Projeção digital: os desafios da transição no Brasil

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Por Danielle de Noronha

Apresentação

Caros Leitores e Cara Leitoras,

É com grande satisfação que apresento a quinta matéria a ser publicada no nosso site desde agosto último. Estamos chegando ao final de 2012, nos aproximando da meta traçada de publicar mensalmente, uma nova matéria no nosso site. Isto está se tornando possível, graças ao empenho da jornalista Danielle Noronha, que com suas matérias, tem possibilitado ao nosso site ser a ligação entre a ABC e seus associados, seus apoiadores e os demais profissionais da cadeia da nossa cinematografia.

Nada melhor para encerrar o ano do que uma matéria sobre um tema que ainda merece a atenção de todos os envolvidos na cinematografia brasileira: A digitalização total do processo cinematográfico. Digitalização essa que vai revelando novas questões, a cada etapa do processo, que dizem respeito a todos os elos da cadeia; produtores, realizadores, técnicos, distribuidores, exibidores e administradores do cinema brasileiro.

O processo de transição acelerada para o Digital foi tema da Semana ABC 2012 e queremos com esta matéria relembrar os principais pontos debatidos naquela ocasião. Pontos estes que afetam o resultado técnico e artístico do trabalho de todos nós. Problemas de razoável complexidade e que demandam uma atuação conjunta de todos para conseguirmos superar o caótico estado atual do processo de digitalização no país.

Acreditamos que a análise deste quadro de problemas e o encaminhamento de soluções só poderão ser realizados através da colaboração entre todos os setores envolvidos com o espetáculo cinematográfico, e não podem ser reféns, de modelos de negócios ou de políticas estabelecidos anteriormente .

Ao preparamos esta matéria pretendemos, além de retratar o momento que vivemos nesta transição tecnológica, recolocar a necessidade de ouvirmos a todos os envolvidos. A ABC acredita que ainda é tempo para aproveitarmos a ocasião para não repetirmos erros do passado e completarmos a transição para o Digital em novos moldes,superando paradigmas históricos que nos obrigam a aceitar as coisas como elas sempre foram. A ABC acredita que existem padrões, formas de controle e de legislar que podem garantir a qualidade do nosso trabalho nas diferentes mídias, salas e aos diferentes públicos. A seguida repetição de problemas de exibição nos principais Festivais, Salas de Cinema e Mostras no nosso país, depois de um ano da divulgação do nosso manifesto “Atitude Digital” confirma a importância de aprofundarmos este debate e é o que aqui fazemos com esta matéria.

Desejo a todos um ótimo 2013, com esperança de que consigamos avançar na direção mais acertada neste processo de digitalização da nossa cinematografia.

Cordialmente,

Lauro Escorel
Presidente da ABC

Projeção digital: os desafios da transição no Brasil

A transição para o cinema digital (DCinema) é uma realidade em todo mundo. Porém, a discussão que antes pairava na digitalização da captação agora tem um novo foco: a digitalização da exibição, que entre prós e contras – normais em qualquer transição deste porte – promove um debate que envolve toda a cadeia cinematográfica.

Entre diversos questionamentos, a conversão digital dos cinemas é um tema que vem sendo discutido há alguns anos e, o que antes podia parecer como algo para o futuro, agora é imprescindível e encontra-se em pleno curso de execução. A transição digital significa a substituição dos projetores 35 mm – no mercado há mais de 100 anos – por aparelhos digitais. Dito desta forma pode até parece uma simples reposição de tecnologia, porém o tema envolve questões muito complexas.

