Por Fernanda Tanaka, ABC, DAFB
Entre os dias 13 e 17 de junho deste ano houve o já tradicional INTERNATIONAL CINEMATOGRAPHY SUMMIT (ICS), realizado pela ASC – American Society of Cinematographers – em Los Angeles.
É um encontro entre associações de diretoras(es) de fotografia de diversos lugares do mundo*, que tem o intuito de trocar informações e conhecimentos, além de promover a interação entre profissionais. E é muitíssimo bem-sucedido.
Fui representando a ABC, e abaixo conto como foi essa semana tão atribulada.
*Armênia, Austrália, Áustria, Chile, Colômbia, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Hungria, Itália, Japão, Coréia do Sul, México, Nova Zelândia, Macedônia, Filipinas, Polônia, Romênia, Eslováquia, Suécia, Turquia, Uganda, Ucrânia, Reino Unido e Vietnã.
13/06
O início da manhã foi de apresentações – cada representante falou um pouco sobre suas associações e alguns passaram um pequeno reel (de no máximo 2 minutos) com trechos de filmes de suas(seus) associadas(os). Foi muito interessante assistir um pouquinho do que é feito e apreciado pelo mundo. Notar como os países tendiam a valorizar certas características em seus reels. Alguns países latino-americanos mostraram várias imagens com suas naturezas exuberantes, uma das associações da Coréia do Sul – representada por duas – mostrou um reel bastante elaborado “tecnologicamente” falando, os Estado Unidos um reel esperadamente bonito e bem feito, a Inglaterra, uma linda e empolgante edição, a Polônia um reel belo e impressionante. A ABC apresentou um belíssimo reel também, feito por Tide Borges e Pedro Martins, no qual pudemos mostrar um pouco da nossa diversidade e criatividade.
Em seguida, David Stump, ASC fez uma apresentação sobre “Novas Listas de Metadata e Frame Decision”, na qual ele falou sobre alguns dos problemas e desafios que enfrentamos na pós-produção relacionados a esses tópicos. Falou também sobre a nova iniciativa do SMPTE, o programa Rapid Industry Solutions (RIS https://www.smpte.org/rapid-industry-solutions), que, contando com a união de um grupo de “conselheiros” da indústria de tecnologia, dos fabricantes, das instituições de ensino e de organizações profissionais e de usuários, tem o intuito de “desenvolver as ferramentas para entender e implementar essa convergência de tecnologias”. David continuou sua ótima apresentação discorrendo sobre a importância dos metadados, sendo uma das principais os “matches” dos plates de VFX na composição. Explicou as questões que as distorções das lentes trazem para a feitura dos efeitos na pós.
Ele ainda falou sobre o Photon Path, um projeto – em construção – do qual participa, encabeçado por Daniele Siragusano, membro do IMAGO Technical Committee (ITC https://imago.org/activities/technical/), em parceria com o ITC e o ASC Metadata Subcommittee. Esse projeto pretende visualizar todo os processos pelo qual a imagem digital passa, desde a luz (fótons) pela lente, câmera, processamento da câmera, monitoração, cor, pós-produção e todo o caminho até o display e a exibição.
Após o almoço, tivemos a projeção da série da Paramount “Halo”, seguida de uma conversa com o diretor de fotografia Karl Walter Lindelaub, ASC, BVK, moderada por Patrick Cady, ASC.
No final do dia houve uma pequena “feira” dos patrocinadores do evento – locadoras de equipamentos, fabricantes e players, como Keslow Camera, Red Digital Cinema, Netflix, Sony, Harbor Studios, Dolby, Panavision, MBS e Alternative Rentals.
14/06
No segundo dia do evento, fomos cedo ao XR Studios assistir à projeção de um teste de lentes “às cegas” conduzido pelo diretor de fotografia Denis Lenoir, AFC, ASC, ASK.
Ele distribuiu papéis com uma tabela das lentes usadas no teste, nomeadas somente por letras e números, para que pudéssemos fazer anotações (simples, do tipo “gostei”/ “não gostei”/ “sem definição”, etc.).
O primeiro bloco foi feito com 33 pares de lentes, todas super 35 mm, esféricas e anamórficas, usando dois modelos de lentes em shots idênticos, angulares e fechados. Em estúdio, fizeram um cenário simples, com um casal de atores que se movimentavam, variando o primeiro plano. Havia também uma janela com um forte contraluz, em que podíamos avaliar o flare das lentes. O segundo bloco foi feito com 31 lentes full frame, em um cenário com duas atrizes que também se movimentavam.
Ao final das projeções, Denis revelou a “identidade” das lentes, e foi muito interessante perceber como – pessoalmente falando – as minhas preferências bateram de fato com o teste visual. Embora tenha tido algumas boas surpresas, foi divertido atestar outras preferências já conhecidas.
