Por Martha Reis e Alziro Barbosa
INTRODUÇÃO
É com enorme prazer que apresentamos este artigo, que esperamos seja o primeiro de uma progressiva série de outros, dentro de um projeto maior da Megacolor que visa calibrar, sintonizar, e afinar a interação entre diretores de fotografia e o laboratório, no objetivo central de assegurar consistência e constância de resultados.
Poder-se-ia utilizar a expressão mais comum “estandardização dos processos”, não fosse a carga de limitação que tal termo encerra. Pelo contrário, acreditamos que as conclusões dos testes, aqui apresentadas, possam apontar para um leque maior de novas possibilidades investigativas – resultado do cruzamento de informações distintas obtidas da análise comparativa de emulsões diferentes e com respostas particulares.
Sendo que um laboratório cinematográfico tem por função principal, a maior parte do tempo, servir à arte – e não a ciência -, pouco contribuiriam experimentos técnicos não imbricados, de algum modo, no fim estético da arte de fazer cinema.
Este trabalho foi realizado em conjunto com o diretor de fotografia, Alziro Barbosa, que, como eu, tinha a vontade de testar, quantificar, e analisar certos comportamentos fotográficos sob o prisma da ciência sensitométrica, visando proporcionar um estudo de interesse imediato para todos os fotógrafos em busca de excelência de resultados. Uniu-se a nós, ao longo do desenvolvimento deste trabalho, o fotógrafo de still Maurício Heller Dani, recentemente chegado de uma experiência profissional de 3 anos em Paris.
Em visita à Megacolor – decidido a ingressar no universo da fotografia cinematográfica -, teve a oportunidade de nos acompanhar, como observador, em parte da execução destes testes. Interessado pelo objeto desta pesquisa – e por ser também redator publicitário formado em Comunicação, além de entusiasta de projetos como o nosso – assumiu a revisão do texto deste artigo, tendo contribuído com muitas das frases que sintetizam as idéias deste projeto e, também, em parte das traduções dos relatos.
O procedimento proposto para realização da parte prática do método, assim como medição e tabulação de dados que o ensaio produz, são gerais e válidos para qualquer processo investigativo que se pretenda conduzir. Seu diferencial está nos gráficos que podem ser criados – com tamanha quantidade de dados gerados no ensaio – e que serão definidos em função dos parâmetros elegíveis para o objeto de análise, segundo o planejamento inicial do processo investigativo.
Hoje já temos alguns gráficos criados e analisados, e acreditamos que muitos outros surgirão ao longo do processo – conseqüência das necessidades que diretores de fotografia e outros interessados venham a nos apresentar.
No presente ensaio, buscamos obter resultados acurados da comparação de algumas características de performance da nova película cinematográfica Vision Expression 500 T (5284), comparada à película Vision 500T (5279), expressas em relatos de diretores de fotografia, como Vilmos Zsigmond/ASC e Josef Spelda/ ACK, traduzidos e anexados após o relato do diretor de fotografia Marcelo Durst.
Para tanto, Alziro e eu tivemos exaustivas discussões, consultamos o site da Kodak, lemos artigos e traçamos gráficos. Também consultei e conversei com Marcelo Durst. Tudo isto antes, durante, e depois da realização do ensaio.
Também enriquecem o trabalho algumas importantes observações do colorista dos Estudios Mega, Serginho Pasqualino, apresentadas no final do artigo.
Finalmente, contamos com o apoio solidário e absolutamente indispensável da Quanta, na figura da Édina, da Hagadê, pelo Hugo; da JKL, pelo Joãozinho; de todo o time da Megacolor – em especial o Anderson, o Edu, o Jesus e o Joni; da pauta dos Estúdios Mega: Magali, Celso, Toshi e Sabrina; e dos “bárbaros” assistentes de câmera Carlos Firmino, Rodrigo Toledo e Eduardo Pimenta.
De forma particular, agradeço ao Zé Augusto de Blasiis, Diretor de Operações da Megacolor, pelas discussões suscitadas ao longo da redação deste artigo. E, muito especialmente, agradeço a David Trejo, nosso Diretor Geral, por permitir esse vôo – contanto que assim possamos garantir, bem entendido, a filosofia de excelência que é objeto da Megacolor Laboratório Cinematográfico.
Martha Reis
O TESTE
O ensaio foi conduzido com as emulsões 5279.286 e 5284.021, cedidas pela Kodak. O cartão-teste utilizado foi construído a partir de um cartão cinza 18% da Kodak, dividido verticalmente em três partes iguais.