Em relação à tecnologia, a projeção de película e a projeção digital são completamente diferentes. Como explica o engenheiro eletrônico, José Francisco Neto, ABC: “no projetor de película, a luz atravessa um obturador que bloqueia a passagem da luz durante 24 vezes por segundo para que o filme possa mover-se. Por isso é possível perceber a tela piscando levemente. Já o digital usa microespelhos para “ligar” e “desligar” cada pixel das cores primárias (vermelho, verde e azul) fazendo que suas cores mudem de estado em cada fotograma do filme. Com isto a tela não fica mais apagada durante algum tempo e a eficiência é maior. Não existem também as oscilações mecânicas do movimento da película e a projeção é completamente estável”. No que diz respeito às cores, o engenheiro esclarece que a película responde melhor aos tons escuros e saturados enquanto o digital tem mais gammas de cores luminosas. Já em relação ao som, há uma grande mudança, pois o DCinema alcança uma qualidade muito superior. Nos projetores 35 mm é utilizado o som analógico na banda ótica ou na forma digital (Dolby Digital, SDDS, DTS) com compressão e, como explica o técnico de mixagem José Luiz Sasso, ABC, no DCP (Digital Cinema Package) o formato de áudio utilizado é o WAVE, sem nenhuma compreensão, o que garante uma qualidade muito superior.

A projeção digital é a última etapa que faltava para a possibilidade de total digitalização do processo cinematográfico, que se inicia nas filmagens (em que grande parte dos projetos já é feito com câmeras digitais), passa pela pós-produção (a primeira etapa a migrar para o digital, que já se encontra 100% digitalizada) e, agora, cada vez mais, termina na exibição. Países como a Holanda e a Noruega estão com suas salas de cinema 100% digitalizadas. Outros, como Estados Unidos, França e Japão alcançaram a média de 80% de telas digitais.

Na contramão deste processo, a África e a América Latina demonstram dificuldades em acompanhar a rápida implementação da projeção digital que acontece em diversos lugares do mundo. Segundo dados divulgados pelo Film Journal, a taxa atual de digitalização de tela na América Latina é de 33%. Se não incluirmos os três países com a maior quantidade de salas de cinema digitalizadas (México, Colômbia e Equador), o número cai para 23%. O Brasil, considerado um dos principais mercados da região (apenas atrás do México), tem cerca de 600 telas digitais, a grande maioria em redes estrangeiras, o que corresponde a 23% de suas salas de cinema (atualmente, o Brasil possui cerca de 2350 salas).

No início, grande parte das telas digitais do país (da mesma forma que em todo o mundo) foi impulsionada pelo cinema 3D. A primeira vista, o cinema 3D é mais atrativo para o exibidor, já que se pode cobrar mais pelos ingressos e ainda ter a possibilidade de atrair mais público, questões que não podem ser exploradas da mesma forma pela exibição digital em 2D. Porém, aqueles que desejam se manter no mercado exibidor já não têm outra escolha. Até o final de 2013, os grandes estúdios de Hollywood irão interromper a produção de cópias em 35 mm no mercado norte-americano e, em pouco tempo, isso também repercutirá no resto do mundo. Além disso, logo a película deixará de ser uma opção. Tieres Tavares, presidente da Beyond ALL, LLC, lembra que “a Fuji não aceita novos pedidos de películas e a Kodak está em concordata, esperando que o governo americano decida qual seria o destino de sua linha de produção de película. Estes fabricantes tiveram uma redução de 70% na demanda de película. Ou seja, o fim da película passa ser a nova motivação para a digitalização no mundo”.

Desta forma, a discussão não é mais sobre migrar ou não migrar para o digital – já que a mudança é inevitável – mas passa por pontos como: os custos, os padrões em todas as etapas relacionadas à exibição, e, principalmente, a qualidade.

Problemas na exibição

A transição para a projeção digital ocorre por diversos motivos. Primeiro, a qualidade atingida pelo projetor digital é similar à qualidade que alcança um projetor 35 mm, como acredita José Augusto Blasiis, coordenador de operações do CasablancaLab. Em segundo lugar, há diversas questões práticas que impulsionam a transição para o digital. Para o diretor de fotografia Marcelo Trotta, ABC, o custo da cópia é um dos responsáveis pela mudança, o que facilita a distribuição. Porém, como já era possível imaginar, a mudança para a projeção digital vem acompanhada de diversos problemas. Assim como em vários lugares do mundo, é possível afirmar que no Brasil, nesse início de transição, a projeção digital ainda não tem a qualidade esperada.

