Por Danielle de Noronha
Nóis por Nóis, dirigido por Aly Muritiba e Jandir Santin e fotografado por Mauricio Baggio, estreou no circuito comercial em 12 de março, mas devido à pandemia do Covid-19, que fechou as salas de cinema e demais espaços que poderiam gerar aglomerações, o filme segue para sua estreia nas plataformas de steamig Now, Vivo Play e Oi Play no dia 9 de abril.
Baggio conta que o filme foi rodado há quase cinco anos, mas questões orçamentárias fizeram que ele só pudesse ser lançado este ano. Para o diretor de fotografia, o lançamento de Nóis por Noís é uma vitória para equipe, atores e produtores, pois foi construído com muita dedicação e pouquíssimo dinheiro. “E embora tenha demorado, o momento nos parece muito bom, pois o assunto é cada vez mais atual, devido às condutas de nossos governantes”.
No filme, o baile rola solto. Enquanto o RAP ecoa das caixas de som, quatro amigos vagam pela pista com objetivos bem distintos. O que eles não sabem é que seus destinos estarão selados para sempre após esta noite. E mesmo que tenha sido realizado em Curitiba, dialoga com a realidade de muitos jovens em todo o Brasil.
Confira a entrevista com Mauricio Baggio sobre a fotografia do filme.
Como surgiu o convite para você fotografar o filme Nóis por Nóis?
Conheço o Aly há muitos anos e já havia fotografado outros trabalhos com ele. O Jandir conhecia do curso de cinema da Unespar, onde fui professor de direção de fotografia. O fato dessa proximidade com os diretores acredito ter sido um dos motivos fortes para o convite.
O filme retrata a realidade de muitos jovens brasileiros. Como foi realizada a pesquisa para a construção da fotografia do filme?
Desde a nossa primeira conversa com os diretores sempre discutimos muito o que não queríamos para o filme. E algumas dessas coisas eram os looks tradicionais de filmes de favela que estávamos acostumados a assistir. Embora não se especifique a localização exata, a história se passa na periferia de Curitiba. Aqui o relevo é mais plano, o clima é frio e cinzento, e era isto que queríamos mostrar, que mesmo o Sul do país sendo considerado uma região rica os problemas sociais e a situação dos jovens na periferia das grandes cidades é muito parecida, seja no calor em um morro no carioca, seja no frio da Vila Sabará em Curitiba. E o clima não fugiu à regra, nos deu quase um mês de céu nublado, muito frio e garoa. Se por um lado as nuvens nos ajudaram a manter a continuidade, o frio e garoa atrapalharam bastante, pois foram extremos.
Para este projeto, quais foram as câmeras e lentes utilizadas e por que elas foram escolhidas? Foram realizados testes prévios?
Nóis por nóis foi um projeto de muito baixo orçamento. Baixo ao ponto de não termos muitas opções de escolha para os equipamentos. Na época em que rodamos a Sony havia lançado há pouco tempo a câmera A7S II e tínhamos uma à disposição. Pois é, exatamente o que você deve estar pensando, uma DSLR? Sim, e com lentes fotográficas também. Usamos um kit de Zeiss ZE fotográficas.
Como todo o filme é câmera na mão, para ter uma maior estabilidade e não ficar com aquele shake clássico de câmera fotográfica na mão, montamos um pequeno monstrinho. Assim tínhamos comando de foco por rádio, transmissor de vídeo e tudo mais o que teríamos com uma câmera cinematográfica, mas utilizando um corpo e lentes de fotográfica. Além disso, utilizamos um gravador externo para gravar um codec com bitrate maior e com um pouco mais de informação do que o nativo da própria câmera.
Obviamente, se tivéssemos mais recursos financeiros essa dificilmente seria a escolha, mas como sempre brinco, tenho pós-doutorado em filme BO, então não seria essa limitação com o equipamento que faria desistir do projeto!
Como foi pensada a luz do filme?
O filme foi pensado para passar a realidade do lugar onde a história se passa. E esta realidade é de pouca luz para as noturnas e o mesmo para as internas diurnas. As casas pequenas e próximas umas das outras, com janelas também pequenas, não permitem a entrada de muita luz solar. Isso somado ao fato de que temos um clima com dias muito nublados facilitam a criação desses ambientes mais escuros, com luz um pouco mais marcada. Nas noturnas utilizamos muitas lâmpadas domésticas mesmo, misturando lâmpadas fluorescentes, incandescentes e led, com temperaturas de cor diferentes, e assumindo-as em cena.
