Por Arthur Pinto
Universidade Federal de Sergipe
Introdução
Enquanto Trabalho de Conclusão de Curso, o documentário 10 segundos é uma realização audiovisual fomentada a partir da disciplina Projetos Experimentais do curso de Comunicação Social, Habilitação em Audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe. O documentário tem como objeto de investigação e registro, a história e o universo sergipano vinculados à prática do esporte automobilístico denominado como Prova de Arrancada.
Compreendendo, a partir de Nicholls (2005), que o documentário tem como uma das principais funções convencer ou evidenciar um tema que necessita de atenção, busquei registrar nos ambientes de preparação destes carros de competição e locais de encontro as relações das pessoas com o esporte, via oralidade, procurando desmistificar uma visão equivocada e estereotipada em que este esporte se configura como vandalismo, marginalidade ou prática ilegal, conhecidos como “Rachas de Rua”.
Escolhi como elemento central de registro a palavra e o depoimento daqueles que fazem o cenário de provas de arrancada no Estado, procurando enfatizar o comprometimento, a relação afetiva e identitária destes com a atividade. Para tanto, foram selecionados quinze praticantes profissionais e amadores deste segmento do automobilismo.
A minha escolha por este tema se justifica por minha ampla experiência, colaboração e convívio com as Provas de Arrancada por mais de uma década. Neste período desenvolvi atividades como comissário de prova, piloto, assessor de comunicação e organizador de muitos destes eventos.
As Provas de Arrancada
O que leva uma pessoa a comprometer todo o orçamento do mês em peças de carro, passagens de avião, dias longe da família e conforto da sua casa em busca de felicidade numa atividade que tem seu auge em menos de dez segundos? A resposta é Correr! Esta paixão que nasce, para muitos, quando se é pequeno, seja disputando as primeiras corridas a pé ou os primeiros passeios de bicicleta. O que envolve esse sentimento em um grupo de pessoas de uma cidade como Aracaju que, mesmo sofrendo com a falta de estrutura e apoio, se mantêm firme na busca da melhor corrida, do melhor tempo?
O movimento automobilístico sergipano sempre esteve presente em várias gerações, nos primeiros passeios na “Rua da Frente”, logo quando se popularizou os automóveis, seguidos dos encontros no largo do CRASE – Clube do Rádio Amador de Sergipe – nas décadas de 60 e 70, com seus fervorosos encontros. Posteriormente, na década de 80, o point ficou reservado à Praia 13 de Julho, quando em sua antiga configuração estavam lá estacionados os mais potentes carros da cidade.
Com a modernidade e a explosão de vendas de automóveis em nossa capital, foi ficando cada vez mais difícil encontrar um local para que os proprietários dessas verdadeiras máquinas pudessem exibir seus brinquedos e comprovarem sua verdadeira potência. Foi daí que surgiram, no final da década de 80, as primeiras Provas de Arrancada vistas por aqui. Eventos realizados em locais controlados pela policia, como a Rodovia José Sarney, localizada na Praia do Mosqueiro, onde, de maneira organizada e segura, todo piloto que se aventurasse não estaria pondo em risco a vida nem a integridade de outras pessoas.
Nas Provas de Arrancada, tendo como nome original DragRace nos EUA, o objetivo é completar certa distância, tradicionalmente um quarto de milha ou um oitavo de milha – aproximadamente 402 metros e 201 metros, respectivamente, no mais curto espaço de tempo possível ou em primeiro lugar.
Os veículos utilizados variam entre o “carro de rua” e os “carros preparados”, que são aqueles utilizados exclusivamente nestas competições. As velocidades e os tempos diferem, naturalmente, de categoria para categoria. Um carro comum pode completar os 402 metros em quinze segundos, ao passo que um preparado pode cobrir a mesma distância em seis segundos e atingir 290km/h.
