiaroscuro/dop/venanzo/venanzo.html