Cristiano Conceição: “M8 – Quando A Morte Socorre A Vida”

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Por Danielle de Noronha

Com direção de Jeferson De, M8 – Quando a Morte Socorre a Vida conta a história de Maurício (Juan Paiva), que começa a estudar numa renomada Universidade Federal de Medicina. Em sua primeira aula de anatomia, ele conhece M8, o cadáver que servirá de estudo para ele e os amigos. Durante o semestre, o mistério da identidade do corpo só pode ser desvendado depois que ele enfrentar suas próprias angústias.

Com nomes como Mariana Nunes, Giulia Gayoso, Bruno Peixoto, Fábio Beltrão, Zezé Motta, Ailton Graça, Alan Rocha, Léa Garcia e Raphael Logam no elenco, o filme, que estreou em 2020 e entrou para o catálogo da Netflix em fevereiro deste ano, traz importantes e necessários debates sobre o racismo em nossa sociedade. Para saber mais sobre a sua produção, conversei com o diretor de fotografia Cristiano Conceição sobre o trabalho no filme.

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Jeferson De e Cristiano Conceição no set de M8 – Quando a morte socorre a vida. Foto: Vantoen Pereira Jr.

Para começar, nos conte um pouco sobre a sua trajetória no audiovisual?

Quando saí de Salvador, aos 13 anos, fui morar na casa em que minha mãe trabalhava em São Paulo como empregada doméstica. O patrão dela era um fotógrafo renomado da publicidade, Raul Pedreira, e a patroa dela era Alice Penna e Costa, uma mulher incrível, que trabalha ainda hoje com cultura. Antes dessa mudança, eu já tinha tido contato com uma câmera quando o patrão anterior da minha mãe enviou os filhos, duas meninas e um menino, para passar férias em Salvador e eles ficaram na casa de minha avó, que é uma casa superhumilde, mas ainda assim a minha vó os recebeu. Os três ficaram conosco e me apresentaram pela primeira vez uma máquina fotográfica e uma foto revelada. Me deram a possibilidade de fotografar e depois vi o que eu havia feito, o que eu havia fotografado, e aquilo para mim foi muito impressionante, está na minha cabeça até hoje. Sempre tive o sonho de ser um fotógrafo still, nunca tive o sonho de ser um fotógrafo de cinema, mas ao chegar na casa do Raul, conheci o fotógrafo de publicidade e comecei a pensar nessa possibilidade.

Quando minha mãe completou o ciclo dela dentro dessa casa e não queria mais ser empregada doméstica, fez vários cursos e nós fomos morar no Rio de Janeiro para que ela trabalhasse num salão de beleza. Com isso, o Raul me deu a possibilidade de trabalhar em uma produtora chamada Yes Rio, que depois se tornou a Jodaf-YES Rio, onde comecei a fazer assistência de produção por três anos, até o Collor entrar na presidência e acabar com o mercado. Mudei-me para São Paulo e comecei a trabalhar na locadora JKL, com o João Silva, por intermédio de Ubirajara Dantas, e desde então estou nesse mundo das câmeras, né? Fiz videoassist e segunda assistência para o João e junto com Jair Silva e Marcelo Balaio me tornei um dos grandes segundos assistentes de São Paulo. Na época da copa dos Estados Unidos muitos primeiros assistentes do Rio e São Paulo foram trabalhar no filme “Todos os Corações do Mundo”. Decidi que não queria mais ser segundo e aproveitei a oportunidade para me jogar como primeiro assistente e ali também descobri os curtas, médias e longas-metragens com Jacob Solitrenick. Fiz meu primeiro longa, convidado pela Heloísa Passos para fazer primeira assistência na segunda unidade de câmera, que foi Tieta do Agreste (1996). A partir daí não abandonei mais os longas, já fiz cerca de 60 filmes. Vim amadurecendo a ideia de fotografar, amparado pelas equipes com quem trabalhava, que sempre me diziam que eu estava pronto para dirigir a fotografia, mas a oportunidade nunca chegava – até que um dia apareceu o senhor Jeferson De.

