Por Danielle de Noronha
O longa “O Grande Circo Místico”, novo projeto de Carlos Diegues, conta a história de cinco gerações de uma mesma família circense. Da inauguração do Grande Circo Místico, em 1910, aos dias de hoje, o filme acompanhará, através de Celavi, o mestre de cerimônias que nunca envelhece, as aventuras e os amores dos Knieps, do apogeu à decadência, até o surpreendente final, num filme em que realidade e fantasia se encontram em um universo místico. “O Grande Circo Místico” está previsto para estrear no dia 11 de novembro. Enquanto esperamos, o diretor de fotografia Gustavo Hadba, ABC fala um pouco sobre a fotografia do filme
Por favor, descreva os aspectos técnicos.
Foi tudo filmado com duas câmeras Alexa XT, em ARRI RAW. Jogo de lentes fixas Zeiss Master Prime, de 14 a 150mm, e uma zoom Optimo Angenieux, 28 a 340mm. Filmado no formato 2:235.
Quais foram os motivos que o levaram a escolher a Alexa XT e essas lentes?
Parte dessa escolha foi por questões de produção, e no que diz respeito à linguagem queria poder filmar o circo de maneira grandiosa, planos abertos, e ter a zoom para poder, ao mesmo tempo, captar momentos do espetáculo que não se repetiam.
Quais foram as principais referências para a fotografia do filme? O poema serviu de inspiração?
Os dois filmes que foram muito assistidos, não exatamente como referência de fotografia, mas como mood e maneira de visualizar em geral as ações dentro do circo, foram “Trapézio”, do diretor Carol Reed, e o filme “Moulin Rouge”, do diretor Baz Luhrmann. O “Trapézio” mais como formas de filmar ações circenses e “Moulin Rouge” porque trazia um lado mais moderno de encenação, cenário e luz.
O poema nunca foi um partido de inspiração para a fotografia. Justamente ao contrario disso, a ideia da fotografia foi fugir de qualquer referência do que já tenha sido feito dessa historia, desde o poema que deu origem até a própria história do roteiro, como a peça de teatro, o musical e tudo que já foi feito sobre este tema.
A ideia primeira, e que regeu todo o filme, sempre foi fazer um circo grandioso, nunca um folclórico brasileiro. Um circo que fosse místico e grande. Ele nunca deveria ser um cirquinho do interior do Brasil. A ideia da luz sempre foi a de trazer a grandiosidade e a deterioração, metaforicamente a grandiosidade do início com a própria deterioração do circo, dos personagens, do tempo e da história.
Era um circo de algum lugar do mundo, um circo místico.
Como a fotografia trabalhou para levar a narrativa para o passado?
A ideia sempre foi usar o anacrônico. Em relação aos instrumentos de luz, equipamentos, manter a ideia de linguagem como um circo que começa estupidamente grandioso, com todos os requintes de luz e iluminação, e termina com a deterioração do circo e personagens, bem como com o mecanismo para iluminar este circo e essas ações.
O filme começa iluminado por um cometa que está tão perto da terra que sua luz se torna mais forte que um luar. E esse luar é verde. A atmosfera é verde. Um filme em que a fotografia parte de uma ideia já nada realista.
O circo começa grandioso e ele tem muito mais possibilidades de luz e iluminação. No passado, os espetáculos foram iluminados usando laser e leds. Já no presente-futuro, a iluminação é seca e quase não há refletor, porém nunca um circo escuro.
O passado é iluminado por luzes do futuro e o futuro já não tem quase luz.
Poderia nos contar um pouco sobre o trabalho com o departamento de arte?
Foi uma contribuição mútua para dar sempre essa ideia do anacronismo e da modernidade-grandiosidade do passado e decadência-deterioração do presente.
Uma das escolhas mais importantes para que isso tudo fosse realmente fixado como a imagem desse circo, foi a de, por todo o percurso da historia do circo, sempre trabalharmos em cima do mesmo CIRCO. A mesma lona-chapitô, o mesmo picadeiro, o mesmo espaço circense. O que demonstra a passagem do tempo é justamente a degradação que foi sendo feita, junto da luz, nesse mesmo espaço. A precariedade caminhando junto com a história. E também a linguagem visual que fala de cada tempo/época, por exemplo, o icônico anos 1960 com as luzes lisérgicas. Os panos de roda que iam mudando também a cada época, dando uma dinâmica visual desse mesmo circo sempre diferente. Alguns translúcidos, outros totalmente brancos ou pretos, dando um alto contraste entre os fundos e os personagens…
Um filme que não tem medo da cor, não importa o tempo. Os parceiros Artur Pinheiro (PT) e Lulu Continentino (BR) foram fundamentais para essa ideia ser visível e viável.