As Arrancadas foram iniciadas, enquanto esporte, pelo norte-americano Wally Parks, no início dos anos 50, por intermédio da NHRA – National Hot Rod Association, que é o maior corpo organizativo do esporte no mundo inteiro. A NHRA foi formada com o objetivo de afastar as pessoas das corridas de rua nos Estados Unidos da América.
Os tempos passaram e, seguindo o mesmo que acontecia em outros lugares no mundo, a paixão pela velocidade ficou a cada ano maior e maior, se tornando então um esporte bem reconhecido e respeitado. Hoje a Arrancada é vista pelos olhos da Confederação Brasileira de Automobilístico – CBA –, órgão filiado à Federação Internacional de Automobilismo – FIA –, como o esporte automobilístico que mais cresce no mundo em número de público, competidores e competições. São dezenas de competições distribuídas por todo território nacional com pistas homologadas e oficiais.
O Autódromo Internacional de Curitiba, junto com o Velopark (RS) juntam em seus festivais anuais mais de 500 carros e movimenta milhões de reais entre peças de competição, turismo e confecção. Existe um campeonato nacional administrado pela CBA onde os campeões das 5 regiões do Brasil se enfrentam em uma grande final.
A Prova de Arrancada ainda busca seu espaço nas mídias convencionais, o que vem acontecendo aos poucos através de campanhas promocionais de diversos patrocinadores e eventos educativos, já que o grande gancho atribuído a prática é atrair os corredores de rua para as pistas e eliminar assim as corridas clandestinas de Racha de Carros.
Sergipe conta, atualmente, com eventos esporádicos organizados por uma comissão de pilotos e amantes do esporte intitulada Associação Sergipana de Pilotos de Arrancada — ASPA. Estes eventos não estão sendo realizados em locais específicos para esta prática, uma vez que não há uma pista exclusiva para a atividade no Estado. Assim, sempre que a ASPA organiza eventos, procura adotar medidas de segurança recomendadas pela CBA, procurando garantir a segurança, tanto para quem assiste, quanto para quem participa do evento.
Proposta conceitual do documentário 10 segundos
É comum observarmos nos processos de montagem de documentário o uso de imagens de referência para dar suporte à narração, com a função de exemplificar, confirmar ou reafirmar o discurso presente na sonora. A exemplo de “Nitro Circos” (Gregg Godfrey e Jeremy Rawle, 2012), documentário norte- americano que acompanha os preparativos para um grande show em Las Vegas de um grupo de praticante de esportes radicais motorizados. Neste filme, a narrativa se baseia em imagens muito bem captadas em diversos ângulos e enquadramentos, possibilitando ao espectador uma noção mais aproximada do que estes esportistas passam em seus grandes saltos e manobras arriscadas. A ambientação sonora e imagens são paralelamente construídas, dando a quem assiste, total referência do que acontece diante das câmeras. Não se percebe uma encenação de imagens e som.
Rodrigues (2012) observou que Schaeffer defende que a imagem e o som devem trabalhar de maneira intercalada, nunca ao mesmo tempo, não sobrecarregando o espectador nem produzindo redundâncias. No documentário 10 segundos, há uma opção pela palavra, pela oralidade daquele que protagoniza a Prova de Arrancada.
Para o documentarista Eduardo Coutinho (DIAS, 2013, p.01), nem sempre esta opção é compreendida:
Eu pago um preço. Dizem que nada acontece nos meus filmes, mas as pessoas falam. E falar é uma forma de fazer, é uma performance. É um ato do corpo. E isso me basta. A pessoa é lavadeira, eu não preciso mostrar ela lavando roupa. O filho morreu, eu não preciso ter o retrato do filho (…) o jeito dessas pessoas contarem suas histórias, umas chorando, outras fazendo um melodrama, para mim é tudo verdadeiro e ridículo, como Fernando Pessoa dizia das cartas [de amor]. Para mim, aquilo é vital, aquilo é bom, aquilo é bonito, expressando lugares comuns ou não. Nunca tento dizer o que o filme quer dizer. Então as pessoas saem [da sala] livres.