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Jeferson De e Cristiano Conceição. Foto: Vantoen Pereira Jr.

Poderia nos contar mais sobre essa parceria com o Jeferson De e como chegou o convite para fotografar o M8?

Então, fiquei o tempo inteiro esperando uma oportunidade para fotografar e vi vários e várias assistentes, estagiários, enfim, muitas pessoas que haviam passado por mim se tornarem fotógrafos e fotógrafas e eu nunca conseguia dar esse passo. Até porque na época eu tinha dois filhos, hoje tenho três, e tinha que criá-los. Tinha que pagar educação e o primordial era poder dar uma boa educação para eles e não me tornar fotógrafo. Então, meu investimento foi sempre em cima deles e a fotografia foi ficando para trás. Até que surgiu o convite para participar do Bróder (2009), um filme do Jeferson De, que fiz assistência, operei câmera e a fotografia de algumas diárias, mas que só recebi o crédito de foquista, até hoje não entendo essa história, mas enfim. Após isso, o Jeferson me convidou para fotografar o curta Aguasala (2011) de sua sócia e companheira Cristiane Arenas, no qual ele era produtor e foi também o editor. Fizemos esse curta juntos, aliás, é o único projeto que assino em película até hoje. Gosto muito desse curta.

Ainda dentro do mundo das oportunidades, em 2014 fui convidado por um amigo e ex-assistente, hoje diretor, fotógrafo e mais algumas coisas, chamado Pedro Von Krüger, para dirigir a fotografia do documentário “Brasil na Copa do Mundo” para a Mediapro, rodado em vários estados do país. Fiquei muito feliz com esse convite ter vindo desse amigo baiano que admiro, e ter filmado em Salvador tornou tudo ainda mais especial.

Em seguida, veio o Correndo Atrás, em 2015, e o Jeferson me perguntou se eu queria fotografar o filme dele e respondi que sim. Enfim, surgiu aquela coisa de algumas pessoas falarem que eu não tinha experiência, que era melhor tentar com outro, mas o Jeferson me segurou no projeto e me deu essa possibilidade de assinar o meu primeiro longa. Foi lindo o que nós fizemos, acho que tem algumas coisas ainda da falta de tato, né? Tem um erro que cometi em uma cena que eu gostaria de apagar, mas amadurecendo a gente vai cometendo cada vez menos erros. O M8 é a continuação dessa parceria. Ouvimos as mesmas coisas: ‘você não quer ter um fotógrafo mais experiente para te ajudar?’ E o Jeferson, mais uma vez, me bancou e falou: ‘não, o fotógrafo experiente é esse cara aqui, que tá há mais de 30 anos no cinema e tá precisando de alguém que dê oportunidade a ele’. E seguimos juntos.

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Raphael Logam no set de M8. Foto: Vantoen Pereira Jr.


O filme fala sobre isso também, né? Ele debate o racismo estrutural brasileiro, trazendo temas como o genocídio das pessoas pretas, em especial da juventude, as cotas, a ancestralidade, desigualdade social, como também mostra a união entre negros e negras, discutindo sobre resistência. Quais foram os seus primeiros sentimentos ao ler o roteiro e qual foi a ideia central que pensou para a fotografia do filme?

Ao ler o roteiro eu voltei muito para um lugar que é o meu lugar, né? O meu lugar de homem preto na sociedade brasileira. Então, eu sempre falo e sempre falei para os assistentes que trabalham comigo e mesmo para os meus amigos, principalmente os brancos, de que a dor do outro a gente não pode dimensionar, a gente não tem como saber o tamanho. Não dá para falar sobre a dor do outro. Então, o racismo é uma dor que só quem sabe o tamanho dela, a profundidade, a violência, somos nós, pretos e pretas. Não tenho a menor dúvida disso. Então, quando eu li esse roteiro, eu me emocionei bastante. Pensei muito em como filmá-lo. Conversei várias vezes com o Jeferson para saber também o que que ele queria. Eu acho que o caminho da fotografia é tentar traduzir o que o diretor ou diretora querem que que a gente fale, né? O que querem que a gente mostre para os telespectadores e telespectadoras. E o Jeferson é um mestre nisso, um cara muito sensível, e vem mostrando a cada projeto mais sensibilidade. Às vezes eu confesso que não consigo enxergar as coisas que ele enxerga, espero um dia, e o mais breve possível, estar amadurecido para enxergar cada vez mais o que ele pensa, o que tem dentro daquela cabeça, para poder acompanhar, porque o raciocínio é muito rápido, é impressionante, e às vezes eu só vejo depois de filmado, editado, montado. Então, nessas trocas com o Jeferson, ele disse que precisávamos ter uma câmera muito próxima do Maurício, nós precisávamos acompanhar esse menino. Ele me trouxe algumas referências e fomos trocando, junto também com o meu grande parceiro de fotografia, Nicolau Saldanha.