São diversos os problemas que ocorrem durante a exibição: mídias que não abrem, filmes fora de foco ou com alteração nas cores. Muitos profissionais quando chegam às salas de cinema têm se deparado com um filme totalmente diferente daquele que foi finalizado na edição. Os profissionais envolvidos com a cinematografia desenvolveram diferentes metodologias e padrões técnicos com o objetivo de preservar e alcançar a melhor qualidade da imagem e do som. Porém, a falta de estabelecimento de um padrão para as projeções digitais no país, que garantam aos profissionais e aos espectadores a melhor exibição possível, está causando diversos problemas que podem ser notados nos circuitos comerciais, em festivais e mostras que são realizados no Brasil, como ocorreu com as duas últimas edições da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A ABC levou em consideração esses problemas e divulgou em outubro do ano passado o manifesto “Atitude Digital”, em que demonstrou a necessidade de uma discussão mais ampla sobre “recomendações técnicas para a imagem e o som nas mídias audiovisuais digitais”. Nesse processo, quem mais perde com a falta de padrões e qualidade dos filmes são os espectadores, que muitas vezes nem sabem que não estão assistindo ao filme que foi preparado para eles.

O problema dos altos custos para implementação do cinema digital causou outra questão que merece ser mencionada. A falta de padrão inicial para a transição no país levou muitos exibidores a utilizarem como alternativa o cinema eletrônico (eCinema), que utiliza projeção em vídeo HD. Blasiis explica que o eCinema é o mesmo aparelho que você pode ter na sua casa, só que ele é utilizado numa tela de cinema.

Como afirma José Francisco Neto, o cinema eletrônico tem o custo muito menor que o DCinema, também sofre de falta de padronização e a qualidade é muito inferior. Para que o cinema eletrônico tivesse um resultado melhor também seria necessário estabelecer alguns padrões, como a luminosidade da tela, ponto de branco e contraste mínimo, como pontua Neto: “Muitas vezes temos telas escuras porque o projetor não é adequado ao tamanho da sala ou com as cores totalmente distorcidas por falta de manutenção adequada”.

Neste sentido, muitos dos problemas que se atribui ao cinema digital, na verdade dizem respeito ao cinema eletrônico. Para Neto, “há que se descontar parte dessa grande insatisfação com o DCinema porque o cinema eletrônico, salvo raras exceções, está há anos causando arrepios e insatisfação na maioria das salas e festivais, onde a regra é ter problemas muito variados incluindo: masterizações precárias, cópias de má qualidade, projetores em péssimo estado, lâmpadas totalmente desgastadas, etc”.

Tieres Tavares acredita que o oportunismo de muitos que tiraram vantagens desta falta de padrão e também a falta de informação de vários exibidores são os principais fatores que levaram aos problemas nesta transição. “Sofreram os produtores, diretores bem como sofreu o público que foi ao cinema pagando muito e recebendo como produto imagens lavadas, sem contraste, muitas vezes com taxas de compressão inaceitáveis. Classificar um produto como “cinema digital” e entregar menos do que “cinema eletrônico” foi muita falta de responsabilidade e serviu somente para confundir mais ainda um mercado que tinha pouca informação”, pontua Tavares. Como o eCinema é pior que projeção em 35 mm, a sua única vantagem foi resolver alguns problemas nos festivais, como deixar a locomoção das mídias muito mais rápida, elucida Blasiis.

