André Dip: “Foroyar”

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Por Otavio Pupo

FØROYAR contou com roteiro, direção, fotografia e edição de André Dip. O curta, finalizado durante o isolamento, é uma odisséia visual sobre um amor perdido. Arquitetado entre memórias agitadas e fiordes dramáticos, o curta-metragem questiona os limites da realidade. Uma alma perdida vagueia através da névoa desta ilha mágica em busca de redenção.

Confira a entrevista que o diretor de fotografia Otavio Pupo fez com André Dip sobre o processo de realização do curta.

Fale um pouco sobre sua paixão por realizar curtas. Por que fazer um curta?

Eu me vejo fazendo curta-metragem até o fim da minha carreira, ele é uma plataforma muito mais fácil de fazer do que um longa em termos de grana. Sou apaixonado por curta e não acho que ele seja de maneira alguma menor, acho inclusive que neste formato você pode explorar narrativas que as vezes para um longa não servem. O curta Foroyar em 70min não funcionaria. Também gosto da possibilidade das pessoas poderem acessar livremente na internet. Muitos diretores que eu admiro como Paul Thomas Anderson, Wes Anderson, David Lynch e Martin Scorsese ainda fazem curtas.

Você acha que é um formato mais livre para experimentação?

É mais aberto certamente. De alguma forma está entre o clipe e o longa. O curta não precisa ser 100% narrativo, obviamente que ele abraça a narrativa de um jeito diferente do que o clipe, mas ele abre essa possibilidade de experimentação que em um longa é muito difícil de funcionar. Cada projeto é livre para nascer do jeito que ele nasce, não tem uma pressão de ser isso ou aquilo. Muitas vezes a duração das minhas viagens (10-15 dias) impõe que as histórias sejam curtas. Para te falar a verdade essa divisão de curta, média ou longa nunca fez sentido na minha cabeça, pra mim são filmes, não importa a duração.

O que te levou a realizar o “Foroyar” nas ilhas Faroé? Como é essa busca por locações exóticas presentes em outros trabalhos seus também?

Eu gosto muito de viajar e procurar locais que de alguma maneira têm uma relação diferente com o tempo. Isso me fascina muito, adoro arquiteturas diferentes do que eu estou acostumado a ver e também gosto muito de histórias políticas, países que passaram por guerras recentes, processos de independência, que acabam por transformar suas paisagens também. O filme que fiz na Geórgia em 2016 foi um embrião para desenvolver e explorar a linguagem desses curtas em outras viagens.

Depois de conhecer a Islândia e realizar um videoclipe por lá, de alguma maneira as paisagens e sensações daquele lugar tinham ficado comigo no sentido de um desejo de revisitar aquela sensação, mas não necessariamente revisitar o país. Escutei falar das Ilhas Faroé (que ficam entre a Islândia e a Escócia) e me interessei por ter terem uma geografia parecida com a Islândia, mas com só 40 mil habitantes, natureza, chuva por 200 dias do ano, uma vibe nostálgica, parecida com o que a gente encontra em Filmes do Tarkovsky e do Bergman por exemplo. Aproveitei que minha prima ia comigo na viagem e resolvi fazer um exercício diferente nesse filme e incluí-la como personagem e desenvolver um texto em off em uma tentativa pessoal de dar um passo além dos curtas anteriores. Criei essa narrativa de uma mulher que está lidando com a perda de um amor em um ambiente exótico. Decidi filmar parte do filme em Super-8 também para complementar o material digital.

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O texto surgiu após a edição das imagens?

Não, o texto foi feito parte antes e partes depois.

Como é lançar o filme durante a pandemia?

Fiz essa viagem em 2018 e resolvi dar um tempo para a edição respirar depois de alguns cortes. Com o período da quarentena e isolamento me conectei de novo de maneira intensa com o projeto e desenvolvi melhor o texto e chamei a atriz Isabel Wilker para fazer a voz off e fiquei impressionado com a sutileza e a carga dramática que ela colocou na interpretação.

Você dirigiu a atriz remotamente?