Coutinho exerce um papel fundamental para o desenvolvimento de um estilo de documentário contemporâneo no Brasil. Ao desenvolver seu estilo através de entrevistas, consegue “dar voz” ao personagem social, oportunizando a este o papel de sujeito do discurso, desenvolvendo a produção de sentidos do espectador, a partir de suas próprias experiências.
Esta produção de sentidos através da entrevista, presente nos filmes de Coutinho, acaba influenciando a forma de abordagem dos documentários nas décadas de 1980 e 1990, ao ponto destes abolir algumas ferramentas de apoio à narrativa:
O privilégio da entrevista, associado à retração na montagem do uso de recursos narrativos e retóricos, particularmente da narração ou voz over, considerada uma intervenção excessiva, que dirige os sentidos, fabrica interpretações (LINS; MESQUITA, 2008, p. 27).
Desta maneira, a “voz over” é descartada, camuflando a presença explícita da opinião e influência do diretor. Lembrando que a “mão” do diretor continua presente em todo o filme, em toda montagem e escolhas. Assim, “a voz do cineasta emerge da tecedura das vozes participantes e do material que trazem para sustentar o que dizem.” (NICHOLS, 2005, p. 160).
Optar pela palavra, favorece ao espectador a chance de construir uma imagem, a partir do seu repertório imagético e de memórias. Assim, descartamos o uso de vídeo e fotos de preenchimento como referência dramática, apresentando somente a oralidade dos entrevistados e a ambiência acústica de cada local de entrevista. Para reforçar este dispositivo, o som captado pertence a uma ambiência real e com incidência em paralelo ao momento de captação das imagens a fim de manter maior naturalidade e consequentemente fidelidade.
O documentário 10 Segundos está dividido em seis capítulos, sendo eles: o “Nascimento”, que aborda o momento em que os entrevistados reconhecem em suas vidas o inicio pelo interesse em velocidade e carros; a “História”, abordando como surgiram as primeiras corridas de carro em Aracaju, e como eram realizadas; na sequência, apresentamos a questão “Preconceito”, a equivocada comparação do esporte Arrancada com a prática clandestina de corridas de rua, conhecida como Rachas; no capítulo “Estrutura” a visão econômica desse esporte é colocada com exemplos e argumentos reais; em “Família” conseguimos identificar como é importante ter o apoio das pessoas que estão por perto desses pilotos; e, fechando com uma emoção que é típica em pessoas que fazem o que gostam, o que amam: “Paixão”.
A produção do documentário
A fotografia e o som deste documentário cumpriram total fidelidade, no que se refere a contextualizar os locais de realização das entrevistas, que foram planejadas e montadas com o intuito de destacar os entrevistados e ao mesmo tempo dar a quem assiste uma contextualização de ambiente. Observamos, por exemplo, nas cenas em que um dos entrevistados está em uma oficina de preparação, elementos característicos desse ambiente, como ferramentas, carros, peças, bem como o som de ambiência, registrando e construindo, assim, uma identidade sensorial completamente alinhada à realidade do objeto motivador da realização.
Todas as entrevistas foram realizadas à noite, com intuito de maior controle de luz, tendo desta forma, intencionalmente, a possibilidade de construir o recorte necessário entre o primeiro e segundo plano.
A equipe de set foi composta por mim, montando e operando todo equipamento de luz e câmera, além de exercer a Direção Geral e Fotografia; por Lícia Melo, que, além de conduzir, fez a produção e agendamento das entrevistas; e Baruch Blumberg, que ficou responsável pelo som direto.