Nas ruas assumimos também a iluminação pública como estava, pois não teríamos orçamento para trocá-la. A surpresa foi encontrar já na periferia uma quantidade muito grande de led nos postes, o que nos forçou a escolher bem as ruas para manter uma certa continuidade.
Uma outra questão era o fato de não termos uma decupagem prévia precisa. Discutíamos cada cena no início da diária e eu criava o meu balé com a câmera a medida que os atores ensaiavam antes de rodar a cena. Eu precisava ter sempre uma luz que me permitisse atirar 360º. Então utilizar as luzes das locações (logicamente que sempre com ajustes) me permitia ter liberdade para a criação da movimentação da câmera.
Como foi o processo de escolha das locações?
O Jandir já participava de projetos educacionais de audiovisual nas comunidades onde trabalhamos. Então não só tinha o conhecimento da região, mas sabia muito bem o estilo de vida das pessoas que vivem lá. Com a visão de não apenas entrar naquela região, mas também de integrar os moradores à produção, a equipe procurou pessoas que tivessem interesse em participar. E assim neste filme não usamos produtores de locação com experiência, mas moradores que acabaram se demonstrando perfeitos para a função.
Fizemos uma extensa pesquisa na região buscando as casas, ruas, vielas, e demais locais que se adequassem às cenas. Infelizmente uma equipe um pouco prejudicada foi a de som, que não pode fazer muita escolha pois independentemente de onde fossemos sempre haviam cães latindo (risos).
Como está o desenvolvimento do cinema em Curitiba?
O cinema em Curitiba e no Paraná tem crescido muito tanto em número quanto em qualidade, isso falando tanto em profissionais como no resultado dos filmes. Os filmes produzidos por aqui já há algum tempo têm conseguido destaque em festivais pelo mundo. E consequentemente, produzindo mais, conseguimos que os profissionais ganhem experiência, melhorando técnica e artisticamente.
Uma outra questão é a abertura do mercado para novos profissionais, como foi o caso do Nóis por Nóis. Diversas pessoas que tiveram sua primeira experiência audiovisual no filme, hoje são profissionais atuantes no mercado. Até casos curiosos como do ator Matheus Moura que fez o teste após chegar na comunidade por engano, pegando um ônibus errado. Resultado, passou no teste, atuou no filme e já participou de diversos outros. Além de outros que após esta experiência conquistaram seu espaço e estão trabalhando em grandes produções nacionais.
Curitiba hoje possui uma estrutura técnica considerável, tendo uma boa disponibilidade desde equipamentos, técnicos até as etapas de finalização, capazes de atender grandes produções. Lutamos muito pela melhoria de qualidade e formação dos nossos profissionais e aos poucos sentimos que estamos conseguindo demonstrar isso para fora do estado.
Qual foi o diálogo da equipe de fotografia com as equipes de arte e som?
Entre arte e fotografia, tudo nesse filme foi pensado em aproveitar ao máximo o que as locações poderiam nos dar, pois não tínhamos muito orçamento para adequarmos os espaços ao que precisávamos. Então, aproveitamos muito das cores e texturas já existentes nas locações, embora sempre dando retoques para chegar exatamente onde gostaríamos.
Com relação à equipe de som, o fato de rodarmos com liberdade de 360º para a câmera obviamente afetava a captação de som direto. Então criávamos um balé em conjunto para um não atrapalhar o trabalho do outro. Muitas vezes dividindo espaços apertadíssimos dentro uma casa ou no porta-malas de um carro.
E como foi a parceria com Aly Muritiba e o estreante em direção de longa Jandir Santin?
Os dois sabiam muito bem o que queriam. Embora seja o primeiro longa do Jandir, ele já chega com uma boa experiência. Dividir uma função de tão alto nível de decisão não deve ser nada fácil. E pensar que os dois sempre tinham a mesma opinião seria até infantil. Em alguns momentos houve discordâncias, mas que eram resolvidas rapidamente, pois sempre senti muito respeito entre ambos.