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 Tatiana Tibúrcio. Foto: Vantoen Pereira Jr.

Eu acho que o racismo está na abertura do seu portão pra sair para a rua, sabe? Eu, preto, já lido com o racismo, com o carro de polícia que fica parado na porta da minha casa, com a rádio alta, sirene e luzes o dia inteiro, e que não posso reclamar com ele porque ao reclamar ele vai me ver como preto e vai, enfim, me diminuir, o que já aconteceu uma vez quando fiz uma reclamação e tive que ligar para o batalhão. Então são várias as esferas do racismo na sociedade, são vários os níveis e eu como preto sei bem quais são. Quando eu li esse roteiro eu fiquei muito emocionado, muito sentido, porque vi ali traduzido alguns pontos pelos quais todos os pretos e pretas passam diariamente, pontos de racismos e preconceito. Filmei esse longa-metragem chorando durante muitas cenas, porque revivi algumas coisas que já passei na vida. Também lembrei de algumas coisas que as mulheres poderosas da minha vida me disseram várias vezes, minha mãe, Maria Auxiliadora Conceição, minha vó, Nair Souza Conceição, minhas tias, que sempre me encorajaram a não abaixar a cabeça e seguir em frente. Então, sempre tive grandes lembranças no set de filmagem, assim, me peguei muitas vezes conduzindo a câmera e chorando, emocionado com muitas das cenas que filmávamos.

O filme aborda vários assuntos. Aborda um pouco da nossa cultura ancestral que sempre foi demonizada e perseguida; fala das cotas, do lugar que nós nunca tivemos e que nos últimos anos têm tido essa mínima possibilidade. Fala da violência policial, do sumiço dos corpos negros e luta das mães a procura de seus filhos e filhas. E do preconceito em forma geral, como na casa de Suzana (Giulia Gayoso).

Nos últimos anos foram criadas leis que buscam diminuir um pouco dessa desigualdade. Apesar disso, ainda acho pouco, apesar disso, ainda tenho que ouvir de algumas pessoas privilegiadas que nós não merecemos esse lugar, não merecemos as cotas, não merecemos esse espaço. Mas é muito fácil falar de merecimento quando se tem tanto privilégio. É muito fácil…

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Alex Moura, assistente de maquinária, e Cris Conceição. Foto: Vantoen Pereira Jr.

Falando em ocupar espaços, no caso do M8 essa resistência, ocupação, está presente também no elenco e atrás das câmeras. Como você vê o mercado audiovisual hoje para profissionais negras e negros?

Os nossos filmes têm buscado essa representatividade na frente e atrás das câmeras sim. Tem essa resistência, tem esse pensamento sim. Isso é elaborado e pensado por muitos e muitas, não só nos filmes que fazemos juntos, mas o Jeferson é uma pessoa que pensa muito nisso. Em abrir lugar de fala, abrir espaço para os pretos e pretas. Também tenho esse pensamento, esse mesmo raciocínio, mas não acredito que seja para deixar de contratar pessoas brancas, ser um cinema 100% preto. Acredito nas trocas, em ter os nossos amigos juntos. Por exemplo, sou um cara que durante a minha passagem no audiovisual formei muitas pessoas, muitas pessoas brancas, muitas pessoas pretas. E o meu parceiro atual, por exemplo, no departamento de fotografia é o Nicolau, branco. O assistente dele, Lincoln Santos, é preto. O gaffer que trabalha comigo no Rio de Janeiro Allan Paulo é branco. Já o meu parceiro em São Paulo, Sergio Isidoro, gaffer, é um homem preto e dividiu a fotografia comigo na série Casa da Vó (2020). Busco que minha equipe seja preta, mas quero respeitar meus parceiros de vida e trabalho.