O que os levou a filme em Portugal e como foi essa experiência?
A princípio, a ideia de filmar em Portugal foi para podermos filmar o circo com animais e isto era fundamental pro filme. Mas acabou sendo mais que isso, pois em tudo foi uma excelente experiência. Ótimos profissionais e muito boa oferta de equipamentos. O melhor catering do mundo.
Do Brasil fiz questão de levar meus dois grandes parceiros Lula Cerri, operador de câmera, e Joaquim Torres, foquista (por ironia o único Joaquim da equipe era brasileiro!).
Da França conheci o maquinista Pascal Payet, também excelente profissional. O restante da equipe era toda portuguesa e lá fiz grandes amizades, além das parcerias como com o grande amigo e profissional Zé Manel, gaffer, com João Pedro Ruivo, assistente de direção, delicado, sensível e poliglota, e João Fonseca, um produtor consciente das necessidades, direto e objetivo. Um excelente produtor!
O importante numa filmagem multinacional como essa é que todos estejam abertos às pequenas diferenças que podem acontecer no que se refere ao método de trabalho, e isto tudo foi alcançado ainda com prazer.
Como foram feitas as cenas das apresentações no circo? E com os animais?
Filmamos da forma mais solta possível, e sempre do começo até o final sem interrupções. Os espetáculos eram feitos por inteiro e filmávamos durante todo o tempo. Era sempre ao lado dos profissionais do circo, sempre com a segurança necessária, equipamentos. No caso dos animais a luz às vezes mudava, pois eles nem sempre reagiam bem à luz direta. Filmamos os leões bem de perto, dentro da jaula! Sempre ao lado dos domadores e profissionais para que tudo acontecesse de forma segura e sem grandes surpresas.
Os acrobatas e circenses em geral estavam sempre preparados para filmarmos várias vezes a mesma cena de forma contínua sem perder o modo flow dos movimentos das atuações.
Também filmamos muitas cenas as quais o elenco fazia parte da encenação circense e todos eles treinaram bastante, domando leão, saltando no trapézio, no contorcionismo, de maneira que evoluíram muito bem nas filmagens, se inserindo como se fossem mais um da equipe circense.
E o que dizer do trabalho com Cacá Diegues?
O Cacá Diegues é um diretor muito gentil e generoso. Preocupado com os atores, e com o clima do filme como um todo, muito certo do que quer passar como ideia ou ideal. Mas que dá muita liberdade e confiança nos aspectos técnicos cinematográficos, o que trouxe muita liberdade para colocar o que eu vim trazer de contribuição de imagem e mood pro filme. Uma vez que ele convida o profissional que ele escolheu, ele passa a ter muita confiança e isto é muito agradável. Foram muitas conversas, muitas e longas conversas com toda a equipe e elenco, pensamos demais no filme juntos. A maioria dos projetos, normalmente, está há muito mais tempo com o diretor do que conosco. Então, o que já há de ideia para o diretor está muito arraigado para poder ser mudado. No caso do Cacá cada nova ideia ou leitura do que seria uma cena de fato filmada, era sempre ouvida, debatida por todos, digerida por ele, o que fazia ele se realimentar, acrescentando ao que ele tinha à princípio. E isso tudo transformou o ato de filmar num ato de todos e não de uma equipe seguindo seu comandante.
O Cacá sempre colocou que esse fosse um filme ousado e criativo. Não existiu em momento algum a pretensão de agradar a crítica, os festivais ou fazer bilheteria. E sim um filme único. O melhor Circo Místico pra ele e pra quem se juntou e colaborou pra filmar essa história.
O Circo Místico foi feito sem pretensão e com ousadia. Essa virada é que foi importante. Muito prazeroso filmar com o Cacá.
Como foi o workflow de pós e qual foi a sua participação nele?
O filme ainda está em processo de pós-produção e finalização com vários efeitos. Marcelo Sica é nosso produtor de finalização. A marcação de luz e efeitos principais serão feitos na E-Clair em Paris, onde certamente estarei presente.
Ficha Técnica
Direção: Carlos Diegues
Produtora Renata Almeida Magalhães
Direção de Fotografia: Gustavo Hadba, ABC
Direção de Arte: Artur Pinheiro
Figurino: Kika Lopes
Técnico de Som: Christophe Penchenat
Montagem: Mair Tavares e Daniel Garcia
Música: Chico Buarque e Edu Lobo
Trilha Sonora Original: Edu Lobo
Produtor de Finalização: Marcelo Sica