DCI e o padrão digital

Entre uma grande variedade de formatos possíveis para a projeção digital, o DCP (Digital Cinema Package) tem despontado como o padrão. O DCP é a cópia de exibição que é distribuída para os exibidores. Como explica José Augusto de Blasiis, o formato foi escolhido como padrão, em primeiro lugar, por uma imposição do mercado. O DCP segue as normas de qualidade estabelecidas pela SMPTE (Society of Motion Pictures and Television Engineers), que atende aos critérios definidos pela DCI (Digital Cinema Initiatives), um comitê criado pelos sete grandes estúdios de Hollywood (Warner, Fox, Universal, Paramount, Disney, DreamWorks e Sony). Desta forma, se o exibidor quer exibir filmes destes estúdios há a necessidade de seguir os padrões que foram estipulados por eles para a projeção de seus filmes. As principais exigências colocadas pelo DCI são: a compressão de imagem em JPEG 2000 (intra-frame) e a resolução de 2K (dois mil e vinte e quatro pixels na linha de resolução horizontal) para cinemas menores ou 4K (4 mil e quarenta e oito pixels na linha de resolução horizontal) para salas com mais de 500 lugares.

Os projetores com padrão DCI são capazes de exibir imagens de altíssima qualidade e, segundo Blasiis, tecnicamente é um padrão excelente, mesmo que menor – o que no futuro irá mudar o aspecto de tela no mundo. Porém, como coloca Tieres Tavares, quando falamos do padrão DCI não se pode levar em consideração apenas os projetores. O padrão DCI: “é o conjunto de normas e equipamentos com certificação DCI que garantem a qualidade e segurança do conteúdo a ser exibido. Segurança para toda a cadeia produtiva: produtores, distribuidores, exibidores”. Desta forma, necessita que toda a cadeia cinematografia esteja atenta aos padrões estabelecidos para que seja possível alcançar a qualidade desejada para o filme.

Neste sentido, os problemas podem ocorrer na pós-produção do filme, na mídia que será exibida ou/e por erros no projetor e não apenas na projeção propriamente dita. Segundo Erick Soares, engenheiro de suporte a vendas da Sony e especialista em tecnologias e produtos no mercado de Broadcast, os problemas que estão ocorrendo nas projeções também podem ser resultado de questões que ocorreram durante a captura, produção e pós-produção. Primeiro, Soares se refere ao uso de resoluções e formação de imagem na produção/pós-produção inadequada ou incompatível com o sistema e resolução da projeção, gerando conversão dentro do projetor DCI que não tem como garantir o padrão. Depois, menciona a necessidade do uso de frame-rates que sejam adequados e compatíveis também a fim de evitar artefatos de movimento e, por último, fala da parte de calibração de cores, que na captura, produção e pós-produção já deve ser feita e monitorada levando em conta o espectro DCI.

A segunda etapa sujeita a problemas é a preparação do máster e a confecção do DCP. José Francisco Neto ilustra que adequar o máster ao formato do cinema digital implica na manipulação das cores, emendas de rolos digitais, sincronismo de som e de legendas, além do endereçamento de canais de áudio. “Cada parâmetro destes deve ser cuidadosamente revisado antes, durante e depois de se fazer o DCP”, explica Neto. Depois, o processo de confecção de um DCP consiste na conversão desses arquivos de imagem, som e legendas para um formato que segue regras bem específicas. Nesta conversão, a imagem sofre compressão e o som não. Desta forma, um longa-metragem fica reduzido a cerca de 180 GB, enquanto seu máster ocupa 1,2 TB. Porém, “a parte mais complexa não é a conversão, mas sim a preparação do máster, pois este raramente está no formato adequado. Só depois de feita esta adequação, é que o primeiro DCP é feito”, pontua o engenheiro.

O colorista Sergio Pasqualino recorda que, como o DCP é um arquivo digital, podem acontecer vários tipos de problemas no áudio e/ou na imagem: “O arquivo pode travar, não abrir, não copiar, podem aparecer frames parados, ter delay entre o áudio e a imagem, o áudio e a imagem podem ficar fora de padrão, causando uma imagem lavada ou um áudio rachado e etc.” Para o colorista, a melhor forma de evitar esses problemas com o máster é ter um método de trabalho: “Procuro sempre apresentar os filmes que supervisiono num mesmo lugar, assim posso garantir ao diretor de fotografia e o diretor do filme a qualidade do meu serviço. Fica difícil controlar a qualidade do filme se você não tem um lugar padronizado para avaliar, você pode achar escuro, claro, com maior ou menor saturação de cor, sem definição, entre outros problemas e não saber se é a projeção ou seu máster”.

