Marcelo Souza: “Zoom”

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Por Danielle de Noronha

Com direção de Pedro Morelli e direção de fotografia de Adrian Teijido, ABC, o filme Zoom mescla cenas com elenco e cenas de animação, executada com a técnica de rodoscopia. O longa apresenta três histórias paralelas, mas que são interligadas: Emma (Alison Pill) é funcionária de uma fábrica de bonecas sensuais que sonha em ter seios maiores, iguais aos que vê no trabalho. Ela despeja todas as frustrações em seus desenhos em quadrinhos que contam a história de um diretor de cinema, Edward (Gael García Bernal), que, sem Emma saber, existe e está no Rio de Janeiro dirigindo um filme sobre Michelle (Mariana Ximenes), uma modelo brasileira que, também para se livrar dos problemas pessoais, começa a escrever um livro sobre Emma. O filme é uma coprodução entre Brasil e Canadá e estreia hoje, dia 31 de março.

Marcelo Souza, supervisor de efeitos visuais de pós-produção da O2, conta sobre o processo de animação do filme.        

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Pedro Morelli (Diretor), Adrian Teijido (Dir.Fotografia), Rick Roberts (Cirurgião), Alison Pill (Emma). Foto: Marcelo Souza

Como foi o planejamento do processo de animação do Zoom?

Zoom, como tem um roteiro bastante “cruzado”, digamos assim, não só do ponto de vista da história em si, mas também do ponto de vista das técnicas de filmagem e de como essas técnicas tinham que contribuir com a narrativa, foi feito de uma maneira muito próxima com a dita pós-produção. Nós acabamos por trabalhar próximos ao diretor, desde o momento que o roteiro estava começando a ser fechado (mas ainda não 100%). Participamos da construção desses universos junto ao diretor ainda antes da pré-produção, discutindo caminhos a seguir antes sequer de testarmos ou fecharmos um workflow, ou visual/técnica. Isso foi bem interessante, pois tornou o processo todo mais orgânico.

A primeira ideia visual do Zoom veio pelo diretor, contando para mim as “maluquices” que ele tinha na cabeça, enquanto ainda terminava de fechar o roteiro. Então, comecei a fazer testes e procurar referências para entendermos qual caminho seguiríamos e qual seria o planejamento para tornar isso real, levando em consideração o tamanho da equipe, o prazo, verba e outros limitadores. Depois de alguns caminhos testados e testes visuais concluídos, com a ajuda de um coordenador, o Diego Moreira, começamos a estruturar o que seria a equipe de Zoom e a pautar o volume de trabalho versos mão de obra versus prazo versus verba, que precisaríamos contar.

Qual foi a participação da pós durante as filmagens? Como a pós e a animação se integraram?

Acompanhamos todas as filmagens bem próximos. Ajudamos a planejar as cenas, e todas as cenas que passariam pelo processo de ilustração/rotoscopia foram planejadas e pensadas previamente à filmagem. Eu fiz a supervisão de efeitos no set, em todas as locações, até porque o filme não tem efeitos somente na parte desenhada. E sim na mistura das histórias, onde elas se conectam, e também alguns efeitos, em menor escala, somente nas partes filmadas. Como participamos da construção visual do filme, era necessário estar muito próximo de todo processo para deixar o diretor preocupado com a parte da direção dos atores e nós com a parte visual e efeitos. A integração foi tranquila, uma vez que criamos um workflow de entrada e saída de material. Todas as sequências do filme eram convertidas para 12Fps, e muita coisa precisava ser trabalhada ANTES de ir pra animação. Fazíamos “monstros” na edição e as vezes na pós, multiplicando pessoas, trocando cabeças, reposicionando elementos, e isso tudo era conformado numa sequência pronta para os ilustradores só se preocuparem com o traço e mais nada.

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Adrian Teijido (Dir. Fotografia), Pedro Morelli (Diretor), Elisa Sauve (Design de Produção). Foto: Marcelo Souza

E o workflow? Quanto tempo de trabalho e quantas pessoas trabalharam na equipe?

