Por Michel Gomes
Malandragem, catimba, mentira, traição e corrupção. O futebol é um daqueles raros campos onde coisas terríveis viram magia. Ou você acha que existe algum argentino que não considere La Mano de Dios um ato de genialidade? Ou algum brasileiro que não admire o baixinho que cabulava os treinos para se divertir com um futevôlei na praia?
O Último Jogo (Brasil, Argentina, Colômbia, 2021) traz um peculiar ambiente do esporte rei da várzea. Onde dá pra jogar fumando um cigarrinho, vestir a camisa de um rival é motivo de briga, jogadores saem da cadeia para participarem de uma peleja crucial e não se fabricam pop-stars da bola.
A divertida fábula torta sobre rivalidade futebolística traz situações, textos e personagens estranhos transportando o espectador a um contexto no qual o incomum faz sentido e arranca risadas espontâneas.
De passe em passe a narrativa vai costurando, com leveza, os objetivos e frustações dos personagens, sem deixar de lado o tom jocoso que envolve a disputa entre os moradores dos fronteiriços vilarejos de Belezura (Brasil) e Guapa (Argentina).
O roteiro – uma livre adaptação de “O Fantasista”, romance campeão de vendas do chileno Hernán Rivera Letelier – escrito a quatro mãos pelo diretor e produtor, Roberto Studart, e por Ecila Pedroso, aborda o esporte enquanto paixão.
Já na primeira leitura do texto me empolguei com as possibilidades cinematográficas que a história realista-fantástica nos daria. “Está estendido na área como um tumor recém-operado”. Um jogador “mais perigoso que o tétano”. As metáforas de Casemiro (Lúcio Tranchesi), o narrador à beira do campo, davam indícios do que seria aquela obra.
O diretor Roberto, então, me apresentou sua visão e referências. “Precisávamos construir um universo que gerasse dúvida. Algo irreal, mas não tão irreal. Algo de características próprias e uma relação diferente com o tempo e o espaço. Isso deveria estar impresso na atuação, na direção de arte e na fotografia. Sabia, também, que precisava dividir a abordagem em duas partes: as partidas de futebol e o resto”.
As locações foram um deleite. Rodamos na Serra Gaúcha, região de arquitetura italiana devido à imigração ocorrida a partir da década de 1870. Estivemos bastante nos municípios de Santa Teresa e Monte Belo do Sul, além de arredores apresentados pelos produtores de locação Marcos Rohrig e Mêmis Muller.
Uma vez definidos os lugares na fase de pré-produção, os chefes de departamento acompanhamos o diretor, os atores e atrizes às locações para ensaios e estudos técnicos. Nesse momento, a arte, que teve a direção de Valéria Verba e Sheila Marafon, já havia levado alguns objetos e começado a dressar os espaços.
Eu assistia as passagens de texto do diretor e preparador de elenco, Christian Duurvoort, com os atores até o momento em que entendia bem a cena. Qual o seu núcleo dramático, que ação eles tinham, como se conectava com a sequência anterior e posterior do roteiro e quais eram as buscas mais importantes do diretor.
Partia, então, para uma pesquisa de planos com minha câmera mirrorless. Criava muitas propostas entre fotos e vídeos quando pensava em movimento de câmera. Mostrava a Roberto e uma vez feita uma pré-seleção avançávamos com mais informações na preparação.
A horizontalidade do campo de futebol foi determinante para definirmos o formato do quadro em 1:2,39. Rodamos com uma Red Epic Dragon, um kit bastante extenso de Cookies S4 e uma zoom Angenieux 24-290mm.
Na produção de elenco, feita por Luiz Antônio Rocha, além das qualidades interpretativas, ter habilidade com a bola foi um diferencial para escolher os atores. Um dos principais nomes, Pedro Lamin, chegou a jogar futsal profissionalmente.
As cenas de jogo precisavam de atenção especial. A trama gira em torno desse evento. É também a sequência final. Criar sequências interessantes e verossímeis de futebol costuma ser um desafio cinematográfico. No nosso caso havia algo mais: o nosso não era um certame normal.
Segundo Roberto, “o futebol é uma energia totalmente irracional. É paixão pura. Paixão pelo time, e não necessariamente pelo jogo. Levar isso ao cinema é uma guerra praticamente perdida. A menos que você surpreenda e traga algo bem diferente”.
E segue, “então fui atrás de referências de futebol americano e do basquete da NBA. São esportes muito intensos, onde os jogadores estão constantemente se provocando, se empurrando, se trombando, a coisa não para. E claro, colocamos isso dentro do nosso universo fantasioso. Fomos para dentro do campo e criamos um futebol que não existe”.