Para prevenir os possíveis erros na confecção de um DCP, Neto esclarece que as empresas especializadas podem utilizar processos de controle de qualidade rígidos e revisão criteriosa. “Já os “aventureiros” geralmente não conhecem o processo a fundo e nem conseguem revisar o DCP adequadamente, o que contribui bastante para denegrir o cinema digital, pois é mais fácil botar a culpa no DCP, como se faz hoje em dia”, afirma o engenheiro. “Temos hoje, pela falta de conhecimento geral dos processos, que a culpa de uma projeção ruim nunca é do sujeito que fez um máster ruim ou uma cópia ruim. Também nunca é do exibidor que instala mal e não dá manutenção em seus projetores. O culpado sempre é o pobre DCP, a pobre cópia que nem tem como se defender e justamente uma cópia que, por ser digital, é réplica idêntica em qualquer lugar que for acionada”, conclui.

No caso do áudio, que migrou para o digital muito antes da imagem, também é necessário realizar alguns testes de verificação para garantir a qualidade do áudio do DCP. Quando o som migrou para o digital, no que diz respeito à finalização, não houveram os mesmos problemas que estão acontecendo com a imagem, porque já havia uma bagagem e os padrões estavam bem estabelecidos. Porém, o áudio também sofre na projeção, mas como menciona Zé Luis Sasso, essa não é uma questão que acontece apenas atualmente pela transição digital: “O áudio no Brasil sempre sofreu com a projeção pela falta de padrão nas salas”.

Para que o áudio não tenha problemas durante a exibição é necessário utilizar alguns mecanismos de verificação da qualidade em estúdios que tenham os equipamentos corretos. Para isso, Sasso, que possui em seu estúdio equipamentos para a verificação do filme, em parceria com outros profissionais, disponibilizou gratuitamente um “TESTE DE ÁUDIO PARA DCP EM 5.1”. O técnico explica que com o teste é possível fazer um rápido check-up nas salas de cinema DCP e, assim, saber como está o nível do áudio entre as caixas de som e o seu sincronismo. “No arquivo em DCP, a imagem está a 24 FPS, o áudio 5.1 a 24 Bits / SF48kHz, duração de 3 minutos e 15 segundos e é totalmente auto explicativo”, esclarece Sasso.

Outro problema que tem acontecido com frequência com o DCP está relacionado ao sistema de segurança da cópia. Com o objetivo de minimizar a pirataria, cada DCP possui uma KDM (Key Delivery Message), isto é, uma chaves de acesso que limita a reprodução de cópias. Conforme esclarece Neto, “este processo é a geração e administração do KDM, que não passa de uma senha numérica. Somente com o KDM gerado especificamente para seu projetor é que um exibidor pode reproduzir a cópia”. As chaves têm sido um dos erros que acontecem com o DCP, pois algumas vezes ocorre do projetor não reconhecer a chave e o filme não tocar.

Por último, outra questão que precisa ser levada em consideração é o cuidado com o projetor, pois apenas adquirir um projetor no padrão DCI não garante a qualidade da projeção. “Não basta apenas comprar o sistema. Tenho visto na esmagadora maioria das salas uma instalação inadequada. Isto é, para funcionar adequadamente, é preciso que seja feito um alinhamento correto na instalação. A manutenção não é tão complicada, mas não pode ser abandonada”, considera Neto.

Como garante Erick Soares, o uso do projetor DCI assegura trabalhar dentro das normas e padrões estabelecidos, atestando compatibilidade de conteúdo, porém: “há a necessidade da manutenção e calibração periódica e adequada do projetor DCI a fim de se garantir os corretos ajustes de colorimetria, brilho e contraste, para se assegurar a imagem adequada”.