Nas etapas de pré-produção, quando criamos todos os cenários, muitos até mesmo antes de entrarmos no estúdio, fizemos todos os testes que queríamos de animação para descobrirmos com qual framerate trabalharíamos, quais técnicas, como seria o traço, quanto tempo levava para traçar tantos frames, para termos uma relação de grandeza, dimensionarmos o trabalho e dividirmos as equipes. Percebemos de cara que somente um ilustrador poderia dar a “cara” ou estilo dos personagens e provavelmente somente esse ilustrador ficaria responsável pelo traço principal. Porém, como era impossível uma pessoa fazer todo filme, contratamos uma equipe de mais de 20 ilustradores, escolhidos por testes/triagem. Nesses testes a tarefa deles era copiar e completar animações feitas pelo nosso ilustrador Lead (Adams Carvalho). Assim, definimos que trabalharíamos a 12 quadros pra cada segundo, e que o Lead traçaria de 3 a 6 quadros chave para que os outros membros da equipe completassem o restante. Separamos também uma equipe só para preencher os desenhos e recriarlayers de luzes e sombras quando necessário.

Assim, ninguém ficava parado e conseguíamos balancear a velocidade dos ilustradores de traço com os ilustradores de preenchimento.

Trabalhamos por seis meses no processo somente de traço e cor, mais uns seis meses no restante. Muitas coisas aconteciam em paralelo, mas muitas coisas dependiam das cenas finalizadas para serem feitas.

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Fábrica da Emma. Foto: Marcelo Souza

Como funciona a rotoscopia? Quais foram as peculiaridades do trabalho de animação deste filme?

Muitas obras já foram feitas com esse caminho de “rotoscopia/ilustração” até então. A maioria são referências BEM conhecidas. Então, nosso desafio MAIOR nesse ponto da produção era não ser “comparado” com ninguém. E se fossemos comparados (o que é inevitável) que as pessoas entendam que estamos sendo originais dentro de um universo onde não estamos tentando ser inovadores pela técnica em si, e sim, contribuir com a estética/história contada. E isso felizmente acredito que conseguimos alcançar. A grande inovação aqui foi achar um estilo próprio, estético, dentro de um leque de referências já conhecidas. Nosso caminho era difícil, mas acreditamos nele.

Assistimos TUDO que já havia sido feito com estética semelhante, e analisamos todas as produções. Algumas muito conhecidas (Como Waking life e Scanner Darkly, do Linklater), bem como Valsa com Bashir, e outras referências excelentes, que nunca tínhamos ouvido falar, como Alois Nebel. Isso foi uma segunda etapa de pesquisa excelente, pois por mais que gostássemos de muitas coisas em todas essas produções, conseguimos estudar todas não só esteticamente, mas como processo de produção e entender o que foi feito nelas, e separar exatamente o que foi opção estética e o que foi opção de optimização de tempo de produção. Ou seja, processos para tornar o trabalho viável, com o tempo e dinheiro disponível. Nessa segunda etapa, toda brincadeira de viajar esteticamente e “atirar” pra todos os lados tem que acabar, temos que apontar para um caminho e andar nessa direção, “tolhidos” pelas variáveis de prazo, tempo, tamanho da equipe, etc. Então esse é o momento de lapidar nossas ideias iniciais dentro da realidade do filme.

Muitas escolhas foram feitas e martelos batidos. Tanto pelo diretor como processo, como por mim, como supervisor de efeitos, como pelos cenógrafos, diretor de fotografia, arte, etc. Todos os parâmetros do universo que estamos criando e as “regras” para torná-lo viável foram traçadas nessa segunda etapa.

Então, voltando à inovação. Acho que sendo objetivo, nossa maior inovação/peculiaridade foi conseguir originalidade dentro de um cenário já conhecido e visitado muitas vezes por produções previamente conhecidas e que viraram referencial desse tipo de trabalho. E isso tudo dentro de nossa realidade. Foi um grande desafio pra toda equipe, atores, diretores, (e as vezes até pra nós mesmos, confesso), enxergar o que estávamos construindo, sem realmente ver nada “pronto” no set.

De que maneira a direção de fotografia e a animação se relacionaram?