Então, a troca é essa, a troca é verdadeiramente poder formar pessoas potentes, e formar pretos e pretas potentes, para que tenham espaço no topo da pirâmide. Eu vou ficar muito feliz no dia em que pudermos formar várias equipes de profissionais pretos. Encontrar na direção de arte, de fotografia e de cena profissionais pretos e pretas. É importante ter essa possibilidade. Estamos tentando fazer com que isso aconteça. Não só nós, mas todos os pretos e pretas que estão nessa luta no audiovisual. Estamos buscando potencializar os nossos.

No audiovisual sou um preto que aprendeu com os brancos e brancas que ocupavam as posições do topo da pirâmide. Eu venho dessa mescla. No cinema e o audiovisual temos que continuar aprendendo a cada dia, a cada troca, a cada encontro. Acho que isso é o fundamental. Mas a resistência tem que ter sim. Volto a dizer, o sonho é o dia em que você puder pensar numa equipe e ter profissionais para que ela seja toda preta, mesmo que isso não seja uma busca.

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Foto: Vantoen Pereira Jr.

Com quais câmera e lentes o filme foi realizado e por que elas foram escolhidas? Foram realizados testes prévios?

Nós filmamos com a Alexa Mini. Filmamos em 3.2 K e as vezes 2.8 K quando nós precisávamos de raw. Eu queria rodar esse filme todo em raw, mas como o custo de HDs fica muito pesado, não pude fazer isso. Entramos em acordo com a produção para que eles nos fornecessem o necessário para algumas cenas, principalmente as que tínhamos situação de contraste elevado. Combinamos a parcela de 30% do filme captado em raw. Utilizamos lentes Ultra Primes em função da qualidade do recorte e da abertura do diafragma, para que pudéssemos usar menos luz, interferir o mínimo na luz natural das locações. E usamos o MOVI no filme inteiro. Toda a movimentação da câmera é feita com o MOVI, operada por mim mesmo.

Em relação aos testes só fizemos um: para encontrarmos a janela ideal para o nosso filme. Quando começamos a discutir com o Jeferson sobre os enquadramentos possíveis, queríamos muito ter a janela 2.35:1, cinemascope. E no único dia de testes lidamos com alguns atrasos em função do translado da câmera que vinha de São Paulo. A nossa principal dúvida era entender se a janela escolhida seria o suficiente para abranger a área da sala de anatomia e o enquadramento do plano plongée de quando ele está no aquário. E claro, a câmera chegou, foi uma correria sem tamanho, e chegamos na janela 1.85:1 como ideal.

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Foto: Vantoen Pereira Jr.

Li um artigo do Vini Bock no qual ele explica um pouco sobre a iluminação da pele preta. Poderia nos falar um pouco sobre isso e quais foram suas referências e inspirações para construir os enquadramentos e a iluminação do filme?

Para M-8 tivemos várias referências. O que sempre brinco com o Jeferson é de que ele me mande as referências para eu poder vê-las e esquecê-las, porque é muito legal você ver referências e, ao mesmo tempo, na hora que você começa a fazer, perceber que tá fazendo completamente diferente de tudo que você viu. Ou mesmo que você está usando 1% de tudo que você viu como referência. Mas nós temos várias, na real, acho que muita coisa da cor, da pele preta, vem muito da influência do Jean-Michel Basquiat, que encontramos lá atrás, no Correndo Atrás, no nosso primeiro longa juntos. Quando comecei a colorir esse filme com o Luciano Santa Bárbara, encontramos esse lugar juntos. Nesse projeto, inclusive, Jeferson chegou e falou que o nosso olhar estava ótimo, mas pouco corajoso. Então, ele nos deu a possibilidade de brincar com a cor mais pesado. Uma pele preta mais avermelhada, mais alegre, mais verão, mais tropical. E acho que de alguma maneira isso virou o nosso DNA para pele preta. E o M8 também traz esse olhar dessa pele preta tropical. Que é cheia de brilhos, reflexos, de luzes. É isso que a gente tentou trazer para o M8, essa pele linda, essa pele preta bonita.

