Carta de repúdio da ABC a artigo do diretor do festival EnergaCAMERIMAGE, Marek Żydowicz

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Foto: Divulgação

A ABC (Associação Brasileira de Cinematografia) expressa indignação e preocupação com as afirmações contidas no artigo “Time for Solidarity”, publicado na edição de nov-dez/2024 da revista “Cinematography World” (p. 6). O artigo, assinado por Marek Żydowicz, diretor do festival EnergaCAMERIMAGE – um dos mais importantes festivais de fotografia cinematográfica do mundo, que neste ano realizará sua 32ª edição de 16 a 23 de novembro, na Polônia –, sugere que o aumento da participação de mulheres na direção de fotografia implica no comprometimento da qualidade artística dos filmes selecionados. Esse tipo de declaração não só é absurdamente ofensiva, como também demonstra um profundo preconceito contra o trabalho de mulheres na indústria cinematográfica.

A qualidade artística de um filme não é determinada pelo gênero de quem o cria, mas, sim, pelo talento, pela técnica e pela visão da equipe envolvida. Ao questionar a competência de diretoras de fotografia, o autor retoma estereótipos antiquados e desmotiva futuras profissionais da área. Diversidade e inclusão são essenciais para a inovação e o progresso em qualquer setor, e a arte do cinema não é exceção.

Com 24 anos de existência, a ABC (associação que representa mais de 450 associadas/os/es e é filiada à FELAFC e à IMAGO) reconhece que, como comunidade, também temos um longo caminho a percorrer para alcançar a equidade de gênero e raça. Diante do trabalho ainda incipiente para mudar essa realidade, não podemos permitir retrocessos como esse que o texto revela.

Esperamos que o festival EnergaCAMERIMAGE não compactue com a opinião de seu diretor e reafirme seu compromisso com a promoção de todas(o/es) as(os/es) profissionais da indústria cinematográfica, esforçando-se para criar um espaço verdadeiramente acolhedor e respeitoso para todas(os/es).

Leia, a seguir, a versão em inglês da carta de repúdio da ABC:

ABC, the Brazilian Cinematography Association, expresses its indignation and concern at the statements contained in the article “Time for Solidarity”, published in the Nov-Dec 2024 issue of” Cinematography World” magazine.

The article signed by Marek Żydowicz, director of the EnergaCAMERIMAGE festival, one of the most important cinematography festivals in the world, which this year will take place from November 16 to 23 in Poland, suggests that the increased participation of women in cinematography implies that the artistic quality of the selected films will be compromised. This kind of statement is not only absurdly offensive, but also demonstrates a deep prejudice against the work of women in the film industry.

The artistic quality of a film is not determined by the gender of the person creating it, but by the talent, technique and vision of the team involved. By questioning the competence of female directors of photography, the author rehashes outdated stereotypes and discourages future professionals in the field. Diversity and inclusion are essential for innovation and progress in any sector, and the art of cinema is no exception.

With 24 years of existence, ABC, which represents more than 450 members and is affiliated to FELAFC and IMAGO, recognizes that, as a community, we also have a long way to go to achieve gender and racial equity. In view of the still incipient work to change this reality, we cannot allow setbacks such as the one revealed in the text.

We hope that the EnergaCAMERIMAGE festival does not agree with the opinion of its director, and reaffirms its commitment to promoting all industry professionals, striving to create a truly welcoming and respectful space for all.

CARTA DA SOCIEDADE BRITÂNICA DE CINEMATÓGRAFOS

A primeira entidade de cinematografia a se manifestar publicamente foi a Sociedade Britânica de Cinematógrafos, que divulgou a seguinte carta de repúdio no sábado, 9 de novembro, referindo-se diretamente ao diretor Marek Żydowicz:

A BSC deseja expressar sua desaprovação ao seu recente artigo no “Cinematography World”. Estamos desanimados e irritados com seus comentários profundamente misóginos e o seu tom agressivo, que consideramos sintomáticos de um preconceito profundamente enraizado.

O festival Camerimage merece coisa melhor e, como festival global, tem a responsabilidade de procurar e promover o talento incrível que existe em todo o mundo – especialmente dos grupos que tradicionalmente têm sido sub-representados.

O mundo da #cinematografia e as imagens que criamos são vibrantes e diversificadas, no entanto, é claro que nem sempre foi um lugar acolhedor para vozes diversas. As cineastas femininas são uma voz muito diversa, a quem há muito tempo é negado um lugar à mesa, e a comunidade do cinema procura, com razão, ações positivas para resolver décadas de sub-representação.

Infelizmente, o seu artigo apresenta uma visão ultrapassada da superioridade masculina nessa área, equiparando uma representação de gênero mais justa a uma queda nos valores artísticos. Seu comentário “Podemos sacrificar obras e artistas com realizações artísticas notáveis apenas para dar lugar a produções medíocres? confunde a cinematografia feminina com a mediocridade. Isso é profundamente sexista e uma triste ilustração de um ponto de vista misógino e pessoal.