Conversamos sobre o “mood” do filme e após várias conversas ela gravou o som pelo celular e me mandou. Adoro essas praticidades da vida moderna.

Existe uma frase no filme que na minha opinião conecta se bastante aos dias de hoje que é: “Na Ilha do Talvez, todo fim é um recomeço”.

Essa frase é bem emblemática mesmo. Quando eu decidi ir para lá o tempo que eu teria seria 10 dias e eu queria ver tudo, queria girar, queria explorar as ilhas o máximo possível. Me programar, etc. Entrei em contato com locais por Airbnb, conhecidos de amigos, etc. E ao entrar em contato com a população local, no sentido de tentar fazer uma “pré-produção”, escutei muitas vezes a seguinte resposta: “Talvez, não sei”. Essa resposta é muito comum por lá porque as mudanças climáticas e a presença da chuva são constantes então se você pergunta para alguém se tal lugar estará aberto a resposta é geralmente: “Talvez, não sei”. Os locais chamam a ilha de “Land of Maybe”, é uma expressão utilizada entre eles. E quando eu estava pensando no texto pensei muito nessa “condição” em que os habitantes vivem e juntei com essa ideia de “recomeço” pensando nos ciclos da nossa vida. Uma maneira de incorporar a sensação de nostalgia e memória.

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Você procurou filmar no amanhecer e no entardecer para registrar as cidades vazias?

Não, as ilhas são vazias daquele jeito mesmo. O país tem pouca movimentação e por estar tão ao norte a luz é baixa em grande parte do dia.

Como é acumular as funções de diretor e diretor de fotografia em um projeto?

Na minha opinião as profissões são muito próximas, mas ao mesmo são personalidades muito diferentes, rs. Eu nunca me senti totalmente só Diretor de Fotografia, sempre gostei de realizar projetos como Diretor. Me coloca em lugares esquisitos comigo mesmo, mas que eu acho muito interessante. Eu sempre gostei por exemplo de bandas que mudam de gênero com o passar dos anos, ou que misturam gêneros em seus trabalhos. Algumas horas o “eu” Diretor “limita” o “eu” fotógrafo, mas eu sempre entendo que isso faz parte do projeto e eu vejo que me “limitar” pode ser bom naquele momento. São mundos muito diferentes, fotografar tem todo o lance da necessidade de um estudo e aprimoramento técnico, ao mesmo tempo que ao dirigir você além de ter que saber um pouco da técnica, tem que estar preparado de uma maneira muito grande no aspecto emocional, a expectativa e a responsabilidade quando você acumula as funções são outras. O tempo inteiro você tem que ligar as diferentes “chavinhas” no seu cérebro e fazer o projeto andar. Eu vejo esse acúmulo de funções como uma maneira interessante de realizar esses projetos tão pessoais.

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Quais foram as câmeras e lentes que você usou no projeto?

Sempre achei a imagem das câmeras Black Magic interessantes. Comprei uma Black Magic Pocket há alguns anos e venho utilizando-a nesses projetos pessoais. Ela é ideal para esses filmes de viagem porque é pequena, portátil e entrega um material com uma textura bem interessante quando se filma em RAW. O sensor da Pocket é um pouco menor do que super-16mm, adoro estudar e procurar lentes antigas de fabricantes poucos conhecidos em busca de texturas diferentes nas imagens. Nessa busca achei um set de três lentes Russas Kiev 16U, que é uma 10mm, 20mm e 40mm. Elas são pequenas, cabem na palma da nossa mão praticamente e dá para colocá-las no bolso. Uma delas tem um efeito “defeito” natural que parece uma lente tilt shift. Em um projeto desses eu adoro usar umas lentes que têm essa personalidade, elas viram um personagem da história. Algumas cenas foram filmadas em Super 8 com o negativo Kodak 200T, exposto normal e revelado normal.

Essa praticidade de poder colocar tudo isso em uma mochila e um tripé pequeno me ajuda demais com a agilidade necessária nesses projetos. Além disso a Pocket é tão pequena que eu descobri com o passar dos anos que ela trava certinho no para brisa dos carros e consigo fazer uns movimentos de câmera superinteressantes e estáveis simplesmente pressionando levemente a câmera e as lentes no vidro.