O cinza a 18% de refletância foi mantido no centro; à sua esquerda colocou-se branco a 90% ; e à sua direita preto a 3%.
Na parte inferior esquerda do cartão, foram colocadas uma escala de cinzas pequena (twenty one-step gray scale – small) e uma escala de cores (Kodak color separation guide).
Finalmente, na parte direita inferior do cartão, colocamos um identificador do experimento contendo código do negativo, índice de exposição, e processo de revelação.
Pelo método escolhido, manteve-se constante a iluminação do cartão-teste, e empregou-se o 5,6 como diafragma principal de trabalho (segundo estudos que comprovam ser a abertura menos suscetível a distorções de transmissão), basicamente variando-se a velocidade (quantidade de fotogramas por segundo).
Nos casos extremos, para a subexposição modificou-se o ângulo do obturador, e somente nos extremos de super-exposição o diafragma foi aberto. Assim, as emulsões foram submetidas a 16 diferentes situações de exposição, além da exposição normal, conforme as tabelas abaixo:
A iluminação do teste foi feita com 2 fresnéis de 1000 Watts da Telem, cedidos pela Quanta, perpendiculares entre si e formando um ângulo de 45 ° com o cartão-teste. A temperatura de cor, durante o ensaio, variou entre 3200 +/- 100 K. A luz refletida foi medida com um fotômetro Minolta Spot Meter. A câmara utilizada foi a Arriflex 435, e a lente padrão a Zeiss 2.1/50mm, ambas cedidas pela JKL.
Os dados de densidade para o Vermelho (R), Verde (G) e Azul (B), dispostos em gráfico neste trabalho, são resultado de uma média de, pelo menos, 3 leituras (feitas no X-Rite Densitometer) de cada interação do negativo com a respectiva luz no momento da exposição.
OS GRÁFICOS
De maneira geral, em todos os gráficos aqui apresentados optamos por excluir o véu de base do negativo, para o registro de um resultado real das densidades obtidas pelas emulsões em cada uma das situações – o que nos parece facilitar muito a análise comparativa.
O gráfico 1 apresenta, em seu eixo horizontal, as diferentes situações de exposição que ambos negativos sofreram ao longo do experimento. No eixo vertical estão as respectivas densidades obtidas para o verde (escolhido aleatoriamente), lidas no cinza 18% – por cada emulsão e em cada evento. É fácil perceber que este gráfico é, na realidade, a curva sensitométrica característica da cor verde – traçada a partir das densidades obtidas pela câmara (em vez da utilização de um sensitômetro) para cada uma das emulsões ora estudadas. Ou seja, o resultado específico de uma determinada emulsão, interagindo com uma câmera e fotômetros específicos, e submetida ao processo de um laboratório específico.
Os 13 gráficos apresentados na figura 1 representam, cada um, uma situação de exposição. O eixo vertical registra os valores de densidade para o azul, o verde e o vermelho – apresentados nesta seqüência (vide eixo horizontal) – lidos nas regiões de estudo: preto como refletância 3%, cinza 18% e branco 90%
OS RESULTADOS
Dependendo dos gráficos traçados, os resultados registrados neste experimento podem gerar uma considerável quantidade de informações, formando um vasto leque de aspectos distintos passíveis de serem analisados, conforme interesses específicos. Optamos exclusivamente pelos gráficos aqui apresentados por serem representativos dos testemunhos cinematográficos inclusos neste trabalho. Em particular, o relato do diretor de fotografia Marcelo Durst nos direcionou para esta primeira escolha de uma abordagem para análise. Selecionamos também, do site da Kodak, dois outros testemunhos significativos do que nos parece ser a característica mais evidente desta nova emulsão da Kodak, quando comparada à Kodak Vision 500T: sua surpreendente capacidade de trabalhar em situações adversas. São estes os relatos de Vilmos Zsigmond/ASC e Josef Spelda/ ACK, traduzidos e anexados após o relato de Marcelo Durst.
1) Resultado analítico na subexposição: o negativo Vision Expression 500T , quando comparado com o Vision 500T, apresenta um rendimento significativamente melhor, em função de 2 fatores básicos: uma escala gama excepcionalmente constante, evidenciado pela curva apresentada no gráfico 1, onde podemos perceber quedas sutis de densidade, mesmo nas regiões de baixas luzes. Adicionalmente, é capaz de um registro maior de informações nas baixas luzes, também visível no gráfico 1 e mais perceptível ainda nos gráficos de subexposição da Figura 1 (região do pretos).