A falta de padrão e de manutenção dos projetores são fatores responsáveis por causar as diferenças na projeção de um mesmo filme que podem ser percebidas quando assistido em diferentes salas. O diretor de fotografia Adrian Teijido, ABC, explica que no Brasil a projeção digital ainda não tem nenhum sistema sério de aferimento técnico do projetor: “então encontramos desajustes de contraste, brilho, chroma e luminosidade da projeção. Sem falar na diferença entre os projetores, eu tive a possibilidade de assistir ao filme Gonzaga em duas salas e as projeções eram completamente diferentes”, conta Teijido. Marco Oliveira complementa: “É muito comum quando finalizamos um filme, ainda na fase de testes, constatar diferenças gritantes na projeção, muitas vezes entre salas de um mesmo complexo. Essa disparidade se dá, na maioria das vezes, pela falta de uma calibragem correta nos projetores, pois o arquivo DCP foi desenvolvido de uma forma em que o projecionista não tem alternativa de modificá-lo ou exibi-lo de forma errada (com exceção dos aspectos), justamente para diminuir a probabilidade de erro na exibição”.

A questão da projeção ainda remete ao tema da formação adequada dos projecionistas, o que nem sempre acontece. O estabelecimento de padrões requer mão de obra especializada. Erick Soares menciona a importância do profissional que trabalha nesse novo contexto digital saber lidar e aprender conceitos como formação de imagem digital, processamento de sinais, correção de cores, espectro de cores e calibração, formatos de arquivos e padrões DCP, incluindo as diversas resoluções e frame-rates.

Para o distribuidor Jorge Peregrino, a formação dos projecionistas deve ser de responsabilidade dos exibidores: “Os fabricantes de projetores digitais têm escritórios no país e já fazem esse tipo de formação, assim como as empresas de instalação, manutenção e de venda dos equipamentos digitais. Agora, e como sugestão à Ancine [Agência Nacional do Cinema], a agência deveria encontrar formas de financiar a melhoria de mão de obra, através de programas destinados aos exibidores”.

Exibição: quem paga a conta

O primeiro grande problema encontrado para a implementação do sistema no país foram os altos cursos para os grupos de exibição. No caso do Brasil, o custo inicial por sala estava em cerca de R$ 200 mil. Este problema não era restrito apenas no caso brasileiro. Em todo o mundo, os altos valores da transição estavam barrando o desenvolvimento da projeção digital. Para ajudar a solucionar este problema foi criado nos Estados Unidos o VPF (virtual print fee).

O VPF é um modelo de financiamento que tem como objetivo estimular a substituição dos projetores 35 mm pelos digitais. Como explica José Augusto de Blasiis, o modelo consiste numa remuneração que o estúdio ou o distribuidor dá ao exibidor pela cópia digital, isto é, pela opção do exibidor em projetar pelo formato digital, o responsável pelo conteúdo arca com parte dos custos, o que conota ao VPF uma forma de garantir o financiamento do equipamento pelo exibidor. Conforme conta Blasiis, o VPF nos Estados Unidos tem contrato com os exibidores até 2019. Segundo matéria do Filme B, nos modelos mais comuns, o pagamento da VPF não é feito diretamente ao exibidor, mas a uma terceira parte, chamada de integrador, que realiza a ponte entre as partes interessadas. Com o objetivo de adotar o VPF também no Brasil, 17 grupos exibidores nacionais (que totalizam 750 salas) formaram um consórcio no final de 2011 com a finalidade de alcançar maior negociação de VPF com os estúdios/distribuidores. Blasiis esclarece que a principio o VPF terá no país a mesma sistemática que ocorre nos Estados Unidos.

Além do VPF, há ainda outros estímulos para que a transição ocorra no país. A Ancine lançou uma linha de financiamento do Fundo Setorial do Audiovisual com o intuito especial de ampliar a projeção digital. Através do programa “Cinema Perto de Você”, instituído pela Lei 12.599/2012, que prevê a ampliação, diversificação e descentralização do mercado de salas de exibição cinematográfica no Brasil, é possível obter linhas de crédito e investimento para implantação de complexos de exibição, com projetores DCI. Além disso, o Regime Especial de Tributação para o Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica (RECINE), um dos eixos do programa, aprovado em maio de 2012, isenta os exibidores em cerca de 30% dos custos de implantação e modernização de salas, “pois suspende a exigência das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS sobre a receita bruta, bem como as incidentes na importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos para utilização em complexos de exibição, além de materiais de construção”, segundo informações divulgadas pela Ancine.

