Por Helio Godoy
Venho trazer aos colegas meu relato e impressões a respeito das apresentações de Peter Anderson no Festival do Rio de Janeiro em 6/10/2008. O convidado tratou de dois assuntos relacionados: cinema digital e cinema 3D. Por uma questão de respeito aos demais colegas, deixo os comentários pormenorizados sobre a palestra de Cinema Digital para o pessoal mais especializado nesse assunto.
por Hélio Augusto Godoy de Souza com a colaboração de Sara Grubert-PHOTON 3D cinema e vídeo-
CINE PALÁCIO 1
O Cine Palácio 1 estava equipado com projetor digital com o sistema 3D da Dolby. Esse sistema utiliza uma separação direita/esquerda através de filtros de interferência óptica. Esse tipo de filtro possui uma tecnologia de produção bastante sofisticada e é considerado uma evolução do sistema anaglífico. O espectro luminoso é separado em duas categorias de modo que em cada uma delas tenhamos uma representação RGB, ligeiramente diferentes em termos de suas frequências. No projetor a separação do espectro luminoso se dá através de um filtro circular dividido meio a meio para cada um dos filtros (direita/esquerda) e que gira à frente do feixe de luz. As imagens são exibidas sequencialmente alternando-se direita e esquerda em uma frequência de 144 Hz (repete três vezes os 24 quadros para cada lado). O filtro circular gira sincronizadamente com a projeção dos quadros direita/esquerda.
FILMES PROJETADOS
Pela manhã, no Cine Palácio 1, Anderson nos apresentou três filmes: um em 2D e dois em 3D. O 2D referia-se a um teste para a definição de padrões tonais e colorimétricos para o Cinema Digital. Um dos filmes 3D foi um trecho do U23D. O outro era o filme em que o próprio Anderson aparece explicando alguns detalhes da projeção 3D, genial pois utiliza a técnica 3D para falar do próprio 3D, além disso, no filme, ele demonstrou conceitos complexos utilizando varetas de madeira e tubos de PVC. Nesse filme, inicialmente ele nos fez perceber as modificações de paralaxe (a distância entre as imagens referentes ao olho esquerdo e direito) ao aproximar e afastar o objeto da câmera. Nesse caso o objeto era o próprio Anderson. Demonstrou também o papel da distância entre as objetivas das duas câmeras que o estavam filmando. Ao se aproximar o eixo óptico de uma objetiva do eixo da outra, a paralaxe diminui; ao se afastar ela aumenta. Depois disso ele nos demonstrou os conceitos de paralaxe negativa (espaço virtual à frente da tela), paralaxe positiva (espaço virtual atrás da tela) e a paralaxe zero (o espaço da tela). Para ler a respeito consulte:
http://www.tecgraf.puc-rio.br/~abraposo/pubs/livro_pre_svr2004/CAP11_stereo.pdf
Ainda no filme, ele nos demonstrou alguns conceitos com a utilização das varetas e tubos já mencionados anteriormente. Ele utilizou os tubos de PVC para criar um quadro que representava a tela do cinema; e com as varetas de madeira representou os ângulos da visão do espectador. Com esse material demonstrou os conceitos de paralaxe negativa e positiva, bem como a paralaxe zero. Mostrou também os efeitos que ocorrem com a mudança da posição do espectador dentro da platéia. Com as varetas e sua mão ele demonstrou claramente que cada posição de espectador tem uma experiência tridimensional particular.
Em seguida o filme apresenta uma sequência em que no fundo da cena abriu-se uma porta de garagem para a rua, o que proporcionou uma fantástica profundidade espacial. Então Anderson nos alertou sobre a necessidade dos olhos adaptarem-se às informações de profundidade, uma vez que, ao se exceder determinados valores de paralaxe positiva as imagens do fundo podem forçar a divergência dos olhos para que o efeito 3D se configure no cérebro. As imagens localizadas à frente sempre exigem a convergência dos olhos. A divergência ocular nunca ocorre no mundo real, pois no máximo os eixos ópticos dos olhos ficam paralelos.
A explicação mais curiosa no filme foi dada com a utilização de uma galinha (depenada e de borracha…). Com esse material, Anderson demonstrou o que, tecnicamente, se denomina “violação do quadro estéreo”. Basicamente refere-se ao fato de que quando um objeto com paralaxe negativa (à frente da tela) se movimenta para as laterais, desaparece uma das duas imagens que formam o par-estéreo (direito ou esquerdo). A galinha foi usada para demonstrar o fenômeno da seguinte forma: ele apontou o bico e o pescoço para a frente, exagerando a paralaxe negativa, fazendo com que o objeto ficasse à frente da tela; em seguida, movimentou o bico da galinha para o lado direito da tela. No momento em que a imagem da direita, referente ao olho esquerdo (paralaxe negativa), desapareceu da tela, imediatamente o efeito 3D perdeu-se por completo; a galinha ficou no mesmo plano espacial em que se encontravam suas mãos. Perdeu-se assim toda a percepção de profundidade.
PALESTRA E WORKSHOP
Após a projeção participantes e palestrante dirigiram-se à sede do festival e na sala do Rio Seminars, ocorreram a palestra e o workshop 3D.