Essa intensidade se refletiu na câmera. Foi a hora de usar a criatividade e nos divertirmos com os movimentos junto com o time de câmera, do 1o AC Alex Meira, e com o de maquinaria, capitaneado por Leandro Rosa. Usamos câmera car, chicotes de pan e tilt, de zoom, travellings circulares, câmera lenta para trazer dramaticidade a alguns momentos e muita câmera na mão.
Eu até saí com um pequeno machucado no rosto ao operar a câmera numa cena em que Pata Del Diablo (Matías Desiderio) dava uns empurrões no rosto de uma câmera subjetiva.
Outra sequência diferenciada foi a do tango entre Lola (Juliana Schalch) e California (Pedro Lamin). A cena envolve relações amorosas, troca de olhares, sensualidade, ciúme e interesse.
Com tantos sentimentos a serem buscados, decidi deixar todos os eixos de câmera livres para que o operador de steadycam Maoma Faria dançasse com o casal girando 360o sem limitações.
Além de fontes diegéticas, posicionei com o auxílio do gaffer Jô Fontana e equipe as fontes de luz atrás das paredes sem teto que a cenógrafa Isabela Urman e equipe ergueram dentro da igreja de Santa Teresa para criar o restaurante Recanto dos Patos.
Ao longo das filmagens, a minha filtragem seguiu a proposta atmosférica do filme, ou seja, no limite entre a realidade e a fantasia. Assim mantive sempre um vidro da série Black Satin na gaveta do para-sol e, sempre que a cena pedia, adicionei um da série Glimmerglass – sem perder o controle do halo nas fontes especulares de luz.
Também havia criado um look junto com o nosso TID Édson Paiva para monitorarmos as cenas com uma intenção na cor e no contraste. Na correção de cor isso foi bastante alterado. Algo natural. Não tira o valor de termos trabalhado com o nosso look no set em vez de curvas pré-programadas pela câmera.
O diretor e o filme pediam uma estética cuidada. “Aqueles planos clássicos e mais abstratos do “cinemão” não nos serviam. Tampouco uma linguagem de guerrilha, mais crua ou muito naturalista. Nosso mundo não era real. Precisávamos nos aproximar do estúdio, da encenação, com uma estética mais direta, que contrastasse com o ritmo melancólico da vida naquele lugar. Porque o filme, mesmo sendo uma comédia, está sempre em conflito com o tempo do universo que criamos”.
O conjunto da fotografia, arte e caracterização dos personagens, da figurinista Diana Moreira e da maquiadora Baby Marques, entregou uma unidade muito rica e potente para aquele universo específico.
Foram cinco semanas de filmagem, com 35 locações e duas partidas de futebol. Um cronograma desafiador para a criatividade e a logística primorosamente orquestrada pelo 1o AD Kibe Adler e pela diretora de produção Taíssa Grissi com suas respectivas equipes. Mas o resultado fala por si só!
Adorei o resultado. Tenho muito orgulho de ter colaborado. Sou muito grato a todas as pessoas envolvidas, especialmente ao diretor Roberto, à produtora Sylvia Abreu e à toda a equipe de fotografia listada abaixo.
Pelas palavras de satisfação do diretor e pelos elogios que recebemos, acredito que, em conjunto, entregamos a parte fotográfica que nos correspondia com qualidade.
Quem puder assistir O Último Jogo na sala de cinema ou streaming certamente vai desfrutar de um momento leve e agradável. Recomendo demais!
