Memórias da ABC – Parte 2

Foto Lauro
Em 1995, reunião de Walter Carvalho, Antonio Luiz Mendes, Guy Gonçalves e Lauro Escorel na tentativa de pensar numa nova forma de fundar a ABC. (Foto: Marina Mello e Souza)

Por Danielle de Noronha

Nos anos 1990, após o cinema brasileiro começar a reestabelecer a sua produção, também era retomada a ideia de fundar a ABC. A primeira lembrança dessa década é de Walter Carvalho, ABC, que se recorda de uma convocação de Lauro Escorel, ABC por volta de 1995, no Rio de Janeiro. “O Lauro chamou um grupo pequeno, na tentativa de retomar a ideia da associação, que teoricamente chamávamos de associação, mas que nunca se materializava. Ele chamou umas cinco pessoas, me lembro bem de Antonio Luiz, numa produtora que nem existe mais, numa casa que foi derrubada na Pacheco Leão de um cara que chamava Frazão. A gente se reuniu ali umas duas ou três vezes e depois de algum tempo aconteceram também alguns encontros na casa do próprio Lauro”, conta.

Porém, a associação ainda não havia se concretizado, mas nesse período já havia uma mudança tecnológica que foi fundamental para efetivar o desejo de criação da ABC, que nas palavras de Walter Carvalho é “o advento do uso da internet”. Para o diretor de fotografia, somou-se “a vontade de cada coração dos fotógrafos envolvidos, com a mudança na tecnologia de informação”. O ponto inicial fundamental para a criação da ABC aconteceu em 1998, quando Carlos Ebert, ABC e Hugo Kovensky, ABC enviaram um e-mail para um grupo de diretores de fotografia.

Ebert conta que foi durante um evento realizado pela Kodak do Brasil, que em São Paulo foi no Centro Cultural Vergueiro, que ele teve a ideia de enviar o e-mail que resultaria na criação da ABC. “Durante o seminário, conversando com o Hugo Kovensky, eu pensei alto: ‘Por que a gente não aproveita essa nova ferramenta de comunicação? Todo mundo na nossa área é ligado à tecnologia, estão praticamente todos com internet, por que a gente não faz uma associação, em primeira instância, virtual?’ Pensei isso porque a internet eliminaria a nossa principal dificuldade: a reunião física, que a gente tem em função da natureza do nosso trabalho. Kovensky achou boa a ideia. Estavam presentes também outros colegas, que eu peguei os e-mails, e também tinha em mente especialmente o Lauro e o Affonso Beato. Eu e o Kovensky primeiramente fizemos um e-mail lançando a sugestão, mandamos e houve uma receptividade muito boa e as respostas foram voltando”, lembra Ebert.

Para Lauro Escorel o e-mail enviado por eles vinha de encontro com um desejo da categoria de muitos anos, que agora via a possibilidade de existência virtual. “Pelo o que eu me lembro, o e-mail teve 100% de respostas positivas”. Os diretores de fotografia que receberam o primeiro e-mail indicavam e convidavam outros profissionais de todo o país para integrarem a lista que começava a se consolidar. No final de 1998, diversos e-mails foram enviados com o objetivo de ampliar a associação virtual, conforme o e-mail abaixo enviado por Ebert em 23 de novembro de 1998:

Caro colega,

Somos um grupo de diretores de fotografia, assistentes de camera e videógrafos tentando viabilizar a Associação Brasileira de Cinematografia. Num primeiro momento a associação seria uma organização virtual, operando via internet. Segue em anexo uma lista dos colegas contactados, a correspondência recebida até o momento e uma pesquisa sobre as associações similares já existentes, para que os participantes examinem e apresentem sugestões. Estamos pedindo aos colegas contactados, que indiquem outros profissionais da área, para aumentar a representatividade da associação. Aguardando contato em breve, subscrevo-me.

Atenciosamente,

Carlos Ebert

Ebert conta que a lista cresceu em pouco tempo: “A lista teve um efeito cascata. Rapidamente a gente tinha uma associação virtual”. A princípio toda a discussão era online, mas “logo a gente viu que poderíamos continuar e ter uma associação real”, relembra Ebert. Para Walter Carvalho, a tecnologia aproximou os fotógrafos do Rio do grupo de São Paulo e formou um grupo só, que logo passou a envolver profissionais de todo o Brasil. “Depois do espaço virtual passamos a marcar encontros. É engraçado que depois que começamos a ter contato pelo espaço cibernético, a gente passou a se encontrar mais. A gente se encontra mais hoje do que nos encontrávamos naquela época que não havia internet”, comenta o diretor de fotografia.