Durante a palestra o convidado restringiu-se a falar a respeito do cinema digital que como já informei não é o objeto principal deste relato. Todavia um aspecto me parece importante nesse tema que é o sistema de armazenagem dos filmes. Anderson apresentou o hardware utilizado para o transporte e exibição dos filmes no Cine Palácio. Dois “Hard Disks” portáteis com os filmes foram usados para transferir os dados para o servidor da sala de projeção. Seus comentários a respeito deram conta da precariedade desse sistema de cinema digital no que diz respeito à preservação da informação fílmica. Sabemos que essa dificuldade é decorrente da obsolescência dos hardwares usados para armazenamento eletrônico (digital ou analógico) das informações de imagem e som, promovida pelo avanço contínuo dos sistemas tecnológicos. O convidado ainda mencionou que hoje o único método confiável de armazenagem de informações de imagem ainda é o filme P&B; que pode armazenar informações RGB separadamente. Para isso utilizam-se três filmes P&B, um para cada côr, tal como o sistema Technicolor, aos moldes do velho experimento proposto por Clark Maxwell no final do século XIX, … isso é mesmo fantástico ! (grifo meu).
Quanto ao workshop da tarde, tivemos acesso a uma profusão de fotos de bastidores (making of) dos trabalhos desenvolvidos por Peter Anderson. Inicialmente o palestrante nos ofereceu algumas informações quanto a projeção 3D feita com dois ou com quatro projetores, com filtros polarizadores e tela metalizada. No caso de quatro projetores, cada um dos lados (direito/esquerdo) é dividido em duas metades acima e abaixo, para se ganhar resolução. Cartas de côr e de alinhamento devem ser utilizadas para o correto setup de côr, brilho e contraste, além do próprio ajuste de posicionamento dos projetores. De acordo com Anderson, uma dessas cartas deve ter uma imagem de um círculo para ajuste do “aspect ratio” da projeção.
Posteriormente o convidado apresentou uma infinidade de fotografias de produções de filmes 3D. Começou com as produções em película de 65mm. Esse formato é utilizado para as produções IMAX 3D. Nesse tipo de cinema, a projeção é feita com película de 70mm, embora na filmagem utilize-se o 65mm. Isso se deve ao fato de que na projeção é incluida banda sonora, coisa que não ocorre na filmagem. No caso do IMAX 3D 65mm, foram apresentadas fotografias de uma câmera com duas objetivas localizadas em posição fixa. A concepção de 3D do grupo IMAX, pertence a uma escola que mantém fixa a distância entre os eixos das objetivas. Anderson, por outro lado, pertence à escola 3D que utiliza convergência e variação da distância dos eixos ópticos das objetivas. É necessário destacar que uma terceira escola admite a variação da distância dos eixos ópticos das objetivas, mas não admite a convergência, já que ela pode distorcer desigualmente a perspectiva em cada um dos lados. (o grifo é meu).
Um aspecto destacado por Anderson é o tamanho e peso da câmera IMAX 3D, com cerca de 200kg, sendo necessárias quatro pessoas para transportá-la, tal qual uma liteira. Após isso, Anderson nos apresentou slides com “stereo rigs” (suportes de câmeras) usados com duas câmeras independentes de 65mm, também usados para IMAX 3D. Esses rigs utilizam semi-espelho (espelho dicróico; “beam splitters”) colocado a 45 graus, sendo que uma câmera fica na vertical, de cima para baixo, recebendo a luz refletida pelo espelho; e a outra camera, na horizontal, atrás do espelho, recebendo a luz que passa por ele. Anderson também apresentou dois outros rigs com semi-espelho, com posições de câmeras um pouco diferentes: um, idêntico ao acima descrito, mas com a câmera da vertical posicionada de baixo para cima; e um outro com as duas câmeras na horizontal (este um sistema mais antigo). Anderson também apresentou rigs montados com câmeras digitais.
O detalhe importante é que seus rigs possuem tudo automatizado. O foco, o zoom, a abertura do diafragma e a distância entre os eixos ópticos são controlados por motores, que por sua vez são controlados através de “dimmers”, conectados aos motores através de cabos. Um assistente opera o sistema através de um tabuleiro pendurado no pescoço com uma correia, semelhante àqueles usados por vendedores de doces ou cigarros.
EM RELAÇÃO ÀS PERGUNTAS
Gostaria de destacar duas questões: qual o tipo correto de iluminação para 3D; e qual o lado que deve ser usado, para atender as exibições 2D.
Iluminação: foi perguntado se há diferença na iluminação para 3D, e se Anderson usa o contra-luz, se usa luz dura ou luz suave. Ele disse que poderia ficar falando dois dias sobre o assunto iluminação. Disse que usa muito a luz de preenchimento (fill light) mas não deixa de realçar as relações volumétricas com as sombras. Quanto ao contra-luz, não me lembro se houve uma resposta objetiva. Lembro-me, no entanto, que no filme U23D há muitas dessas contra-luzes.
Lado Monoscópico: foi perguntado qual o lado, direito ou esquerdo que deveria ser utilizado nas exibições 2D dos filmes produzidos em 3D. Anderson prefere utilizar o lado cuja câmera fica atrás do semi-espelho e que recebe a luz que passa através do semi-espelho.
COMENTÁRIO GERAL
Importantes informações foram trazidas por Peter Anderson, embora algumas delas pertencentes a uma realidade bem diversa da observada no Brasil, como é o caso das filmagens com películas de 65mm. Evidentemente que os princípios ópticos que funcionam para esse formato deverão também funcionar para os demais.
É pertinente dizer que pouco foi dito sobre enquadramentos, montagem (linguagem e ritmo), e técnicas de pós-produção (softwares e hardwares); além de outras questões de ordem fotográfica, tais como profundidade de campo e movimentos de câmera. Isso é compreensível, pois em apenas um dia seria impossível tratar com mais aprofundamento desses temas.
Espero que num outro momento possamos tê-lo novamente entre nós para continuarmos o aprofundamento dos temas relativos ao 3D.