Sempre ouvi a vida inteira que o conceito de fotografar a pele preta tem a ver com o quanto a nossa pele supostamente não reflete tanto quanto a branca. Quando você pega um spotmeter e coloca dois tons de pele, um preto e um branco, é claro que o branco vai refletir muito mais do que a pele preta, isso é muito natural. Ao mesmo tempo, também, não acho que exista a necessidade de ter uma quantidade absurda de luz para iluminar a pele preta. Eu acho que tem a necessidade de uma superfície iluminada que vai trazer uma reflexão naquela pele. Uma janela que vai refletir naquela pele, não acho que seja necessário um refletor duro para iluminar uma pele preta para que ela fique bonita, muito pelo contrário, gosto de uma luz suave e essa pele não precisa refletir o mesmo que a pele branca.

O grande problema na realidade é que a gente está sempre querendo ter a pele preta com a mesma reflexão de luz que a pele branca tem, com a mesma branquitude que a pele branca tem. E a pele preta é preta, se é preta é preta, e acho lindo o preto. E eu quero mostrar no cinema o preto, nós queremos mostrar nossa pele como ela é. Não queremos mostrar nossa pele como branca, creme, marrom bombom ou qualquer coisa parecida. Nós queremos é sair desse lugar, a nossa pele preta tem o tom preto e não o marrom bombom ou o moreninho, não mulatinho, é preta mesmo. E ela é linda e não precisa de um 20kw pra me tornar bonito, você pode me botar do lado de uma janela e toda essa incidência de luz nessa janela vai trazer uma reflexão nessa pele que é linda, porque essa pele não precisa de muita luz, ela precisa de reflexão. Pele branca nenhuma reflete como a nossa.

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Kerry James Marshall, 2014.

Sobre referências é muito difícil não citar Kerry James Marshall, artista plástico estadunidense que pinta preto sobre preto, o preto sobre superfícies escuras, que é uma coisa que a gente vem tentando retratar nos nossos últimos longas: preto sem a necessidade de luzes potentes e duras para retratar a pele preta.

Em relação à movimentação da câmera tivemos vários filmes como referência, mas o que mais me tocou foi o filho de Saul (László Nemes, 2015), que é um longa que a câmera tá colada naquele pai, sente as dores e as aflições daquele pai. Eu vi o filme e entendi ainda mais que precisávamos estar próximos do Maurício, precisávamos retratar aquela dor com proximidade. Então nós precisávamos de uma câmera que estivesse se movimentando junto com esse corpo preto. E, dentro disso, nós utilizamos a ferramenta que tínhamos acabado de usar no Correndo Atrás que foi o MOVI, queria acompanhar proximamente todos esses sentimentos. Foi verdadeiramente a coisa mais linda poder estar mais próximo dos atores e atrizes. Estar colado no Juan, na Mariana Nunes, naquelas mães nas manifestações e no enterro. Ter todo esse sentimento visto de tão próximo, fazer com que a câmera retrate esse sentimento, que foi uma coisa que, creio, conseguimos.

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Juan Paiva e Cristiano Conceição. Foto: Vantoen Pereira Jr.

Como foi o trabalho com as equipes de arte?