2) Resultado analítico nos tons médios e nas exposições normal e próximas a esta: ambos negativos apresentam comportamento muito similar nesta região. Evidencia-se o maior contraste do 5279, quando comparado ao 5284, conseqüência de uma menor sensibilidade no seu registro para as baixas luzes e uma maior sensibilidade para as altas luzes, portanto, uma maior diferença entre estes dois extremos.
3) Resultado analítico na super-exposição: aqui, o Expression 500 T apresenta uma importante peculiaridade: seu estável gama apresenta uma suave tendência de queda – na região de ombro da curva -, retardando assim a superexposição (e conseqüente perda de detalhes) nas altas luzes. Ou seja, seu comportamento suave é mantido e, em contrapartida, o 5279 tem sua densidade muito mais rapidamente incrementada, ou seja, sua densidade máxima é atingida mais rapidamente, gerando uma falta de detalhes na região analisada.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O filme cinematográfico Kodak Vision Expression 500 T é um negativo de grande latitude de exposição, sendo capaz de reter mais informações nas regiões de baixas-luzes, ganhando mais detalhes nas sombras e evitando problemas de subexposição de forma mais eficiente que o negativo Kodak Vision 500 T.
Por outro lado, é capaz de reagir melhor ao aumento da densidade nos extremos de altas-luzes, respondendo melhor às condições de superexposição – provando capacidade de conservar detalhes nas altas-luzes e, por conseqüência, menor possibilidade de “clipar” os brancos.
A suavidade e a linearidade da escala gama do negativo 5284 garantem que este seja um negativo mais adequado a cenas cuja iluminação é inerentemente contrastante, principalmente quando a aplicação final prevê a reprodução através da mídia eletrônica – pois enquanto o contraste, o balanço de cores, a textura da imagem, etc, podem ser manipulados e relativamente controlados durante o processo eletrônico, nenhum recurso disponível irá recuperar informações perdidas em grandes zonas escuras e sem detalhes, geradas no momento crucial da captação cinematográfica.
OS RELATOS DOS DIRETORES DE FOTOGRAFIA
Latitude X Contraste
Costuma-se dizer que a escolha de um negativo é tudo. E no meu último trabalho foi tudo mesmo.
Quando fui chamado pelo Andrucha para fazer o documentário da Conspiração, com o Gilberto Gil, sobre São João e a música nordestina (em 16mm prevendo blow up eletrônico para 35mm), senti que estava numa sinuca. Pensei imediatamente que a maior parte seria filmada à noite, e, apesar de prometerem que eu poderia iluminar, e que tudo bem, até seria legal se tivesse certo grão, sabia que o problema não era estético, mas da essência do documentário.
A busca de informações, que no campo visual implica em “informação fotográfica”. Num filme sobre forró e shows, onde o mais importante acontece à noite, e o mais interessante aconteceria justo onde e quando eu não pudesse iluminar, a questão não seria o grão ou a baixíssima luminosidade, mas acima de tudo a necessidade de obter o máximo de informação visual nas diversas situações de luz e contraste que a noite nos impõe.
Assim, por exemplo, me deparei com shows onde, com ASA 500, a leitura do Gil sob a luz do canhão era entre f 4 e 5.6; a dos músicos entre f 2 e 2.8; e a platéia entre f 0 e 1.3. Ou, numa guerra de buscapés, mais uma vez com ASA 500, o fogo deles dava em torno de f 8 ou até mais que 11, e a sua luz iluminando as pessoas dava por volta de f 1/4 para menos. Isto pensando em exemplos mensuráveis, sem falar nos inteiramente chutados, aos quais o documentário te empurra.
Foi nessa busca por manter a riqueza de informação em um negativo exposto sob condições adversas que, maravilhosamente, a Martha Reis dos Laboratórios Mega me sugeriu o filme 7284. Eu sempre tive horror a esses negativos de baixo contraste, mas para um trabalho onde o blow up eletrônico era previsto, sendo o contraste depois controlado no telecine, me pareceu uma boa opção.
Fizemos um teste rapidíssimo, meio velado, e a conclusão foi inegável: numa situação de um set “normalmente” iluminado para filmagem, o resultado do 84 foi, num telecine, totalmente igual ao de um 79. Mas numa situação de luz baixíssima e contraste extremo o 84 deu de goleada: muito mais informação que o 79. Ou seja, o baixo contraste do 84, que no telecine você corrige, não tem a menor importância, comparado à sua magnífica latitude.