A partir das manifestações dos fotógrafos que receberam os primeiros e-mails com a ideia de fundar a ABC, a associação foi se desenvolvendo e diversos outros e-mails foram trocados com o intuito de constituir a associação, como por exemplo, um e-mail enviado pelo Ebert para convovar os canditados a sócios efetivos da ABC em São Paulo:

Estamos convocando os colegas candidatos a sócios efetivos da ABC (mais de 15 anos de atividade profissional), residentes em São Paulo, para uma reunião objetivando tratar dos estatutos da Associação. Dia 21 passado participei de reunião similar no Rio de Janeiro com a presença dos colegas Affonso Beato, Renato Padovanni, Walter Carvalho, Flávio Ferreira, Henrique Leiner, Antonio Luiz e Edgar Moura […]. Conto com a presença de todos para que possamos encerrar esta fase organizatória da Associação e com a existência legal, ampliar e diversificar suas atividades.

Cinematografia

Uma das primeiras decisões discutidas pelos sócios na lista de e-mail foi em relação ao nome da associação. “A dúvida principal era se usaríamos cinematógrafos ou diretores de fotografia”, explica Antonio Luiz. Ebert diz que desde o início ele insistiu muito para que a associação usasse a palavra cinematografia. “A palavra cinematografia é muito precisa. Cinematógrafos significa: registrar/grafar o movimento. É exatamente o que a gente faz. A palavra define epítese litteris. Nós somos pessoas que tem a expertise de como se registra no meio físico o movimento do mundo”, conta. Com o nome escolhido, Affonso Beato, ASC, ABC, que tem conhecimento nas áreas de criação gráfica e de programação, criou a marca da ABC e também foi o responsável pelo primeiro site da associação. “A nossa marca faz referência a uma lente Fresnel, que é um tipo de refletor que a gente usa, com a sigla ABC no centro”, explica Ebert.

Para concretizar o desejo de fundar efetivamente a ABC e ampliar a sua atuação para o mundo real, Escorel conta que os passos seguintes foram criar o estatuto, eleger a diretoria e registrar a associação. Em relação ao estatuto, segundo Lúcio Kodato, ABC, o primeiro foi realizado pela sua esposa, que é advogada, junto com o José Roberto Eliezer, ABC e Lito Mendes, ABC. “A base para o nosso primeiro estatuto foi o estatuto do Clube de Criação, que era uma associação de fotografia, e também um pequeno estatuto dos Fotógrafos de Publicidade”, conta Kodato. “Com o passar dos anos, a gente foi vendo o que funcionava e o que não funcionava e modificamos os estatudos. Já fizemos duas ou três versões”, complementa Escorel.

Já a escolha da chapa que compunha a primeira diretoria foi feita após um e-mail enviado por Affonso Beato, em agosto de 1999, conforme trecho transcrito abaixo, para que os associados pudessem opinar. A chapa levava em consideração as sugestões que os sócios enviaram por e-mail. A primeira diretoria da associação era composta por Carlos Ebert (presidente), Walter Carvalho (vice-presidente), Affonso Beato (secretário) e Renato Padovani (tesoureiro).

Na eminência da fundação da nossa ABC, estamos apresentando uma chapa única para a constituição da nossa diretoria. Há um consenso entre os fundadores de que o momento é mais de organização do que de representação política. Assim, estamos apresentamos colegas que não só tem participado na organização atual, mas que participaram historicamente das tentativas anteriores. Todos são figuras de destaque em suas áreas de atuação, dispensando portanto apresentação profissional.

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Diretoria da ABC 2001.Da esquerda para a direita: Hugo Kovensky, Affonso Beato, Carlos Ebert, Walter Carvalho, Pedro Farkas, Carlos Pacheco, Dib Lutfi, Renato Padovani e Lauro Escorel.

A ABC “real”

Com o estatuto escrito e a diretoria eleita, no dia 02 de dezembro de 1999, a ABC foi registrada e, além do espaço virtual, passou a atuar também no espaço “real”. A partir daí, começaram a aparecer novas ideias de atividades e a lista de sócios passou a crescer ainda mais e ficar muito ativa. “Virou um ponto de encontro entre os colegas, entre os mais jovens, os estudantes. Então essa lista se tornou um tipo de esqueleto, uma espinha dorsal da associação. Como eu acho que até hoje é o que da vida à ela, mais do que o site, que é mais uma relação com o público externo, a lista é a nossa ferramenta de contato” diz Carlos Ebert. Hugo Kovensky concorda: “A lista de e-mail faz parte da personalidade da ABC. A troca de e-mails possibilita que mais gente participe. O que eu acho interessante da ABC, e da forma como ela é hoje, é que ela é muito aberta, tem desde os sócios remidos, com muitos anos de profissão, até os estudantes. É uma qualidade da ABC”.

