comentários de Fernando Duarte, ABC
Estou lendo um livro sobre a Kodak. É “Team Zebra” , de Stephen J. Frangos, um executivo da empresa e Steven J.Bennett. Conta “como uma equipe de 1500 pessoas reergueu a divisão de filmes preto-e-branco da Kodak”, após uma crise estrutural no final da década de 80. É um depoimento muito significativo de quem participou daquele time “zebra”, e me permito transcrever alguns trechos.
DIVIDINDO UM BOLO QUE ESTAVA DIMINUINDO
Nas décadas anteriores à crise, a fotografia havia se tornado uma coisa básica da cultura americana – a vida de todas as pessoas havia sido tocada ou influenciada de alguma maneira pela fotografia (foi exatamente esse o esforço de George Eastman durante toda a sua vida.
Quando se suicidou em l932, vítima de uma doença debilitante, deixou um simples bilhete: ‘Meu trabalho está encerrado. Por que esperar?”).
Mas nas décadas de 70 e 80, o mercado fotográfico havia mudado: a taxa de crescimento havia se tornado mais lenta, não apenas devido à saturação do mercado, mas também porque câmeras de vídeo altamente sofisticadas, mais baratas, passaram a concorrer com os dólares e com o tempo da fotografia.
Enquanto o mercado de produtos tradicionais não crescia mais como no passado, a concorrência aumentava; tanto nos produtos para consumidores comuns quanto para os profissionais. “A Fuji mudou o jogo nos anos 70, quando ampliou sua presença nos mercados dos Estados Unidos e do Canadá e começou a competir com base nos preços”, explica Al Sieg, um ex-diretor de planejamento estratégico, que já havia sido chefe das operações de Kodak no Japão”.
A princípio, a Fuji estava confinada à costa oeste, mas isso mudou quando o fabricante japonês descobriu como atingir o resto do país. Sieg lembra-se de l978 como o ano-chave da nova batalha de concorrência no mercado dos filmes de tecnologia avançada.
Pela primeira vez, mostrava que era capaz de apresentar um nível de qualidade capaz de satisfazer às necessidades de muitos consumidores. “Não acredito que fossem superiores aos produtos da Kodak mas, para as pessoas que se preocupavam com a diferença de preços, o filme tinha um apelo muito forte”.
Nada foi mais simbólico da ascensão da Fuji no mercado americano do que a visão do grande dirigível verde da empresa flutuando no ar nas Olimpíadas de Los Angeles; a Fuji conseguiu cobrir os preços da Kodak e tornou-se fornecedor oficial de filmes para as Olimpíadas, tendo pago o que se dizia ser o “resgate de um rei” para o Comitê de Patrocínio. Isso não apenas foi um tapa na cara da Kodak, como também lembrete sóbrio de que ninguém detém o controle total e permanente de um mercado.
Os fabricantes de automóveis em Detroit tiveram que aprender esta lição de maneira difícil, depois de anos de descaso com relação aos importados. A Kodak já estava escaldada, após ter perdido o mercado das câmeras de 35mm para os fabricantes japoneses; assim, não se dispunha a ser muito cavalheiresca com respeito à ameaça em potencial.
(Quando presidia as operações da Kodak no Japão, Al exerceu uma doce vingança, alugando um dirigível do Japan Airship Service e mandando adorná-lo com o logotipo amarelo e vermelho da Kodak.
No ar, o balão (“Vamos Kodak” – “Balão Kodak”), que parecia um gigante ao lado do 747 da JAL, que dividia com êle um hangar fora de Toquio, podia ser visto em toda a cidade. Sieg usou o dirigível para “aterrorizar” o quartel-general da Fuji por um ano e meio. “Como assinalar melhor que ainda teríamos uma presença gigantesca no Japão!”, diz êle com alegria diabólica.)
De volta ao Parque Kodak, a realidade do mercado ficou evidente à medida que testávamosprodutos concorrentes. Parte de meu trabalho como diretor da divisão de papéis nos anos 70 era dirigir o teste competitivo de partidas de papel de outros fabricantes e então mostrar os produtos acabados ao lado de fotografias ampliadas em papel Kodak durante as reuniões da diretoria.
Lembro-me da perplexidade dos diretores ao constatar o quanto a qualidade de nossos concorrentes havia melhorado.
Os bons e velhos dias de domínio mundial certamente estavam ameaçados; talvez , mesmo sem percebermos, eles já haviam se tornado coisa do passado.
A KODAK E EU: ROCHESTER SEM A KODAK
Tom Fenton – que começou a trabalhar na Kodak no mesmo dia que eu em 1957, estava certo de que Ron havia preparado algo grandioso para nós, enquanto Bob Grose, que estava no staff de Ron, garantia que iríamos lidar com algum “assunto” bem interessante.
Em todo o caso, os workshops externos haviam se tornado uma maneira eficiente dos grupos da Kodak reexaminarem suas operações, e estávamos todos psicologicamente preparados para uns poucos dias bastante produtivos.
Nenhum de nós suspeitava …estaríamos diante de um vídeo feito a partir de um filme.
O filme, ROGER E EU, mostrava os efeitos devastadores do fechamento de fábricas da GM sobre os moradores de Flint, em Michigan (o título provém do fato de o presidente da GM, Roger Smith, ter se recusado terminantemente a ser entrevistado pelo produtor, Michael Moore. Ao longo do filme, Moore zombeteiramente registra suas diversas tentativas de apanhar o esquivo executivo).