Paralelamente à discussão sobre o cinema digital e os projetores com padrão DCI, a distribuição por satélite surge como uma alternativa a que, em breve, os exibidores poderão recorrer. Conforme explica David Trejo, da Cinecolor, empresa que vem realizando testes para implementação do sistema na América Latina, a proposta é oferecer um sistema de distribuição de conteúdo digital via satélite aos cinemas. “Também poderíamos dizer que a Cinecolor Sat criou uma estrada digital entre o distribuidor e o exibidor, aonde poderão trafegar filmes (DCP´s), trailers, publicidade, conteúdo ao vivo, etc. Os objetivos mais importantes são: acompanhar o avanço da digitalização dos cinemas no Mundo e melhorar a eficiência e custos da distribuição de conteúdo para todos os circuitos de cinema no Brasil e da toda América Latina”, complementa Trejo.

Trejo afirma que a distribuição por satélite trará maior agilidade na entrega dos filmes aos cinemas e, consequentemente, maior flexibilidade na programação e menos custo de distribuição. Tecnicamente o sistema já está funcionando e, segundo Trejo, agora começará a instalação das antenas parabólicas e receptores de satélite em alguns complexos que já confirmaram a sua participação nessa etapa de testes.

Blasiis conta que a distribuição por satélite ampliará as opções para o exibidor, como a possibilidade de realizar a projeção com sinais de programação ao vivo, mas também pode prejudicar os conteúdos alternativos, já que a distribuição será muito mais rápida. Blasiis ainda lembra que não há nenhuma legislação para o uso de satélites no Brasil.

Para Peregrino: “a digitalização de cinemas já é história. Distribuição por satélite é o futuro, e bem próximo”.

Outras questões

Além de toda essa discussão sobre padrão e meios de adequar os cinemas brasileiros à realidade digital, a partir das quais talvez pudessem ser criadas normas técnicas de projeção, inclusive pela ABNT, há outras questões que não podem ser esquecidas. Um primeiro questionamento que pode ser feito é: o que acontece com os laboratórios que trabalham com película? Como é possível notar, em pouco tempo a película fará parte apenas da memória, então, quais são as alternativas possíveis para estas empresas?

Outro ponto importante é em relação à criação de uma legislação de proteção à cópia digital feita no país. De acordo com Blasiis, há uma legislação de copiagem nacional de película, porém, o mesmo não ocorre com a cópia digital, em que muitas cópias já vêm prontas de fora e apenas algumas são replicadas aqui.

Para Neto, a nacionalização dos serviços do cinema digital é mais uma discussão que está totalmente atrasada. “Nada impede que já venha tudo pronto, com legendas e dublagem inclusive. A replicação é mais vantajosa se feita aqui, mas há um baixo valor agregado a este serviço. Já a distribuição de cópias físicas (discos) tem que ser local para ser viável, mas quando começarem a se usar as redes (satélite, fibra, etc) para transferência dos dados, coisa se vai se complicar ainda mais”, conclui.

O colorista Marco Oliveira lembra que a questão da disparidade nas projeções entre salas de cinemas no Brasil não é exclusividade do digital. “Diferenças de cor e densidade em virtude de lâmpadas deficientes em projetores, ou rolos com cores diferentes entre si, provenientes da falta de controle de qualidade nos laboratórios, já eram comuns ao espectador. A diferença agora é que, com a implementação do cinema digital, criou-se uma ilusão de que tudo ficaria mais fácil, banalizando alguns procedimentos, funções e cuidados essenciais. Os padrões necessários já existem, a questão é que não são respeitados”, diz o colorista. O que nos remete a um importante questionamento: já que a mudança é indiscutível por que não aproveitar a transição para mudar também a cultura de exibição do país?

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