A publicação inédita Cinemateca Negra, que investiga a história do Cinema Negro ao mapear e consolidar dados sobre filmes produzidos por pessoas negras no Brasil de 1949 a 2022, foi lançada pelo Instituto NICHO 54 na última sexta-feira, 28 de junho, na Cinemateca Brasileira, dentro da programação do 3º Fórum Spcine. O evento contou com a presença de figuras públicas, formadores de opinião e agentes do ecossistema do audiovisual, da cultura, da comunicação e da diversidade.
“Este livro é um começo e não um fim. Ele é um convite aos autores e aos diferentes agentes do campo, não só para se apropriarem desses achados, mas para fazerem novas pesquisas, para trazerem outros recortes. Além disso, desejamos ver de que forma os agentes de fomento, filantropia e mercado vão olhar e se relacionar com esses dados, pensando também em políticas públicas e investimentos”, falou Heitor Augusto,idealizador, pesquisador-chefe e coordenador da Cinemateca Negra na ocasião.
“As evidências desta pesquisa podem ser usadas para a criação de estratégicas para a melhoria de políticas de diversidade. Assim como é o objetivo do próprio NICHO, também ajuda a atualizar o retrato da diversidade brasileira para os agentes de fora do País, apoia o fortalecimento da produção da nossa comunidade e a promoção de cooperações internacionais”, reforçou Fernanda Lomba, diretora executiva do NICHO 54.
A programação contou com um debate que se propôs a conversar sobre a importância de objetos culturais, como o livro Cinemateca Negra, para a preservação da memória e da dignidade das vidas negras. A mesa foi composta por Mariana Queen Nwabasili, doutoranda pelo programa Meios e Processos Audiovisuais da USP e pesquisadora com foco em representações e recepções cinematográficas vinculadas a raça, gênero, classe, colonialismo e (de)colonialidade, e Wini Calaça, documentalista responsável pelo acervo multimídia no Centro de Documentação e Memória Institucional de Geledés, com mediação de Heitor Augusto. Laís Franklin, editora-chefe da Bravo! foi a Mestre de Cerimônias da mesa.
A publicação, que tem prefácio assinado pela Ministra da Cultura Margareth Menezes, mapeou o universo de produções negras no Brasil de 1949 — data da primeira obra registrada — até 2022. A Cinemateca Negra é uma realização do NICHO 54, instituto que apoia a carreira de pessoas negras em posições de liderança criativa, intelectual e econômica no cinema, e tem patrocínios da Open Society Foundations eda Spcine, apoio do Instituto Galo da Manhã, além de apoio institucional do Ibirapitanga.
Além de útil ao mercado e agentes de cultura, o levantamento também tem papel histórico, pois é a primeira vez que um levantamento de obras negras é realizado. “Quando falamos de direto à memória estamos falando de um princípio fundamental de reconhecimento e preservação de narrativas históricas e culturais de um povo. Esse direito não foi dado a nós, pessoas negras. Existe uma política de esquecimento da colonialidade escravagista e isso tem se perpetuado em todas as esferas”, argumentou Wini Calaça, de Geledés.
“Os negros sempre estiveram nas imagens do cinema brasileiro, mas sempre colocados como povo ou popular. Costuma-se estudar esse ‘povo’ sintomaticamente negro nas diferentes fases do cinema braisleiro sobre o paradigma dos autores dos filmes, mas que são em sua maioria esmagadora pessoas brancas e homens. A questão é pensar que tipo, quantos e em que época esses negros estiveram fazendo filmes e sob quais condições filmaram. Essa pesquisa entra para cobrir esse dado, estudar os negros como autores de obras, algo nunca antes feito”, reforçou a pesquisadora Mariana Queen Nwabasili.
Pesquisa revelou como racismo e exclusão impactaram a produção cinematográfica negra no Brasil
A Cinemateca Negra mapeou 1.104 filmes — incluindo longas, curtas e médias metragens — dirigidos por uma ou mais pessoas negras desde a década de 40. O levantamento revelou que 83% de toda essa produção surgiu entre as décadas de 2010 e 2020 e que, historicamente, há baixa prevalência de longas produzidos por esse público no Brasil. Os dados mapeados contribuem para que novas perguntas sejam feitas ao cinema brasileiro. Recortes como codireção interracial e desigualdades de gênero foram investigados pela publicação, oferecendo, assim, um retrato inédito da produção negra.
Além disso, a publicação traz uma lista de diretores identificados durante a pesquisa, bem como informações acerca dos filmes dirigidos por pessoas negras, contribuindo, assim, para o reconhecimento e dignidade dessas trajetórias.
Após o lançamento, serão doados 50 exemplares de Cinemateca Negra para bibliotecas públicas da cidade de São Paulo como a do Centro Cultural São Paulo, do Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, do Museu das Favelas, do MIS (Museu da Imagem e do Som), na Biblioteca Mário de Andrade, além de CEUs e outros espaços culturais descentralizados, como Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes e Centro Cultural da Juventude. A publicação, que tem edição bilíngue, terá ainda uma fase de distribuição nacional, atualmente em negociação, e uma difusão estratégica em ambientes de mercados internacionais.
A Cinemateca Negra começou a ser produzida em março de 2023 a partir de investigações realizadas por Augusto no campo da curadoria desde 2018. Para chegar no mais amplo retrato da realização negra, teve como fonte de pesquisa festivais, mostras de cinema, retrospectivas e sessões especiais, além de cursos de cinema e audiovisual, cursos livres, formações técnicas e workshops de realização. Também foram consultadas coletâneas em DVD e Blu-ray, artigos acadêmicos, livros de entrevistas e coletâneas, Hemeroteca Digital Brasileira, notícias e matérias online. Bem como repositórios digitais de cinematecas, acervos pessoais, e, por fim, o contato direto com o realizador de determinada produção ou seus descendentes.
Contribuição com a pesquisa
A equipe de pesquisa que mapeou os filmes apresentados empregou intensos esforços para que a lista final trouxesse a maior quantidade possível de títulos. Caso queira solicitar, para as próximas edições de Cinemateca Negra, a inserção de algum título que atenda os critérios de elegibilidade da pesquisa, recomendamos que encaminhe um e-mail para os seguintes endereços: [email protected] e [email protected]. As solicitações serão avaliadas.