Por Danielle de Noronha
No cinema ou na publicidade, áudio e vídeo são inseparáveis. Juntos ajudam a contar uma história e a criar um diálogo com os espectadores. O som é responsável por dar voz às imagens, é a partir dele que as sensações possíveis com a experiência audiovisual se tornam mais vivas. Mais subjetivo do que o vídeo, para muitos, o áudio ainda é pouco compreensível, porém cada vez mais chama atenção do público e dos demais profissionais ligados à área do cinema.
Da filmagem até a pós-produção, o áudio percorre três etapas: a captação de som, a edição e a mixagem. Três profissionais, em diferentes momentos, precisam interpretar de forma sonora o que o diretor quer contar na sua história. Para cada uma dessas áreas existem dificuldades a serem superadas, alguns encontros e desencontros e muitas possibilidades.
Algumas dificuldades, relacionadas com os problemas enfrentados pelo cinema brasileiro em geral, podem atingir as três áreas do som. A falta de dinheiro, os altos preços para importar os equipamentos e a falta de conhecimento do que é o som por parte de profissionais do cinema e do público são algumas questões que dificultam o trabalho, levantadas pelo técnico de som direto Romeu Quinto, ABC, que começou a trabalhar com o áudio aos 16 anos, influenciado pelo seu pai, além de quatro tios, todos especialistas em alguma modalidade de som.
Outras são mais específicas de cada área, mas influenciam o trabalho nas três etapas, como por exemplo, a característica sonora do Brasil, que é um país barulhento. Uma questão que supera a técnica e pode dificultar o momento da captação do áudio e o seu resultado na edição e na mixagem.
Porém, hoje em dia, muitos dos problemas encontrados no trabalho com o áudio estão mais fáceis. “Com toda a tecnologia que temos disponível e com as novas gerações de profissionais de cinema que pensam no som como uma ferramenta importante a ser utilizada na narrativa de um filme, as coisas melhoraram muito para nós”, acredita Tide Borges, ABC, técnica de som direto desde 1982, quando trabalhou em seu primeiro longa ainda na faculdade.
O digital
A tecnologia é a responsável por grandes melhorias na qualidade do áudio das produções brasileiras. As mudanças ocorridas a partir dos avanços trazidos por ela trouxeram algumas facilidades e novidades para a profissão. Para Tide, entre todas as mudanças que a tecnologia de gravação digital trouxe, a que mais impactou o trabalho do técnico de áudio, foi a possibilidade de gravação do som direto em vários canais. “É possível gravar som ambiente em 5.1 no set, que vai te dar na sala de cinema a exata noção de espaço, dimensionando-o, dependendo de onde o espectador sentar”, explica Romeu.
Já na pós-produção, a etapa seguinte é a edição de som, que geralmente ocorre entre seis meses e um ano depois que o áudio foi captado, e é responsável por criar o desenho do som, além de “tentar transformar em som os objetivos e subjetivos e ajudar dramaticamente a resolver um filme”, como explica a editora de som, Miriam Biderman, ABC, que trabalha na área há cerca de 17 anos. Ela conta que o seu trabalho mudou completamente com as novas tecnologias: “Eu trabalhava com magnético, moviola e agora, de repente, é tudo digital, a gente tem muito mais recursos, o jeito de fazer som para cinema mudou completamente. Muito antes da imagem, o som já tinha migrado para o digital. Para aprender, foi trocando relações”.
Na mixagem, a última etapa pela qual o som percorre, que ocorre logo após o término do trabalho da edição de som, “a principal grande mudança, desde que entraram esses novos sistemas de workstation de áudio, como o pro tools, é que tudo passou a ser trabalhado de forma não linear, como na imagem. A mixagem e a edição de som são coisas que hoje trabalham muito juntas e até se confundem”, explica José Luiz Sasso, ABC, que iniciou sua carreira no cinema em setembro de 1968, tendo mixado 350 longas e acompanhou as mudanças que ocorreram na profissão.
