Por Danielle de Noronha
O novo filme de Hector Babenco, Meu Amigo Hindu, traz a história de Diego, um diretor de cinema que ao saber que uma doença maligna pode ser fatal, casa-se com sua mulher de muitos anos, despede-se de seus amigos e entra numa rotina de longas jornadas num hospital. Lidando com a dor e conversando com a morte conhece um menino hindu, que se torna seu mais novo amigo. Um dia ele não aparece mais. Diego recebe alta, mas sua vida nunca mais será a mesma. Seu casamento acaba e, solitário, chega a se questionar se ele não estaria morrendo e ninguém lhe diz nada, até que conhece uma nova mulher.
O diretor de fotografia Mauro Pinheiro Jr., ABC conta sobre o seu trabalho no filme, que estreia nesta quinta, 03 de março.
Como surgiu o convite para participar do “Meu Amigo Hindu”?
Nos conhecemos na época do lançamento do Cinema Aspirinas e Urubus. Hector me ligou para falar do filme e acabamos combinando de fazer algum trabalho um dia. Mas, por questões de datas, só conseguimos trabalhar juntos agora.
Quais foram suas primeiras impressões quando leu o roteiro?
Quando li o roteiro fiquei impressionado com a coragem do Hector em tratar de assuntos bastante íntimos. Nunca mergulhar em um roteiro significou tanto mergulhar na vida de um diretor. E isso me interessou.
Li uma entrevista do Babenco a qual ele dizia que o filme não era autobiográfico, mas um filme com elementos pessoais. Como ele lidava com isso no set?
Ele diz que o filme não é autobiográfico, mas uma reconstrução dos fatos pelos quais passou. E nesse sentido, a fidelidade factual interessa menos que a narrativa dos sentimentos que ele atravessou durante o período que o filme desenvolve. No set, essa questão do paralelo entre o roteiro e a vida real ficava mais evidente no trabalho do Willem Dafoe, que no início pedia mais detalhes do passado para o Hector, que respondia que o Diego não era o Hector. Assim ele dava espaço para a reinvenção da história e o nascimento de Diego. Para a equipe, Hector, em português, às vezes nos contava como haviam sido as situações que inspiraram as sequências do filme. Mas, sem dúvida o maior desafio de todos era entender qual recorte entre a realidade, a fantasia e a memória Hector queria propor.
Como foi a pré-produção? Quais testes foram realizados?
Tivemos uma pré-produção clássica (o que infelizmente está cada vez mais raro) com leituras de roteiro, visitas de todas as locações, testes, decupagem, etc. Eu, normalmente, nas primeiras leituras solitárias do roteiro costumo evitar criar imagens na minha cabeça. E, nas primeiras reuniões, proponho muito pouco. Gosto mais de fazer perguntas para tentar juntar as peças e entender melhor o que o diretor, mesmo que inconscientemente, já construiu em termos de imagem. Assim, as minhas primeiras inspirações vieram das leituras de roteiro em grupo que me serviram de orientação para os primeiros testes filmados. Aqui me vem uma questão importante. No primeiro teste de fotografia estávamos já perto do início das filmagens. Então, todos os departamentos estavam super ocupados com todas as demandas e participaram pouco dos testes. Isso é relativamente normal. O teste de fotografia acaba exigindo uma abstração do diretor que pode levá-lo a uma angústia muito grande quando ele não reconhece o filme que imaginou no teste. Fizemos o teste de fotografia com o cenário inacabado, com dressing parcial, sem maquiagem e sem figurino definitivo. Esse teste acabou sendo jogado fora. Apesar das inúmeras opções de luz, Hector não via o filme dele ali. O Hector é muito emotivo. Se ele não se emociona com uma imagem, ela não serve. Isso me fez repensar a importância do teste de fotografia e principalmente considerar melhor a diferença entre um teste de fotografia para um diretor de fotografia e um teste de fotografia para o diretor. Assim como a filmagem é um trabalho coletivo, os testes também devem ser. Foi necessário abrir câmera uma segunda vez para, todos juntos, pesquisarmos a imagem do filme. E, nesse sentido, quando eu digo imagem do filme me refiro à luz, arte, figurino e maquiagem.
Quais câmeras foram escolhidas? Por quê?
O filme foi rodado com a Alexa em Arriraw 2.8K e um jogo de lentes Cooke S4 no formato 1.85. Hoje em dia, a Alexa é a câmera com a qual eu prefiro trabalhar. Gosto muito do corpo da câmera, do acesso às funções e da ergonomia. E gosto muito do resultado dela na tela.
O que dizer do trabalho com o Willem?
O Willem é incrível, ele é um ator excelente. Tínhamos um stand-in para marcar a cena em seu lugar para poupá-lo. Mas ele se recusava e vinha para o set tão logo estivesse pronto, antes mesmo de ser chamado, para que a cena fosse marcada com ele próprio. Eu li uma entrevista em que ele dizia que faz isso porque ele gosta de entender o que está acontecendo, gosta de entender os problemas, as soluções. Gosta de fazer parte. E ele acaba ajudando muito. Como ele interpretava um personagem que vem a partir da figura do Hector, ele queria entender como é o Hector, como é ele em ação. Ele queria entender mais da personalidade do Hector para poder contribuir com a criação do Diego. Assim, ele ajudava a si próprio, na composição do personagem, e também ajudava a gente criativamente o tempo inteiro.
Como foi o workflow de pós e sua participação nele?
Foi bem tranquilo. A gente tinha algumas sequências que tinham efeitos mais elaborados, mas nenhuma dessas sequências entraram no corte final do filme e os efeitos que ficaram eram mais simples, algo mais tranquilo.
A gente tinha um DIT no set que dava um primeiro tratamento na imagem em um DaVinci, o que era bem importante para a edição. E a partir dali foi um fluxo normal mesmo. A correção de cor final foi feita na O2.
O que você acha da cópia final? Qual sua expectativa para a estreia do filme?
Eu gosto do filme, fiquei bem satisfeito. Estou curioso para saber o retorno do público porque é um filme muito pessoal.
Fotos: Saldanha Mujica
Ficha Técnica
Diretor: Hector Babenco
Roteiro: Hector Babenco
Diretor de Fotografia: Mauro Pinheiro Jr., ABC
Montador: Gustavo Giani
Música: Zbigniew Priesner
Produtor: Hector Babenco