Claro, como nem tudo é perfeito (e por ser a primeira importação oficial da Kodak desse negativo), o 7284 só foi entregue no meio do projeto, mas graças aos esforços da maravilhosa produção do Zagallo chegou na hora mais importante das filmagens…
O que vi do material no C Reality foi muito mais interessante do que o esperado: O 84 tem um grão finíssimo e é impressionante a quantidade de informação capturada na imagem, tanto nas altas como, principalmente, nas baixas luzes. Confesso que foi a primeira vez que, mais do que ficar olhando para um 16mm e pensando que parecia 35mm, eu simplesmente esqueci que era 16.Pensei: Puxa! Isto realmente vê mais que a visão humana! Não me lembro de ter visto tudo aquilo na hora da filmagem. Mas agora estou vendo e gostando muito, e isso só acontece por ser em filme!
Marcelo Durst
“No meu último trabalho – um filme húngaro, entitulado Bánk Bán – utilizei o Vision Expression 500T 5284 tanto cenas de interiores diurnas, quanto nas cenas internas e externas noturnas. Este filme é bastante sensível. Pude, facilmente, usá-lo como 1000 ASA e, ainda assim, obtive grãos finos. O Vision Expression também possui excelente latitude de exposição tanto nas altas luzes, quanto nas sombras e um resultado mais suave que o 5279. Este filme me ajudou muito na iluminação, pois não precisei de tanta luz de enchimento para as sombras e pude aplicar fontes mais direcionadas para as luzes princiais!”
Vilmos Zsigmond, ASC
“Durante a filmagem de 9 episódios, em super 16 mm, para a série de TV “„O ztracené lásce (About Lost Love)” , tive a oportunidade de comparar o novo material Vision Expression 500T 7284 com o Vision 500T 7279. Filmei as mesmas cenas, dentro do castelo Telc, com os dois tipos de material, e constatei que o Vision Expression 500T tem um rendimento de cores mais refinado – suave e pictório. Nas sombras, Expression, normalmente, reproduz mais detalhas do que o 500T e o acabamento do filme, como um todo, é mais agradável aos olhos. Posso afirmar – é uma avaliação subjetiva – que para alguns tipos específicos de filmes, como este que estou filmando, no momento (um conto de fadas, nas cercanias de castelos e de casas no campo) que, certamente, eu escolheria o Expression e não o normal Vision 500T.”
Josef Spelda, A.C.K., Czech Republic
O RELATO DO COLORISTA SERGINHO PASQUALINO
“De cara, na exposição normal, o 84 segura as altas luzes, melhor do que o 79! A separação do último branco da escala (referindo-se a KODAK Gray Scale) para o branco de fundo (da parede) é melhor para o 84 enquanto que, para as baixas luzes, não vejo muita diferença. Ele (84), quando exposto a 400ASA, continua apresentando mais detalhes do que o 79 exposto nas mesma condições. Tanto altas, quanto médias luzes, apresentam-se um pouco mais definidas.
Na baixa luz, ainda não vejo muita diferença. Definitivamente, o 84 está apresentando muito mais definição na alta, do que o 79! A uniformidade de cor do 84 parece, também, melhor do que a do 79 – que tem uma faixa de médias mais esverdeada. Olha só, o balance dele está mais uniforme do que o do 79. Interessante, o fato do Expression, quando exposto a 320ASA, apresentar a mesma resolução de alta luz do 79, quando exposto a 400ASA. Exatamente iguais! A exposição de 640ASA, ele (84) continua tendo mais detalhes na alta luz e parece melhor, por apresentar mais profundidade que o 79.
Nas baixas luzes, o 84 parece estar segurando mais os steps … no 79, você vê os 3 a 4 últimos steps mais densos. Na realidade, ele está segurando a clipada do preto! Eletronicamente, temos uma diferença, nas médias luzes, mais baixa para um mesmo ponto de preto. A quantidade máxima de preto, presente na cena, está exatamente igual no 79, mas com um pouco mais de detalhes no 84.
Concluindo, a impressão é de que ele (Expression ) possui mais informação, tanto nas altas luzes, quanto nas baixas. Quando exposto a 2000ASA, o 79 já começou a “limar” os 4 a 5 últimos steps (referindo-se a KODAK Gray Scale), enquanto que o 84 tem todas as escalas de cinza e preto! Você vê 4 escalas a mais, ainda com definição, no 84. .Ou seja, é possível perceber que o Expression segura, até uma exposição de 4000ASA, a mesma informação que o 79 exposta a 2000ASA.”
Relato gravado, em 11/09/01, enquanto Serginho analisava, no C-Reality, as imagens do teste.