Decidimos que não teríamos uma decupagem padrão, muito menos um storyboard. A ideia é que a câmera tivesse muita liberdade para ser um personagem dentro da história. Estávamos tratando de um assunto pesado, com atores naturais (como o Aly gosta de chamar os atores que não tinham experiência) e que sabíamos seria muito difícil mantermos marcações no set. Então diariamente, Aly, Jandir, Louyse (1a AC) e eu encontrávamos antes da chegada do restante da equipe para discutir cena a cena o que faríamos no dia. No primeiro momento fiquei até preocupado se isso funcionaria, mas após a primeira cena rodada, tive certeza que a escolha tinha sido perfeita.
Como foi o workflow de pós e qual a sua participação nele?
Participei de todo o processo de pós-produção que foi realizado em Curitiba mesmo. Além da questão orçamentário que restringiria muito a realização desta etapa em outro lugar, há a questão do fortalecimento e aprimoramento dos profissionais locais, que como já comentei, está muito preparada! Tivemos obviamente uma limitação pela pouca quantidade de informação gerada pela câmera. Sempre soubemos que enfrentaríamos isso, desde as filmagens, pois utilizamos um equipamento que não era o melhor para as situações que trabalhamos, mas era o melhor pelo orçamento que dispúnhamos, ainda mais se considerarmos que foi há quase cinco anos.
Algo mais que gostaria de acrescentar?
Contém Spoiler! (risos)
Algumas coisas me marcaram muito neste filme. Uma delas foi a dificuldade para rodar em algumas diárias por questões climáticas. Tínhamos frio extremo e umidade. Com isso muita gente acabou doente. Mas talvez um dos acontecimentos que mais me marcou foi uma cena de fuga onde um dos personagens sai correndo de uma casa, pula o muro caindo praticamente dentro da casa do vizinho (uma casa bem simples que ficava em um barranco à beira de um riacho). Ao atravessar essa casa ele se depara com um morador. Esse morador fizemos questão de colocar como figurante, o próprio dono da casa. Seus dois filhos pequenos, em torno de 4 e 6 anos mais ou menos, assistiram e se divertiram com toda a bagunça que fizemos em sua casa. Quando enfim terminamos a cena, cada um cuidou da sua função preparando o deslocamento para a próxima locação, e assim como chegou, a equipe foi saindo rapidamente. Um dos últimos a sair, fui agradecer à família e à dona da casa, quando a filha mais velha me pergunta, tio e o filme? Aí me caiu a ficha, pois é, e o filme? Invadimos como um trator aquela pequena casa falando que estávamos fazendo um filme. Colocamos o pai daquelas crianças em uma situação talvez inimaginável para alguém que vive na periferia e em um lugar tão pobre, a participação em um filme! E de repente estávamos indo embora sem que elas tivessem visto o tal filme.
Chamei minha equipe de câmera pelo rádio, pedindo que trouxessem a câmera e um monitor. Eles me comunicaram que o equipamento já estava na van pronto para o deslocamento. Eu pedi que trouxessem mesmo assim, e que entenderiam o motivo. Montamos o monitor na sala da pequena casa e além de poderem se ver no monitor mostramos a cena filmada onde o pai (figurante) aparece, mesmo que por aproximadamente um segundo devido à velocidade com que passávamos correndo pela casa. Para aquelas crianças, que se divertiram muito assistindo tudo aquilo, me pareceu ser um momento mágico, poder ver o pai “na televisão”.
Muitas vezes esquecemos de que locações, veículos, objetos estão nos sendo cedidos, e que figurantes são pessoas que participam e auxiliam na construção cinematográfica, e o mínimo que devemos ter é o respeito e agradecimento. Espero que este episódio tenha sido tão marcante para aquelas duas crianças quanto foi para mim!
Ficha Técnica:
Direção: ALY MURITIBA e JANDIR SANTIN
Empresa produtora: GRAFO
Roteiro: ALY MURITIBA, HENRIQUE SANTOS e JANDIR SANTIN
Direção de Fotografia MAURÍCIO BAGGIO
Direção de Arte: LAÍS MELO
Montagem: JOÃO MENNA BARRETO
Som direto: ALEXANDRE ROGOSKI
Desenho de som: ALEXANDRE ROGOSKI
Produção executiva: CHRIS SPODE e MARISA MERLO
Produção: ANTÔNIO JUNIOR
Fotos: Alexandre Spiacci