Em seguida fomos visitar um dos estúdios da XR Studios, onde eles têm um enorme painel de LED. Fizeram uma pequena demonstração da tecnologia, que é obviamente incrível quando é possível acessar todo seu potencial. Entretanto, pude notar que, mesmo lá fora, ela ainda é bem pouco acessível para a grande maioria…
À tarde fomos ao NETFLIX INNOVATION CENTER, onde fomos muito bem recebidas por Michael Keegan (Technology Strategist | Production Technology Partnerships & Outreach). O local é, basicamente, um centro de tecnologia onde eles desenvolvem pesquisas e testes para aprimorar os seus conteúdos. Nas palavras deles, a ideia é “desmistificar metodologias para o estúdio, os filmmakers e a comunidade”, criando um “espaço seguro para o aprendizado, a experimentação e a inovação” (tradução livre).
*Nota: Um sonho poder contar com um apoio do gênero em um projeto de filme ou série…
O tour começou pela sala chamada “Collaboration Room”, comandada por Michael Oliver e Fernando Rabelo, onde eles pesquisam e desenvolvem tecnologias para produção virtual. Demonstraram, por exemplo, um software utilizado em tablets que não só simula o visor de diretor(a) – câmeras, lentes -, mas permite que os cenários reais sejam escaneados e visualizados nos enquadramentos.
Em seguida fomos ao “Crystal Cove Camera Lab”, onde eles têm vários equipamentos que permitem estudar e avaliar câmeras e lentes. A equipe da Netflix consegue, assim, tomar decisões técnicas a respeito desses equipamentos baseadas em seus próprios estudos, e pode talvez também auxiliar as equipes de fotografia contratadas para os projetos da empresa.
Depois fomos ao “Dark Crystal Room”, a sala de cor, com uma projeção CLED 4K impressionante…
Ao final, reuniram todas as pessoas numa só apresentação, quando cada setor falou sobre as questões técnicas que envolvem uma produção virtual. Dos problemas de calibração entre a câmera e os painéis de LED, das diferenças da iluminação “real” e da iluminação pelos próprios painéis. O conteúdo foi bastante extenso e intenso. Ainda é um processo que não foi completamente dominado por todas(os), nota-se. Mas a Netflix tem vários projetos de sucesso pelo mundo, como mostrou.
15/06
De manhã fomos ao SONY DIGITAL MEDIA PRODUCTION CENTER. O tour começou com uma masterclass dada por Sam Nicholson, ASC, no estúdio com painel de LED. O tema era incorporar o uso do painel de LED numa filmagem com workflow 2D. Embora o assunto fosse novamente “filmar com painel de LED”, a abordagem foi concreta, porque demonstrou com um pequeno exemplo: num pequeno estúdio, com um palquinho sobre um giratório, havia um casal sentado a uma mesa.
Conforme os fundos no painel mudavam – um terraço exterior dia e noite, um terraço dia e noite com rio ao fundo -, mudava o set up da luz e o palco também girava para mudar os enquadramentos.
Depois fomos ao estúdio com várias câmeras montadas em um cenário de uma casa. Tudo disponível para as(os) diretoras(es) de fotografia ansiosas(os) pelo “hands on” botarem de fato as mãos na massa. A Venice 2 estava lá também, e foi claramente o alvo principal. Havia uma diretora de fotografia que trabalha para a Sony tirando todas as dúvidas.
Por fim, vimos a linda sala de projeção com um grande painel CLED. Ficamos um bom tempo degustando vários clipes de filmes, séries, produzidos com equipamentos Sony, como o Top Gun lançado recentemente. E a experiência é bastante impressionante – além do que as poltronas da sala eram absurdamente grandes, fofas e reclináveis…
À tarde fomos ao HARBOR STUDIOS, uma empresa de pós-produção com espaços em Los Angeles, Nova Iorque, Chicago, Atlanta e Londres. Fizeram uma apresentação chamada “The Art of Color”, falando sobre os processos da casa, que conta com algumas excelentes salas de trabalho.
16/07
Começamos no DOLBY SCREENING ROOM HOLLYWOOD VINE, para a apresentação “Manipulating Light and Shade for The Tragedy of Macbeth”, na qual o colorista Peter Doyle e o diretor de fotografia Bruno Delbonnel, ASC, AFC (online) falaram sobre esse filme em conjunto, em mais uma parceria que já se estende por vários filmes.