O projeto foi dividido em três etapas: Pré-Produção, Produção e Pós-Produção. A Pré-Produção foi iniciada com as pesquisas e construção de roteiro, a partir de visitas e conversas com alguns praticantes de Arrancada. Em seguida, foi montada a equipe e o plano de gravações, juntamente com a busca de apoio e patrocínio. Com a fase de pré-produção completa, partimos para a fase de gravações, indo às locações para a realização das entrevistas. Concluído e com todas as gravações realizadas, logadas e, já em nossa ilha de edição, começamos o processo de pós-produção, com a montagem de som e imagem, seguidos da mixagem de som e correção de cor. Finalizando com a criação dos caracteres e processo de renderização
Para a realização deste documentário foram captados aproximadamente 115 minutos de imagens brutas e som direto. As imagens foram captadas utilizando uma câmera fotográfica de marca Canon, modelo 5Dmkii, em cores, com resolução FullHD (1920x1080p) 23,97fps. Lente Samyang Cine 35mm 1.5T. O som direto foi captado utilizando microfone shotgun Sennheiser modelo NTG-1 com vara boom e blimp de marca Rode, gravador digital Zoom H4n em arquivo wave, a 48khz e 16bits com limite em -12db, de modo a evitar a saturação de áudio.
Foi utilizado tripé fotográfico de marca Manfrotto 055 XPro B e cabeça de vídeo hidráulica 501HDV. Para montagem de luz foi utilizada fontes de luzes quentes e frias, sendo um holofote utilizado geralmente em jardins com 500W de potência, com aproximadamente 3600K de temperatura de cor, mais duas placas de 500 leds com aproximadamente 6400K. A montagem, correção de cor e finalização se deu em ilha Mac utilizando o software Adobe Premiere Pro CS6, tendo como produto final o filme em vídeo digital com 1920x1080p 23,97fps 48khz 16bits.
Cronograma de Produção
O apoio ao documentário
Para realização do documentário, foi necessária a captação de apoio e patrocínio. Foram feitas diversas propostas a oficinas de preparação, lojas de autopeças, fabricantes de peças, dentre outros. Ao todo foram arrecadados R$ 2000,00 (dois mil reais), que foram empregados em alimentação, transporte, comunicação e produção. A equipe técnica participou voluntariamente de todo o processo. Em contrapartida, as marcas desses patrocinadores passaram a integrar o documentário, ora inseridos nos cenários, ora nos créditos do filme.
A pesquisa teórica para o documentário 10 segundos
Em conformidade com o professor orientador deste Trabalho de Conclusão de Curso, Prof. Dr. Armando Castro, realizei uma pesquisa acerca do gênero documental, sua história, origem, conjunto de obras e estilos de diretores. O estudo, desde o desenvolvimento da câmara escura, passando pelo início do processo de projeção de imagens, reprodução de movimentos e construção de uma sensação de espelhamento do real, levou o cinema a boa parte do mundo.
Para Nichols (2012), todo e qualquer filme é documentário, sendo este, através da tentativa de se tornar concreto os sonhos e desejos, ou mesmo na busca de se mostrar algo que representa o mundo que ocupamos e as maneiras em que nos comportamos nesse mundo através de histórias, que dependendo da nossa interpretação podem vir a ser “verdades” ou não. No filme documentário não estamos diante da tela apenas para sentir o prazer e o entretimento, mas também seguir na direção escolhida pelo diretor.
Partindo dessa compreensão, busquei em meu projeto, dar ênfase ao comportamento humano, na maneira como ocupamos e nos comportamos em determinado espaço social. Pesquisei sobre Robert Flaherty e todo seu processo para realização de Nanook of the North (Robert J. Flaherty, 2012), filme que recebe por muitos autores o titulo de pioneiro no gênero documental. Flaherty precisou de 10 anos em viagens que possibilitaram a ele conhecer e captar imagens do povo Inuik, nativos do norte Canadense. Após ter seu filme queimado por um descuido durante o processo de montagem, Flaherty pôde retornar ao norte do Canadá e refilmar tudo, só que agora utilizando a encenação dos costumes e as jornadas de uma família Inuik.