A fotografia, direção, arte, maquiagem, figurino…. nós ficamos tão próximos e trocamos o tempo inteiro. A fotografia nada mais é do que enquadrar, iluminar, sentir o que o roteiro quer dizer e dialogar com todas essas outras equipes para fazer com que tudo que é colocado, dito e trocado seja traduzido para a tela

A direção de arte é que nos dá todo o suporte, claro junto com a maquiagem e o figurino. Quem começa a iluminar uma cena é a direção de arte, com as suas luzes de cena, penso que o diretor ou diretora de arte são também grandes fotógrafos. Acho que a fotografia e arte não estão separados, está tudo junto, misturado. Então, as minhas trocas com a direção de arte em sets de filmagem são sempre trocas de profundo aprendizado. Daniel Flaksman e sua equipe coordenada pela Cristina Cirne foram muito generosos comigo em todo esse processo.

Pode nos contar sobre o processo de workflow de pós e também sobre a marcação de cor?

Nosso colorista foi o Pedro Saboia, um artista super profissional. Ele verdadeiramente foi muito sensível com esse nosso material. Conseguimos chegar exatamente aonde havíamos pensado. Como nas janelas do grande apartamento em Copacabana onde queríamos mostrar o mar e a amplitude daquele apartamento. Foi mais uma situação na qual usamos nossos 30% de raw.

Nosso segundo assistente de câmera Lincoln Santos operou remotamente o diafragma de grande parte das cenas e isso nos ajudou a entregar um material bastante equalizado. E tem o Nicolau Saldanha, um fotógrafo que vem trabalhando comigo ao meu lado. É o cara com quem estou discutindo cinematografia, o movimento de uma cena, o não movimento de uma cena, etc.

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Equipe de M8. Foto: Vantoen Pereira Jr.


Sobre a equipe de fotografia, como ela estava composta?

A equipe de fotografia é composta pelo departamento de câmera, de elétrica e maquinaria, mas eu acho que a equipe de fotografia começa na direção. Quando Jeferson me traz referências sobre o que ele quer de movimentação, sobre o que ele pensa de luz, sobre o que ele enxerga para o filme, isso daí já é fotografia. O gaffer, administrador da elétrica, é fundamental. No M8 Allan Paulo trouxe muito conhecimento e possibilidades. Alecsander Ferreira (conhecido também como Bugalu) foi nosso maquinista-chefe sensacional, garantiu todas as estruturas necessárias.

E tem a equipe de câmera, que é de onde venho. Aprendi a fotografia nessa posição, nessa escola da assistência. Estar ao lado do fotógrafo, num eixo próximo ao da câmera. Hoje sei que contar com o olhar desse departamento me permite estar mais atento a questões da narrativa, as quais também divido com eles.

Então, a junção de 500 milhões de coisas para no final só uma pessoa assinar a fotografia. Não deveria ser assim. Aliás, acho que lá na fotografia deveria vir todas as equipes juntas, a fotografia para mim se traduz em equipe. Eu acho que o audiovisual é equipe. E principalmente humanidade. Como diz o meu amigo Nicolau Saldanha, a humanidade imprime. Acolhimento transforma. Trazer esse respeito, esse carinho com os seres humanos envolvidos no processo. Ouvir as pessoas. É isso que acredito ficar impresso no filme. 

Cristiano, obrigada. Algo mais que gostaria de acrescentar para finalizarmos?

Bom, quero só agradecer a toda essa equipe do M8. Eu quero agradecer a nossa equipe de elétrica, a nossa equipe de maquinária, a nossa equipe de câmera, a nossa equipe de produção, contrarregra, a nossa equipe de arte, som, figurino e maquiagem, assim como equipe de catering, transporte e fornecedores. Todos que trabalharam no filme. Quero deixar expresso esse carinho, esse amor e essa humanidade toda que nós criamos durante essas quatro semanas de filmagem desse filme tão necessário e atual. Obrigado.

Ficha Técnica:
Direção: Jeferson De
Roteiro: Carolina Castro, Felipe Sholl, Jeferson De
Produção: Carolina Castro e Iafa Britz
Direção de Fotografia: Cristiano Conceição
Direção de Arte: Daniel Flaksman
Trilha Sonora: Plínio Profeta
Estúdio: Buda Filmes, Migdal Filmes
Montador: Moema Pombo, Quito Ribeiro
Figurinista: Cris Kangussu
Produtora de elenco: Marcela Altberg
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