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Registro do estatuto e ata de constiuição da ABC.

A princípio, a associação admitia apenas diretores de fotografia, mas ainda no primeiro ano de existência, os associados começaram a debater sobre a necessidade de agregar outros profissionais da cinematografia, como diretores de arte e técnicos de som, que logo começaram a integrar a associação. “O ‘núcleo histórico’ era a favor te admitir outras categorias porque, entre outras questões, já nos considerávamos suficientemente isolados para fazer uma associação e continuar nos isolando”, explica Ebert. Kodato complementa: “Também não somos tantos assim para ter várias associações e como a ABC deu certo, a gente logo começou convidar outras funções”. Nesse momento, Lauro Escorel relembra que a técnica de som Tide Borges, ABC teve uma importante participação no trabalho de ampliar a presença de profissionais de outras áreas na ABC.

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Encontro de diretores de arte para palestra do argentino Marcelo Pont na Semana ABC 2012: Ana Mara Abreu, Tulé Peake, Cassio Amarante, ABC, Beto Manieri, Walter Carvalho, Isabelle, Beto Grimaldi e Lauro Escorel.

Para Lauro Escorel, o resultado da convivência entre as diferentes áreas da cinematografia na associação é algo muito positivo. “Por mais que os fotógrafos sejam maioria na associação, a gente conseguiu criar esse modelo, que eu acredito que é único no mundo, de convívio fraterno entre diretores de fotografia, diretores de arte, técnicos de som, professores, entre outras áreas. Acho que esta relação é resultado do objetivo da ABC, de trabalharmos juntos num projeto comum de aprimoramento da cinematografia como um todo”, diz.

Uma das principais atividades desenvolvidas pela associação se iniciou logo em 2001,quando aconteceu a primeira edição do Prêmio ABC, que no ano seguinte foi complementado com a Semana ABC e até hoje são realizados anualmente em São Paulo ou no Rio de Janeiro. “Com a repercussão positiva do Prêmio ABC, conquistando credibilidade e peso de um Prêmio votado por quem faz cinema, sentimos a demanda de realizar a Semana ABC, aproveitando e se espelhando nos encontros que já existem na Europa e EUA, que debatem novas tecnologias com seminários, então pensamos em promover um encontro mais amplo, agregando profissionais, fabricantes de equipamentos e estudantes”, explica Guy Gonçalves, ABC. A Semana ABC é composta por diversas palestras que buscam discurtir as principais questões do mercado cinematográfico e já contou com a presença de convidados internacionais como os diretores de arte Marcelo Pont (O Segredo de Seus Olhos) e Anastásia Masaro (The Imaginarium of Doctor Parnassus), o diretor de fotografia Félix Monti (O Segredo de Seus Olhos) e Michael Karagosian, presidente da MKPE Consulting LLC. Além disso, nas últimas edições em São Paulo, o evento foi precedido pela Mostra Prêmio ABC, exibida na Cinemateca Brasileira, e também contou com uma exposição de equipamentos.

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Exposição de equipamentos na Semana ABC 2012. (Foto: Marcos Finotti)

Atualmente, os principais responsáveis pela realização da Semana e do Prêmio ABC são os diretores de fotografia Carlos Pacheco, ABC, Lúcio Kodato e Lauro Escorel. Carlos Pacheco, que está envolvido com a produção do Prêmio e da Semana ABC desde a primeira edição, acredita que o evento é o grande centro de discussão do audiovisual brasileiro. “Não existia nada parecido no Brasil. Antes, para poder discutir cinematografia, a gente tinha que sair do país. Não existia esse espaço para discutir questões de mercado, novas tecnologias, novos equipamentos. Com a Semana, a ABC trouxe isso para dentro do mercado audiovisual brasileiro” diz.