[…] Pela primeira vez, o objeto de filmagem era submetido a uma interpretação, ou seja, uma desmontagem analítica daquilo que foi registrado, seguido de uma montagem cuja lógica central escapava à observação instantânea e só poderia decorrer de um conjunto de detalhes habilmente sintetizados e articulados. (DA-RIN, 2004, p.47)O que me chamou atenção no método construído por Flaherty, foi o processo para se chegar ao produto final que, além de possuir a linha temporal em que os fatos foram montados, teve também a oportunidade de estar em campo convivendo com os personagens sociais. Ele conseguiu programar todo processo de filmagem ao ponto de resolver problemáticas encontradas no processo de montagem anterior, no filme que foi queimado. Nessa nova montagem ele pode contar com planos e movimentos de câmera que contribuíram para uma linguagem cinematográfica mais coerente.
Conhecendo todos os anseios, dificuldades e conquistas, por ter tido vários anos de convivência e experiência dentro do meio automobilístico, em especial Provas de Arrancada, encontrei nessa experiência de Flaherty, a possibilidade de escolher um tema onde eu tivesse intimidade e onde vi a oportunidade de construir um discurso abordando a minha compreensão sobre o objeto. Levando em consideração que eu já conhecia as personagens, já tinha um levantamento do assunto abordado, parti para o processo de construção e planejamento da maneira como este seria abordado e transmitido.
A partir dos estudos de John Grierson, busquei informações e análise de discursos, formas de abordagens que causasse no espectador interesse e reações particulares. Grierson concentrou boa parte do seu tempo a analisar o cinema russo e sua relação com a verdade, ou pelo menos a construção de uma verdade que satisfizesse a visão dos diretores.
A teoria de montagem de Eisentein insistia na necessidade do cinema em justapor imagens, ou planos, de maneiras que provocassem o espectador a fazer novas descobertas. Fragmentos dos que é, do que poderia ser, colocados diante da câmera, combinados numa visão do novo, do que o cineasta, como membros de uma nova sociedade, poderia moldar no momento (NICHOLS, 2005, p.182).
Observando que Eisenstein, em sua teoria de montagem tinha como característica principal a justaposição de imagens ou planos de modo a provocar no espectador novas sensações e sentidos. Levando em consideração que a montagem está presente em todas as escolhas, inclusões, ações e reações do processo de realização em um filme, optei por construir uma montagem sem imagens de preenchimento ou referência com relação à palavra. Busquei apenas, através da montagem dos discursos dos depoentes, criar a possibilidade do espectador estar aberto a criar sua visão do real. Essa abertura, por mais que livre, ainda sofre controle a partir de elementos que compõem a imagem e o som, de certo modo “manipulados” por mim, no papel de diretor do filme.
Os ambientes onde foram feitas as entrevistas precisavam ter uma relação direta com cada um dos personagens e, ao mesmo tempo, ter uma relação com o assunto central abordado. O posicionamento da câmera em relação ao personagem cria uma composição onde coloquei presente elementos como ferramentas, equipamentos, carros preparados, motores, entre outros, criando uma relação de verdade.
A partir de anotações, filmes e estudos de Dziga Vertov, vemos que ele acreditava em um cinema mais compromissado com a verdade, onde a imagem e o som exerciam uma relação com o real, mesmo que esse real fosse o construído através do olhar da câmera (cine-olho). Segundo Da-Rin (2004), para Vertov a câmera tinha o poder de captar um mundo invisível ao olho humano, um mundo montado pelo cineasta que, através da montagem, cria uma nova estrutura capaz de interpretar relações visíveis e invisíveis.
Para Da-Rin (2004), Vertov enfrentou grandes dificuldades em sua insistência de gravar fora dos estúdios. Esbarrando nos pesados equipamentos, opiniões contrárias em relação aos ruídos do mundo, manteve sua militância, pois, em seus conceitos, a imagem e o som deveriam ser gravados de maneira instantânea, ao mesmo tempo para que ambos fossem coincidentes. Nesta perspectiva, o som assume um papel na narrativa de um filme, onde o espectador constrói uma realidade virtual, a partir das referências ouvidas. Acompanhadas da imagem, este espectador passa a verificar o grau de veracidade na relação do som e imagem.