Como foi o workflow dos trechos em película? Da aquisição do negativo até a revelação e telecine?

Eu amo película e amo filmar em película. Além do “look”, eu considero que ao filmar em película você coloca um respeito único no material. Uma cena em película tem um grau de concentração que eu acho maravilhoso, você e a equipe se entregam 100% para aquele take funcionar e a quantidade de takes ser reduzida. Em película o processo de você dar valor ao primeiro take me agrada demais. Levei dois rolos de super-8mm e acabei usando só um rolo. Durante as 10 diárias eu usei a câmera super-8 em duas. Eu gosto muito de fotografia “Blocada”, que diferentes linguagens servem para contar uma história. No meu filme, o digital representa uma visão mais neutra do lugar e a película é o sonho da personagem. A revelação eu fiz na Arcoíris e o Scan na Leche Film Transer com o Matias Gritti, ambos em Buenos Aires na Argentina. Fiquei muito feliz com as imperfeições do negativo. Inclusive a imagem “queimada”, o “erro” na cara da personagem, eu acho uma adorável surpresa. O bom da experimentação em projetos mais livres e pessoais como esse, é que eu não vou decepcionar ninguém, só eu mesmo.

O filme é em 2:35, fala sobre essa escolha de aspecto.

Adoro todos os diferentes aspect ratios. No começo da minha carreira eu acho que eu fazia muita coisa em 2:35 porque tinha personalidade. Com o passar dos anos e com a experiência me apaixonei por todos os aspectos e hoje em dia gosto de entender e entrar de cabeça em todos os projetos e entender que existe um aspecto para cada um. 2:35 é lindo para um filme como esse que tem o aspecto “panorâmico” das paisagens. Nesse projeto me pareceu interessante misturar o 2:35 em digital com o 1:33 em s8mm.

Fale sobre o diálogo com o Apeles, que compôs a trilha e te ajudou com o texto.

Apeles é o Eduardo Praça, um grande amigo meu, músico. Eu sempre gostei muito do trabalho dele porque as músicas e trilhas dele têm uma certa melancolia que combinam com as minhas viagens e paisagens. Ele me ajudou demais com a estrutura do texto e para colocar as palavras certas.

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Fale sobe o Workflow de pós e a contribuição do colorista Henrique Raganatti.

Eu conheço o Henrique há muito tempo desde a cor de um videoclipe. Já fizemos vários projetos juntos e ele sabe bem o que eu gosto. Sabe que eu gosto de misturar diferentes temperaturas de cor, exposição mais baixa e outras coisas. Ele sempre contribui com boas opiniões e o nosso diálogo flui sempre bem.

Vocês adicionaram grão no material da Pocket?

Eu sempre sinto que as vezes adicionar o grão é complicado de ficar 100% bom em digital, principalmente quando o projeto terá sua estreia no vimeo como é o caso desse filme. Ao mesmo tempo eu gosto das ferramentas que quebram com o look meio “duro do vídeo” e o Henrique me apresentou um novo formato em H265 em alta que eu achei que a adição de grão funcionou. A gente colocou grão só depois da parte em Super-8. As imagens do começo não têm grão nenhum.

Você gostaria de agradecer alguém?

Gostaria de agradecer demais ao Otavio Pupo pela excelente entrevista e à ABC pelo espaço. Agradeço demais também o Eduardo Praça (APELES), Henrique Raganatti e giba Yamashiro da Zumbi Post, Isabem Wilker, Matias Gritti, Arcoiris e Sofia Antoniazzi, parceiras e parceiros que tornaram esse filme possível .

Ficha Técnica
Direção, fotografia, roteiro e edição: André Dip
Trilha Original: APELES
Diálogos: André Dip e APELES
Atriz: Sofia Antoniazzi
Locução: Isabel Wilker
Cor: Henrique Raganatti / Zumbi Filmes
Revelação: Arcoiris (Buenos Aires, Argentina)
Scan: Matias Gritti @ Leche Film Transfer
Fotos: Sofia Antoniazzi e André Dip
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