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Adrian Teijido ganha o prêmio de Melhor Direção de Fotografia em Longa-metragem por “O Palhaço”, no Prêmio ABC 2012. (Foto: Marcos Finotti)

A ABC promove também, mensalmente, a Sessão ABC, em São Paulo e no Rio de Janeiro. “A Sessão é uma ideia muito importante, por ser um evento que exibe os filmes, promove o debate e o encontro dos profissionais, estudantes, atualizando e fazendo surgir novas ideias e formas de realização”, explica Gonçalves. Carlos Pacheco conta que a Sessão ABC nasceu de uma sugestão de Adrian Teijido, em 2001, e ele resolveu levar a ideia adiante e começou a produzir o evento. Todos esses eventos realizados pela ABC, além da presença de profissionais experientes que vão assistir, ministrar palestras e compartilhar as suas experiências, há uma forte presença de estudantes. “A diretora de fotografia e professora Kátia Coelho, ABC e o professor Ninho Moraes auxiliam muito no trabalho de aproximar os estudantes da ABC”, comenta Lauro Escorel.

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Cartaz da segunda edição da Semana ABC

O futuro

Hoje, olhando para a história da ABC e para as mudanças proporcionadas pela sua existência, Ebert acredita que a ABC trouxe para a profissão uma mudança “do zero para o infinito”. “Com a ABC a gente se sente parte integrante de um grupo, isto é, você divide com o grupo, se apoia no grupo, tem a quem recorrer quando você tem uma dúvida. Eu acho que todos os sócios da ABC se beneficiam desse banco de experiências e informações que o grupo de sócios traz para a associação, principalmente nessa época de mudança de tecnologia, de surgimento de novas tecnologias. Eu acho que a ABC veio num momento muito rico, em termos das transformações dentro da nossa cinematografia”, complementa Lauro Escorel.

A troca de informações é também uma das principais qualidades da associação apontadas por Carlos Pacheco. “A ABC hoje é uma grande aglutinadora dos profissionais. Ela virou um ponto de encontro de todo mundo que faz audiovisual. Tem uma importância fundamental na formação, a partir do momento em que ela abriu para os estudantes. Então, a troca de informação é muito grande e muito forte, também na formação das pessoas. Para quem está fora do eixo Rio-São Paulo, a ABC também tem uma importância muito grande, o mercado audiovisual brasileiro se espalhou, mas a grande indústria do mercado ainda está muito concentrada no Rio e em São Paulo e a ABC auxiliou para que todo mundo ficasse próximo”, comenta o diretor de fotografia.

Kovensky faz coro com Ebert, Escorel e Pacheco: “Hoje a ABC tem um peso importante no universo no cinema do Brasil e isso é uma grande conquista. Na realidade, quando a gente fazia as primeiras reuniões, os primeiros contatos, a gente não tinha consciência cabal da amplidão e de até onde ia chegar a ABC. Foi natural o desenvolvimento”.

Almoco
Almoço da ABC em 2002

Olhando para o futuro da associação, Lauro Escorel diz: “Acho que a associação é uma adolescente, ainda falta muito chão. O que eu gostaria é que as novas gerações se conscientizassem da importância da ABC e que a comunidade do cinema como um todo também entendesse que a ABC e as suas iniciativas visam o aprimoramento da atividade como um todo. A ABC não pode ser vista apenas como uma associação de técnicos, como se nós estivéssemos desvinculados do conjunto. Nós somos uma associação de técnicos que quer contribuir para o aprimoramento da atividade. Então, gostaria que essa visão de consolidasse e que mais projetos possam surgir no futuro”.

Para Kodato, a ABC está num momento crucial: “As coisas acontecem, mas falta um pouco de participação. Tem muitos jovens chegando, mas os profissionais mais experientes não estão participando tanto. Como fazer para voltar o entusiamo de quando começamos é um dos desafios da associação”. Carlos Pacheco complementa: “Primeiro, a associação precisa se estruturar um pouco melhor. A ABC funciona principalmente porque existe um grupo muito pequeno que trabalha de forma voluntária. Acho que ela tem que crescer para andar com as próprias pernas e não ficar dependendo de um grupo de pessoas. Acho que esse também é o próximo desafio. O outro é a renovação de comando. Está na hora de ter uma nova geração para tomar conta da ABC. Como associação, eu acho que ela tem que ser mais representativa e essa representatividade vai passar por essa renovação”, finaliza. Guy Gonçalves está otimista: “A ABC está crescendo e se renovando. As transformações impostas pela tecnologia apressam a indústria e estamos participando, vivendo este momento ativamente. Um viva à ABC!”.

Acesse a primeira parte da matéria “Memórias da ABC“.

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