No início deste ano, a BSC e seus membros apoiaram a petição @wicinematography para garantir uma melhor representação no festival EnergaCAMERIMAGE, otimistas de que o tema “Ano das Mulheres Valentes” desta edição traria mudanças ao festival que muitos de nós consideramos há muito esperadas. Seu artigo e as opiniões expressas são profundamente arrogantes com esse incrível grupo de mulheres e com o trabalho que elas estão realizando para mudar as percepções de pessoas como você.

Seus comentários prejudicaram a reputação do seu festival, e pedimos que você reflita sobre o que disse e sugeriu, e que faça um plano claro sobre como o EnergaCAMERIMAGE abordará a contínua sub-representação de #cinematógrafas e #cineastas do sexo feminino.

A BSC apoia suas diretoras de fotografia e operadoras de câmera; apoiamos o “Women in Cinematography”; e apoiamos a comunidade cinematográfica em geral em oposição às suas declarações.

Já a revista “Cinematography World” veio a público para informar que o conteúdo do artigo não reflete a opinião de seus editores.

Em agosto, a ABC também apoiou a petição do movimento “Women in Cinematography”, que luta por uma maior diversidade no festival EnergaCAMERIMAGE.

RESPOSTA DE ŻYDOWICZ

O diretor do festival EnergaCAMERIMAGE respondeu à BSC no sábado, no site do evento:

A EnergaCAMERIMAGE sempre apoiou, continua e continuará apoiando cineastas marginalizados. Isso não vai mudar. Foi com esse compromisso que criei este festival nos anos 1990, dedicando-lhe toda a minha vida profissional.

Eu realmente acredito que as acusações feitas contra mim no comunicado publicado no site da BSC (British Society of Cinematographers) são totalmente equivocadas e bastante ofensivas. Se essas acusações fossem de fato verdadeiras, esse festival simplesmente não existiria mais. O respeito pelos outros sempre foi a minha prioridade e continua a ser também para o nosso festival.

Já há algum tempo temos conversado com o “Women in Cinematography” (Mulheres na Cinematografia) sobre nossa colaboração e as formas como poderíamos trabalhar juntos para ajudar o festival a crescer. Juntos, elaboramos uma Política de Diversidade e Inclusão, que planejávamos publicar em breve. Anexo-o a esta mensagem, pois me parece necessário abordar esse assunto agora, em vez de esperar até a próxima semana, como planejamos inicialmente. Os meus comentários anteriores foram uma resposta direta às opiniões expressas sobre a necessidade premente de aumentar o número de filmes realizados por cineastas mulheres nas seções competitivas do nosso festival. Sempre nos esforçamos para mostrar apenas o melhor do cinema contemporâneo, independentemente de quem o cria. E é assim que a minha afirmação deve ser entendida, não há mais nada além disso, não tem nada a ver com falta de respeito às mulheres. Minha afirmação referia-se apenas aos nossos critérios de seleção no festival, e estes se resumem ao valor artístico. Não há nada na minha declaração, nem na minha opinião, nem na opinião de toda a nossa equipe, maioritariamente constituída por mulheres, que possa merecer uma recepção negativa.

Lamento muito que a BSC tenha interpretado mal meus comentários. Por favor, não procure um inimigo em um amigo, que se diferencia apenas por tentar manter a prioridade nos valores artísticos. Manter o respeito por todos os(as) cineastas, independentemente de seu gênero, é uma questão totalmente diferente.

Eu realmente acredito que esta situação é um mal-entendido.

Reiterarei o que disse na entrevista: “Ao lutar contra a exclusão, não devemos excluir-nos injustamente”. Devemos permanecer honestos, tanto artística quanto pessoalmente. Respeito os direitos das mulheres e estou com elas em sua luta pelo devido reconhecimento e lugar de direito na indústria cinematográfica.

Por favor, dê uma olhada em nossa programação deste ano. Estamos realizando quatro painéis em colaboração com o “Women in Cinematography”. Também estamos auxiliando a iniciativa na organização de seu próprio encontro na EnergaCAMERIMAGE 2024, disponibilizando nossa infraestrutura e equipe para utilização. Por nossa própria iniciativa, também preparamos eventos adicionais liderados por mulheres e centrados nas mulheres, incluindo uma seção de filmes que celebra mulheres valentes. Dentro da nossa capacidade, o festival continuará apoiando todos os esforços no sentido de melhorar o status das mulheres na indústria cinematográfica.

Por favor, evitem usar termos depreciativos ao se referirem a mim, pois isso não contribui para uma parceria colaborativa.

Espero sinceramente que publiquem minha resposta e a política anexa, e que o próximo festival seja uma oportunidade para vocês verem que o raciocínio por trás de seu apelo foi baseado em mal-entendidos.

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