(…) o ouvinte tende a construir um sentido narrativizado para os sons, numa espe?cie de escuta episo?dica, dramatizante, muitas vezes apoiada na visualidade ligada a? execuc?a?o musical. Este modo de escutar cria, por uma espe?cie de mi?mese, uma dina?mica sonora particularmente favora?vel a? gerac?a?o de paisagens imaginarias ou a? encenac?a?o de estados emocionais. (OBICI, 2006)
Baseado nessas premissas de Vertov e nas observações de Obici (2006), quando procurei desenvolver o modo em que se deram as gravações, mantive os sons ambiente, diegético, tentando não interromper o funcionamento normal dos locais, nível de captação e mixagem perceptíveis ao espectador, garantindo assim uma relação coerente.
A proposta de fotografia se baseou em alguns conceitos experimentais que tive acesso no decorrer desses anos de estudo na Universidade, além daqueles conhecimentos adquiridos em cursos externos ao universo acadêmico, com profissionais como Carlos Ebert e Anderson Craveiro. Minha intenção foi criar um atmosfera onde meu personagem estaria destacado do ambiente, mas sem perder uma relação natural, uma sobreposição de planos separados pela marcação de luz e foco, algo como um “chroma key”.
Assim, é possível ver na imagem que temos o personagem em primeiro plano, iluminado com um luz principal um pouco suave e com temperatura de cor fria, uma contra-luz mais dura e com temperatura de cor quente, que exerce um recorte, destacando o primeiro e o segundo plano. Neste, utilizei luzes que já se encontravam no ambiente, ajustando, muitas vezes, apenas os elementos de set ou enquadramento, procurando não utilizar uma terceira fonte de luz, fazendo uma luz de destaque a esse plano. A composição dos elementos dos quadros foram sempre baseados numa estética documental, obedecendo as regras de distribuição de elementos como regra dos terços, tendo meus personagens posicionados em um dos pontos de atenção, ponto de ouro.
Entendendo que meu grau de intimidade e de interação com os assuntos, elementos e personagens sociais abordados neste documentário, e, vendo a necessidade de me manter distanciado, mantendo uma postura de observação, sem que a equipe ou direção exercesse uma influência nesses personagens, utilizei como estratégia um entrevistador neutro com a intenção de extrair dos entrevistados respostas mais detalhadas, já que se estas fossem direcionadas a minha pessoa poderia vir carregada de códigos e significados nas entrelinhas que não seriam muito aproveitados, já que o público alvo não são as pessoas que praticam este esporte e sim, o público em geral. Foi justamente a partir dessa vivência e envolvimento que as perguntas foram formuladas de maneira estratégica e assim administradas pelo entrevistador .
Entrevistas realizadas, imagens captadas, som direto captado, partimos para montagem. A partir deste material bruto, foi feito um primeiro corte com o intuito de descartar o que não seria aproveitado e, daí, lapidar, dando forma ao discurso através de capítulos. Busquei criar uma junção sutil desses capítulos, apesar de ter optado por corte seco e direto em alguns momentos, avanço ou recuo de áudio de modo a dissolver a troca de planos.
Considerações Finais
Este documentário é o primeiro estudo acadêmico audiovisual sobre a atividade de Arrancada em terras sergipanas, evidenciando seus aspectos sociais e simbólicos, tornando este projeto de suma importância como testemunho de uma atividade esportiva que sofre preconceito e discriminação.
É bem verdade que dentro do curso de audiovisual, nesses seus primeiros anos de criação, não tivemos tantas ferramentas para oferecer o devido suporte à prática para desenvolvermos algumas habilidades, o que levou não só a mim, como também outros alunos a buscar estes conhecimentos em outros locais. Por mais que isso seja negativo, foi o que me estimulou a buscar sempre mais, o que aconteceu junto a entidades como Núcleo de Produção Orlando Vieira – NPDOV –, ou parcerias e realizações independentes como o filme Xandrilá (André Aragão, 2010), onde iniciei minhas atividades como Diretor de Fotografia, e no Sercine, evento realizado pela Cacimba Cinema e Vídeo, ONG criada por mim e outros colegas de curso, que tem como finalidade o fomento e acesso ao audiovisual.