Equipe
ROTEIRO
Roteiristas: Roberto Studart e Ecila Pedroso
Consultores de Roteiro: Aleksei Abib E Jacques Akchoti
ELENCO
Califórnia: Pedro Lamin
Expedito: Bruno Belarmino
Ruiva: Betty Barco
Arlindo: Norberto Presta
Lola: Juliana Schalch
Casemiro: Lúcio Tranchesi
Mário Maravilha: Derio Chagas
Anastácio: Adriano Basegio
Jacira: Fernanda Carvalho Leite
Tarzan: Rafael Albuquerque
Carlos: Cassiano Ranzolin
Tony: Rodolfo Ruscheinsky
DIREÇÃO
Diretor: Roberto Studart
1º Assistente de Direção: Adler Paz
2º Assistente de Direção: Leonardo Meireles
3º Assistente de Direção: Gisela Stangl
Continuísta: Pedro Hahns
Preparador de Elenco: Christian Duurvoort
Produtor de Elenco: Luiz Antônio Rocha
Produtora de Elenco RS: Simone Butelli
Assistente de Produção de Elenco: Deise Chagas
Produtora de Figuração: Nara Lucia Maia
PRODUÇÃO
Produtor Executivo Brasil: Sylvia Abreu
Produtor Executivo Brasil: Roberto Studart
Produtor Executivo Argentina: Maia Desiderato
Produtor Executivo Colombia: Gustavo Pazmin
Assistente de Produção Executiva: Ana Luiza Campos
Diretora de Produção: Taissa Grisi
Coordenadora de Produção: Camila Machado
Produtora de Base: Nathalia Ruckert
Produção de Locação: Mêmis Muller
Produtor de Locação/Platô: Marcos Rohrig
Assistente de Platô e Produção: Rodrigo Modena
Assistente de Platô: Emiliano Perez Marzano
Limpeza de Base e Set: Elaine Gomes
Coordenadora Adm / Financeiro: Mina Ishikawa
Controller: Anderson Fragoso
Produtor: Locação/Platô: Marcos Rohrig
FOTOGRAFIA
Diretor de Fotografia: Michel Gomes
1º Assistente de Câmera: Alex Meira
2º Assistente de Câmera: Daniel Carvalho
T.I.D.: Edson Paiva
Vídeo Assist: Leandro Foscarini
Gaffer: Jô Fontana
1º Assistente de Elétrica: Deloir Rodrigues
2º Assistente de Elétrica: José Crespo
Maquinista Chefe: Leandro Rosa
1º Assistente de Maquinaria: Fabio Da Silva Dias
2º Assistente de Maquinaria: Anderson Dias
Operador de Steadcam: Maoma Farias
Geradorista: Brunno Ramos Pires
Still: Tuane Eggers
ARTE
Diretoras de Arte: Valéria Verba e Sheila Marafon
1a Assistente de Direção de Arte: Nadine Diel
2o Assistente de Direção de Arte: Giovana Darcie
Produtores de Objetos e Veículos de Cena: Eder Ramos e Gabriela Burck
Contra-Regras: Jamerson Porto e Tiago Alves
Cenógrafa: Isabela Urman
Assistente de Cenografia: Marina Fontes
Cenotécnico: Anderson Santos
Assistente de Cenotécnico: Valdir Santos
Pintores: Andrei Almeida, Angelo Ceriotti, Marcelo Rodrigo Dóss, Valmor Furlanetto
Ajudantes: Cleimar Grassi Casagrande, Juliano Irani Fitarelli, Vilmar Machado Mattos
FIGURINO
Figurinista: Diana Moreira
1ª Assistente de Figurino: Letícia Arakaki
2ª Assistente de Figurino: Joice Oliveira
Assistente de Figurino Adicional: Julia Weber
Estagiária de Figurino: Vanessa de Ávilla
Chefe de Costura: Leticia Santos
MAQUIAGEM
Maquiagem e Cabelo: Baby Marques
Assistência de maquiagem e Cabelo: Michele Nunes e Gislane Pimentel
SOM
Técnico de Som: Facundo Nahuel Gómez
Microfonista: Juan Ignacio Iribarne
Assistente de Som: Gonzalo Pablo Palmieri
MONTAGEM
Montadora: Ximena Alejandra Franco
TRILHA SONORA
Trilha Sonora: Julián Carando
PÓS-PRODUÇÃO
Pós Produção de Som: Clap Studios – Medellín, Colombia
Desenho de Som e Mixagem: Daniel Vasquez e Sebastian Alzate
Edição de Som: Daniel Vasquez, Sebastian Alzate, Felipe ‘Felo’ Valencia, Daniel Londoño
Foley: Sebastian Vasquez e Alexander Aguilar
Coordenação de Estúdio: Laura Alvarez
Ceo Estúdio: Gabriel J. Perez
Correção de Cor: Maxi Pérez
Consultor de Pós-Produção: José Augusto de Blasiis
TRANSPORTE
Coordenação de Transporte: Natália Sosa
Carros de Produção: Dorcelino Fratini, Ivandro Beluso, Jadir Guimarães
Doblô: Enio Dequigiovanni
Vans: Edico Sipp, Hugo Guimarães, Rodrigo Scherer, Rose Schabatt, Sergio Schabatt, Vanderlei Marasca, Vilson Trevisol
Caminhões de Elétrica e Maquinaria: João Carlos Nascimento e Luiz Fernando Donia
Caminhão Platô: Alexandre Silveira, Jonathan Stello
Tranfer Poa/Bento Gonçalves: Gerson Guerra, Luciano Maciel, Pedro Rafael Gaspary, Rodrigo Pergher
Transporte em São Paulo: Nilton Farias
CATERING
Alimenset: Adriana Mercanti, Biel Fontoura, Brenda Grazziani, Charles Alexandre da Silva, Daniel Ducati, Eliane Conte, Janete Batisti, Juan Ferrero, Kauane Lima, Noedi Nunes, Rosângela Alves