Esse foi um processo muito interessante e acredito que engrandecedor para todos os envolvidos. Pois, o que menos queríamos era criar uma linguagem vídeo > animação. O filme fala de quadrinhos (diferente de todas as nossas referências), então, ao mesmo tempo que não queríamos nos engessar TANTO nessa linguagem, ela tinha que ser lembrada o tempo inteiro. E queríamos imprimir isso na cinematografia. Eu achava essa parte da estética bem importante desde o início e em algumas trocas de opiniões com o diretor de fotografia Adrian Teijido e com o diretor Pedro Morelli chegamos a um meio termo. Porém mesmo sabendo o que queríamos, muita coisa muda na hora que se vai pro estúdio e liga a câmera. Por isso, para todos falarmos a mesma língua e entendermos na prática como seria nosso funcionamento no set, o diretor fez um pedido de “teste de produção”. Fomos para o estúdio e filmamos alguns atores encenando partes do roteiro. Nesses testes, podemos avaliar diversas coisas e confirmar o que funciona ou não pra animação. Levamos os testes do início ao fim, como se fosse já o filme “valendo”, filmando, com falas, cortes, lentes diferentes, tipos de iluminação diferentes, roupas diferentes, maquiagens diferentes, e levamos isso para uma ainda pequena equipe de animação para que fizesse o processo até o final na parte de pós também. Assim teríamos um exemplo de experiência completa do que estaríamos enfrentando a diante.

Isso foi essencial para toda equipe envolvida, entender realmente quais caminhos seguir e modificar, do seu trabalho convencional com filme, para um trabalho que seria posteriormente MUITO trabalhado. Foi um aprendizado inicial muito valioso, também para o diretor e fotógrafo, para entendermos e encontrarmos o que funciona dentro dessa linguagem de quadrinhos “filmados” que estávamos criando. Alguns procedimentos convencionais em filmagens teriam que ser repensados. Coisas simples, como profundidade de campo. Como isso funcionaria desenhado, já que nosso traço “nunca” é desfocado? O quanto de informação um background teria depois de traçado, muita? Pouca? Objetos de vidro, como funcionam? E movimentos de câmera? Funcionam? Câmera na mão? Trilhos? Luzes da forma convencional? Praticamente todos os aspectos da cinematografia convencional tiveram alterações em prol do estilo que queríamos imprimir.

Como o trabalho da direção de arte se relacionou com a animação? 

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Fábrica “Love Dolls inc.” (onde Emma trabalha no filme). Ao centro, Patrick Arias (Assistente de Direção) e esquerda/centro Margherita Penacchi (Arte). Foto: Marcelo Souza

Embora boa parte dos cenários, pra parte desenhada, seriam criados como ilustração, ou seja, só existiriam depois das filmagens, precisávamos localizar os atores, onde estavam, como eram os ambientes e situações. Sugeri que seguíssemos mais ou menos o que foi feito por Lar Von Trier, em Dogville, em que o cenário não existe, mas os atores têm referências no chão dos ambientes. Nosso estúdio não foi feito usando o conhecido chroma key, pedi que cobríssemos tudo com um cinza próximo de 50% (dito, neutro), e que a cenografia criasse todos os cenários junto conosco antes da filmagem na forma de ilustração. Esses ambientes foram pensados com uma planta baixa pela responsável pelo design de produção, a canadense Elisa Sauve, e direção de arte da incrível brasileira Marghe Pennacchi. Todos os cenários foram aprovados como ilustrações e os espaços pensados como se fossem construídos. Sendo assim, as medidas foram traçadas no estúdio cinza, com os volumes principais delimitados por blocos e paredes cinzas, e fitas no chão marcando os espaços.

Os objetos reais que o ator fosse interagir e alguma cenografia, decidimos que fossem reais e estivessem no set, para permitir algum tipo de improviso. Não queríamos amarrar os atores, por conta da técnica usada. O ambiente cinza já era opressor o bastante, então fazíamos o máximo para dar o mood da cena no próprio estúdio, até com iluminação, mesmo não sendo 100% necessário para a técnica, pois muitas vezes mudamos alguns elementos depois na etapa de ilustação/rotoscopia.

De que modo o projeto foi recebido no TIFF e no Canadian Awards?

Eu não participei desse evento, infelizmente. Não sei se sou a melhor pessoa para responder isso. Até onde sei, o filme se encaixou bem no perfil do festival, não só por ter uma história instigante e intrigante, como por usar uma mistura de narrativas e técnicas que torna o resultado interessante por si.

Saiba mais sobre o filme e tenha acesso a vídeos e fotos no site da o2.

Ficha Técnica:
Diretor: Pedro Morelli
Produção: Andrea Barata Ribeiro e Niv Fichman
Direção de Fotografia: Adrian Teijido, ABC
Production Designer: Elisa Sauve
Cenógrafa: Marghe Penacchi
Som Direto: Jorge Rezende e Bissa Scekic
Supervisor de pós-produção: Marcelo Souza
Montagem: Lucas Gonzaga
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