O empenho e dedicação de todos os professores me fizeram seguir por diversos caminhos, dos quais eu destaco o cinema, a história, a linguagem e a direção cinematográfica que conquistaram um espaço especial, mas me apaixonei pela Direção de Fotografia, seus códigos, possibilidades de experimentações e registro da realidade.
Realizar este documentário me possibilitou arriscar em alguns conceitos e testar definições que tinha concebido apenas na minha imaginação, além de poder refletir, teoricamente, com o que foi apresentado em sala de aula. Desde a criação do pré-roteiro à última etapa de finalização, me depararei com desafios que me deixou, no mínimo, empolgado. Apesar de não ser o primeiro projeto audiovisual que me envolvi, este, pelo menos, foi o primeiro no qual eu dirigi e produzi, tendo que administrar todas as viabilidades de pessoal, de apoio, planejamento de uso de equipamento e execução.
Este projeto tem como objetivo maior alcançar as pessoas e, a partir desta realização, fazer com que elas reflitam e busquem criar uma opinião embasada na realidade deste esporte e daqueles que, por diversos motivos, o praticam.
O audiovisual, indo dos primórdios da imagem e do som à expressividade dos movimentos, enquadramentos, linguagem e suas possibilidades de se contar histórias, me levou para um caminho onde me vejo inserido no mercado de audiovisual, realizando filmes de ficção e documentários, VTs para publicidade e outros produtos, com toda seriedade e competência, com reconhecimento de qualidade e credibilidade.
Este artigo é fragmento do Relatório de Produção e Apresentação conceitual da obra documentário “10 SEGUNDOS”, obra esta que serviu de Trabalho de Conclusão do Curso Comunicação Social com Habilitação em Audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe em 2013/2 com orientação do Prof. Dr. Armando Alexandre Costa de Castro.
Referências Bibliográficas
DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue Editorial. 2004.
DIAS, Tiago. Com homenagem na Mostra, Coutinho diz que público foge de documentário. UOL Entretenimento Cinema, São Paulo, 28 out. 2013. Disponível em: Acesso: 19 dez. 2013.
A HISTÓRIA da Arrancada nos USA e no Brasil. Portal Banda B. Disponível em: Acesso: 12 nov. 2013.
HISTÓRIA da Arrancada. Revista Online FULLPOWER. Disponível em: Acesso: 12 nov. 2013.
HISTÓRIA da Arrancada. Speed Racing. Disponível em: Acesso: 12 nov. 2013.
LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. Filmar o real. Sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
MASCARELLO, Fernando. História do cinema mundial. São Paulo: Papirus Editora, 2007.
NICHOLS, Bill.Introdução ao documentário. Tradução: Mônica Saddy Martins. Campinas: Papirus Editora, 2005.
NITRO Circus – O Filme. Direção: Gregg Godfrey e Jeremy Rawle. Estados Unidos da América: Universal Pictures, 2012.
OBICI, Giuliano. Projeto Paisagem Sonora Mundial – Murray Schefer. Projeto Território Sonoro, 16 fev. 2006. Disponível em: . Acesso: 12 nov. 2013.
PUCCINI, Sérgio.Roteiro de documentário – Da pré-produção à pós-produção. Campinas: Papirus Editora. 2012.
RABIGER, Michael. Direção de Documentário. Rio de Janeiro: Elsevier. 2011.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas Afinal…o que é mesmo documentário? São Paulo: Editora Senac, 2008.
RODRIGUES, Rodrigo Fonseca. As Sonoridades e os Devires da Escuta Cinematográfica. Revista Interamericana de Comunicação Midiática, Belo Horizonte, v.11, n.22, p.329, 2012.
Conceitos e opiniões expressos nos artigos científicos publicados são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo obrigatoriamente a opinião da ABC.