A relação entre o editor de som e o mixador é muito próxima. “A gente faz a edição e logo o nosso trabalho vai para o mixador. Logo que a gente acaba, a gente mixa, então é muito próximo. Muitas ideias que a gente tem na edição são finalmente realizadas na mixagem, então é um trabalho em conjunto”, explica Miriam.
Com o técnico de som direto a relação das duas áreas é diferente. Como o editor de som e o mixador recebem o trabalho algum tempo depois que o áudio foi captado não há muita proximidade entre os profissionais. “Não tenho nenhuma relação com o técnico de som direto. Esse é um dos grandes problemas, mas isso não acontece apenas no Brasil, é quase que mundial. É muito difícil hoje o mixador, ou o editor de som inclusive, ter contato com os técnicos de som, claro que acontece, mas é uma exceção. Não há a participação do editor e do mixador na filmagem para já conhecer o som. Isso é utópico demais.”, comenta Zé Luiz.
Tide acredita que muitos dos problemas enfrentados no áudio poderiam ser resolvidos se toda a equipe do som participasse do projeto desde a pré-produção, o que ocorre geralmente apenas com o técnico de som direto: “Todo filme é um desafio, pois cada um é diferente do outro e temos que encontrar soluções para cada caso. Por isso é importante que a equipe de som (captação, edição e mixagem) participe da pré-produção, discutindo o roteiro com o diretor, entendendo as articulações entre as imagens e os sons e suas intenções para que o trabalho possa ser mais planejado”, comenta.
Romeu Quinto diz não participar da edição e da mixagem, mas acha importante: “Isso melhoraria o meu trabalho, pois eu tenho consciência do trabalho, das dificuldades e por mais que converse com a pessoa que vai fazer a pós-produção, não é a mesma coisa”.
O que esperar para o futuro?
Para Zé Luiz, uma das principais características da mixagem, assim como nas demais áreas do som, é que não há repetições de coisas: “Aquilo que você aprendeu num filme anterior, não que você não vai aplicar no próximo, a experiência você aplica, agora literalmente o que você fez você não vai aplicar nada. É sempre algo novo, inédito. Acho que posso dizer como tudo que abrange a realização de um filme”.
Para quem desejava trabalhar neste universo, o único caminho possível era aprender com profissionais da área. Ser assistentes e aos poucos ir conquistando o seu espaço. Miriam ainda vê esta forma como a melhor opção: “Uma escola pode ajudar, pode dar alguma instrumentação, mas acho que não ensina exatamente. Eu não fiz um curso específico do que eu faço”. Zé Luiz concorda: “A realidade de você colocar alguém na praça pra trabalhar é o dia-a-dia, é começar como assistente, aprendendo com alguém”.
Tide já acha que o melhor caminho são os cursos superior de cinema: “Acho importante que a pessoa que queira ser um profissional de som para cinema faça o curso superior de cinema, onde receberá noções de todas as áreas de atuação, inclusive a teórica, e não se torne somente um técnico, mas um profissional completo, que tenha uma noção do filme como um todo”.
O cenário do som no país está cada dia melhor. “Acho que hoje em dia o público melhorou sua percepção sonora, pois os equipamentos ficaram melhores e mais acessíveis, como os home theaters ou mesmo as salas de cinema. A realização de todas as etapas da trilha sonora nos filmes brasileiros tem uma qualidade tão boa como os filmes feitos na Europa e EUA e as condições de reprodução sonora das nossas salas de projeção também melhorou muito. O público ficou mais exigente com relação ao som, e isso é muito importante para nós”, explica Tide.
Sobre o futuro da profissão, Tide complementa “Espero que os roteiristas e diretores explorem cada vez mais esta incrível ferramenta, que é o som, e que possamos oferecer tecnologia e criatividade para auxiliá-los” e Miriam conclui: “espero reconhecimento“.
Foto: Rádio Escrafrando