Segundo a narrativa de Moore, houve uma época em que “Flint usufruia de uma prosperidade jamais vista pelos trabalhadores do mundo inteiro e a cidade era grata à companhia”. Moore cita a estatística cínica de que a população de ratos de Flint excedeu a humana em 50 mil depois do fechamento das fábricas, devido ao êxodo da população e ao fato de a cidade só ter dinheiro para recolher o lixo a cada duas semanas.
Depois que Ron desligou o videocassete e o burburinho na sala se acalmou, ele nos pediu que imaginássemos como seria se a Eastman Kodak fosse assunto do filme.
Rochester sem a Kodak? Este era um pensamento sombrio, que alguns de nós achávamos até difícil imaginar. Esperavam-mos batalhas duras e competitivas, mas Rochester ainda era a “Mamãe Kodak” aos olhos da comunidade e gozava bastante prestígio no mundo dos investimentos. 1986 tinha sido um bom ano para a empresa, e o futuro mostrava-se cor de rosa. De fato, l987 e l988 foram dois dos melhores anos na história da Kodak.
– “Eu acho que a comparação é bastante forçada”, comentou Bob Grose (natural do Michigan).
– “A Kodak e a GM são tão diferentes quanto o dia e a noite. Industrias diferentes, estruturas diferentes, atitudes diferentes.”
– “Ah, é?, alguém bufou. E que tal o mercado das câmeras de 35mm que entregamos aos japoneses, tal como a GM entregou um pedaço do seu mercado à Honda, à Nissan e à Toyota”.
– “Epa!”, interveio Don Delwiche, diretor de acabamento de filmes para cinema e defensor ferrenho da Kodak. ”
Tomamos a decisão estratégica de nos concentrar em câmeras baratas, fáceis de usar. A decisão de ‘desistir’ do mercado de alta tecnologia de 35mm simplesmente levou a uma maior demanda por filmes. E nós não vamos entregar nosso negócio principal a ninguém. Além disso, a Kodak é especialmente dedicada a Rochester. Temos de ter a certeza de que isso não acontecerá aqui.”
Ron deixou o debate animado prosseguir mais um pouco e então educadamente nos conduziu de volta ao assunto em pauta: melhorar o desempenho do Parque. Reiterou que a idéia do vídeo era de “nos sacudir um pouco” para que ficássemos atentos.
Para ajudar-nos a entender a possibilidade de uma “revolução cultural” de grandes proporções numa grande organização.
Ron também mostrou um vídeo de John Glavin, presidente da Motorola.
Na fita, Glavin explicava como o nível de qualidade da Motorola fora inadequado para competir com os japoneses, até que a empresa desenvolvesse um programa chamado de Six Sigma, planejado para reduzir dramaticamente índices de erro em tudo que era feito pela companhia, desde a produção até os serviços,… mas deu à empresa uma liderança confortável sobre seus concorrentes japoneses nos mercados de aparelhos moveis de comunicação” (obs. estes fatos aqui detalhados são do final da década de l980…)
“Pela primeira vez, começamos a considerar seriamente as estruturas de organização alternativas.
É verdade que a Kodak provavelmente jamais seria o tema de um filme no estilo de Michael Moore, mas se não tivéssemos sido obrigados a “pensar o impensável”, talvez não estivéssemos com plano organizacional alternativo pronto quando a crise de l989 nos forçou a ações drásticas e imediatas.
“MAMÃE KODAK”
1989 não foi a primeira vez em que senti as conseqüências de uma bomba no Parque Kodak ; 32 anos antes, quando estava visitando a empresa pela primeira vez, quase fui atropelado por um veículo limpador de ruas que varria a poeira que talvez contivesse partículas radioativas provenientes de testes nucleares atmosféricos.
Qualquer uma dessas -.partículas poderia velar os filmes sensíveis.
Quando George Eastman fundou a empresa em 1887, não havia é claro, resíduos radioativos para combater Também não existiam “filmes” – os fotógrafos usavam chapas de vidros revestidas de produtos químicos sensíveis à luz para reproduzir uma imagem. Eastman descreveu, “naqueles dias não se “levava” simplesmente uma câmera; acompanhava-se a aparelhagem da qual a câmera era apenas uma parte.
O meu equipamento, que incluía apenas o essencial, compunha-se de uma câmera do tamanho de um caixote, um tripé forte e pesado o suficiente para escorar uma casa, um grande suporte para as chapas, uma tenda escura, um banho de nitrato….
Eastman com o dinheiro no seu emprego de contador no Rochester Savings Bank, dedicou a sua vida a tornar a fotografia menos incômoda, mais barata e mais acessível para o público em geral. 0 potencial comercial da fotografia também não lhe passou despercebido.
Com a descoberta pelo Dr.R.L.Maddox da forma de fixar o nitrato de prata nas chapas numa solução de gelatina, que secava… o próprio Eastman estabeleceu-se na casa de sua mãe, transformando sua cozinha num laboratório e fábrica de chapas secas.
Em1881, fundou a Eastman Dry Plate Company e pode então dedicar-se inteiramente ao aperfeiçoamento dos processos fotográficos… Para isso inventou o nome “Kodak”, escolhido por não ser possível pronunciá-lo incorretamente, por soar da mesma maneira na maioria das línguas (lembrava também o clique do obturador e por não poder ser “associado com mais coisa alguma no meio que não com uma Kodak”
O assunto é vasto, instigante, vale a pena ler o livro. A Kodak é uma empresa que está dentro de um redemoinho – pulando que nem pipoca nos últimos tempos, com as discussões película x vídeo, tecnologias digitais e outras mais que virão. Gostaria de obter informações sobre a situação da Fuji, Agfa, Dupont, e muitas outras.