A discussão foi bem interessante. Peter Doyle apontou que hoje em dia, diferente do que tínhamos e podíamos fazer com o negativo, temos uma captação de imagem digital cujo resultado é totalmente previsível, o que torna o processo de cor também “previsível” de um certo modo, mas, por outro lado, provoca um desafio em trazer algo novo. E que hoje tem que se tomar cuidado com o que chamou de uma “frágil” correção de cor: uma imagem que você só pode assistir na mais perfeita sala de projeção do mundo. Deu o exemplo da sala onde estávamos, da Dolby, onde os pretos são realmente pretos, mas que é somente uma das 275 salas semelhantes com excelente projeção – e como fazer com todas as outras ao redor do mundo que nem de longe têm a mesma qualidade de projeção? É preciso fazer uma marcação de cor que funcione em todos os tipos de sistemas de reprodução…
Bruno Delbonnel falou ainda sobre a opção de filmar com um sensor colorido para um filme preto e branco. Segundo ele, o sensor monocromático já funcionava como um “lut”. Com a captação colorida, ele e Peter Doyle tinham muito mais liberdade de jogar com as sutilezas das cores para os cinzas.
Após o almoço, teríamos uma visita a PANAVISION, mas como um dos presentes no Summit testara positivo no dia 14, eles cancelaram a visita, e fizeram um encontro online. Uma pena, já que era um evento esperado pelas(os) participantes. Foi uma apresentação/discussão sobre lentes Panavision, e após houve um q&a rápido.
17/07
O último dia começou no clubhouse, onde Armando Salas, ASC apresentou o seu “on-set” HDR workflow.
Aaron Picot, seu DIT em Griselda, série da Netflix em produção, se juntou a ele na apresentação.
Basicamente, o workflow dele – um híbrido de HDR/ SDR – funciona assim:
- Gravação em 8K, mas monitoração 1080.
- Somente o diretor de fotografia e o DIT têm acesso à imagem HDR.
- Toda a equipe no set recebe o sinal SDR normalmente.
- HDR e SDR LUTs são criados (por Armando e seu colorista Ian Vertovec) e aplicados em LUT boxes separados.
- Os monitores do set são calibrados, e são visualmente bastante semelhantes ao monitor do colorista Ian.
- Monitores SmallHD Vision 17 são calibrados para BT2020 1000 nit e também BT709 100 nit. Os monitores recebem sinais de vídeo HDR e SDR.
- A imagem Log das câmeras é enviada para o carrinho do DIT.
- Os sinais HDR e SDR são “linkados” no software de correção de cor de maneira que qualquer ajuste de CDL irá acessar ambos. Os arquivos da CDL são enviados para o laboratório todos os dias e aplicados no material para o PIX e para a edição.
- Stills de referência HDR são capturados e entram nos monitores para comparação com a imagem ao vivo. Stills SDR são capturados para o review na “nuvem”.
Ele criou esse procedimento com o intuito de conseguir preservar suas intenções criativas ao longo de todo o processo de um projeto – o que sabemos ser bastante difícil, dados todos os caminhos (acidentados por vezes) pelos quais passam as imagens que filmamos. E ele aplicou esse workflow em três projetos por enquanto: Ozark, Raising Dion e Griselda.
Em seguida tivemos o painel “ASC VISION COMMITTEE, MENTORIA, E PRÁTICAS FUTURAS”, da IMAGO e ASC, com a participação de John Simmons, ASC; Patti Lee, ASC; David Perkal, ASC; Elen Lotman, ESC e Ericka Addis, ACS.
Cada uma das pessoas presentes no painel apresentou intenções e programas de mentorias e práticas de inclusão que estão em andamento, ou estão em vias de iniciarem. O que demonstrou que a preocupação em fortalecermos políticas contra discriminação (racial, de gênero, ou de outra ordem), e inclusivas, está no topo das prioridades no mundo em geral, felizmente.
Ericka Addis, ACS apresentou um extenso e importante documento feito em conjunto com a Australian Cinematographers Society e a Deakin University: “A WIDER LENS: AUSTRALIAN CAMERA WORKFORCE DEVELOPMENT AND DIVERSITY”. Trata-se de um relatório sobre as equipes do departamento de câmera na Austrália, e que foi lançado oficialmente no dia 28 de julho.
Depois, Ellen Lotman, ESC fez uma apresentação dos resultados de seu PhD que trata dos métodos criativos das(os) diretoras(es) de fotografia. Foi muito interessante, apontando as diferenças entre o que é a realidade e o que é a criatividade. Ela tem um estudo grande em percepção visual, além de ter também didatismo e simpatia.
Em seguida tivemos a projeção de um episódio da séria Outer Range, da Amazon Prime, e uma conversa com o diretor de fotografia Drew Daniels (online) e o diretor Lawrence Trillig, que falaram sobre as opções criativas para a série.
No final, apresentaram alguns reels de países que não vimos no primeiro dia. Um deles foi o da Ucrânia – e foi devastador ver fotos de membros da associação ucraniana em um “antes” e “depois” horrivelmente separados por uma guerra. Impossível conter a emoção e a tristeza.
Foi uma semana absurdamente intensa. Não somente pelo conteúdo, obviamente, mas tanto mais pelos encontros, e pela constatação de que o mundo não é assim tão grande de fato, e a comunidade cinematográfica fala a mesma língua – embora certamente faça saltarem todas as desigualdades econômico-sociais que os países dividem.