Mesa sobre Educação

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Por Regina Dias, ABC

Semana ABC, 13 maio 2016

Agradeço o convite dos organizadores e cumprimento meus colegas de mesa que me honram com a presença e com a discussão produtiva. Cumprimento os participantes, os envolvidos, e toda nossa audiência aqui presente.

Especial menção ao meu colega e amigo Ninho Moraes pelo convite.

Sou uma editora com trajetória em várias formas de conteúdo para várias mídias, trabalhando inicialmente em Moviola, passando para U-Matic, o Betacam, Avid e FinalCut, em quase 35 anos de trabalho.

Tive fases de intensa atividade principalmente na indústria de comerciais para cinema e TV. Exerci e exerço meu oficio bem distante da Escola como conhecemos, o que me coloca em posição de distanciamento e observação, ora pertinente, ora desabonadora para discorrer sobre Educação no sentido tradicional e institucional da palavra.

Mas aceitei o desafio de estar aqui nesta mesa e poder avaliar algumas ideias que tenho, ainda que pouco estruturadas como propostas, e ouvir os professores e profissionais aqui convidados.

Editores são contadores de histórias e parentes mais próximos dos escribas da antiguidade. Não pertencem aos que criam as histórias. Sua ilha de trabalho é o instrumento de seu ofício. São aqueles que organizam o que foi pensado e estruturado em papel, que se viabilizou através de uma câmera, da luz, de um ator e de um roteiro cinematográfico.

Segundo Kubrick, “os diálogos, nos filmes, vêm da literatura, a interpretação, do teatro e a imagem, da fotografia. O que transforma tudo isso em cinema é a montagem”. (1)

A WEB quebrou paradigmas de ensino em quase todas as cadeiras de Artes e Ciências Humanas. Assim como deve ter modificado frontalmente os estudos em todas as outras áreas de ensino.

Hoje é impossível o conhecimento exponencial caber numa sala ou numa só instituição.

Gordon Moore indicou que a tecnologia duplicaria a cada 16 meses e aceleraria seu ritmo, que transistores dos chips teriam um aumento em 100% pelo mesmo custo, a cada 18 meses. Essa visão de futuro tornou-se realidade acabando por estabelecer-se como Lei de Moore.  A tendência é de que invenções se popularizem ganhando velocidade e o mercado seguramente acompanhará as transformações. (2)

Há uma avalanche de imagens própria de nossa cultura que não necessariamente melhorou ou piorou conteúdos. É apenas transformador. E transformando a forma de captação, a forma de uso dos meios, a forma de comunicação entre os envolvidos em um projeto, serão necessariamente transformadas todas as suas etapas.

Porque não mudaria a forma de editarmos o filme? Afinal, “O Meio é a Mensagem” nos disse McLuhan. (3)

Acredito que, o que se tenta dizer ao separar o velho do novo, o cinema tradicional e sua montagem, a pressa juvenil e a câmera que não corta, é que em verdade falamos de formas consagradas de êxito no processo, métodos de organização sistemática que resultaram em obras-primas.

Então, filma-se muito porque é barato?

Essa é uma questão para deixarmos em aberto.

Penso que filmamos muito porque não pensamos como indústria e, na maioria das vezes, o trabalho não se estrutura com o método consagrado,

A consequência disso para mim, é que faz-se do editor um faxineiro de luxo, um limpador de imagens que despende horas preciosas não para narrar, mas para limpar (no estreito entendimento desta palavra) exaustivamente.

“Montagem não é pescaria” já escreveu Fernando Meirelles num e-mail interno de sua empresa que viralizou como um manifesto em favor de nosso trabalho.  Como uma bandeira de entendimento dessa questão. (4)

Mas alguns vícios e ideologias resistentes tendem a desassociar a produção cinematográfica do público de bilheteria. Focamos nos custos de produção e não abraçamos as causas que tratam da distribuição.

Mais atraída pela “Sociedade Sem Escolas”, do filósofo Ivan Illich, (5) volto a ela.

Experimentei uma escola sem paredes em minha própria ilha, em casa. Divulguei uma proposta de curso para dez interessados e discuti na timeline trechos de filmes previamente vistos.

Com seis desses filmes consegui tratar de formas de edição e de consequente exercício de reflexão, com objetivo de perceber a eficiência da montagem para determinado filme.

Tratei da força do silêncio, tratei dos cortes feitos em apenas uma sequência, pedi que editassem um trecho de Kurosawa onde um frame a mais ou a menos mudaria o entendimento da história, podendo assim demonstrar que o corte tem precisão em um ponto, e nele somente. (6)

Acredito que ensinar edição de cinema pode ser apenas levantar questões a serem discutidas durante muito tempo, em várias fases, por vários trabalhos executados ao longo de uma vida talvez. Interessante foi a experiência posterior em que meus alunos, entre aspas, são hoje meus consultores de projetos e de novidades nos softwares, quando a eles preciso recorrer.

Não se fechando num totem ou não tendo um engessamento de propostas, a Edição Cinematográfica caminhará junto com todas as novas e antigas formas de se contar histórias no cinema.

Tomemos o modelo da Hyper Island Sueca. A Escola Digital assenta-se no “aprenda fazendo” e o legado que dissemina entre os que estão iniciando na área que ela atua, é sair da zona de conforto.

Profissionais de tecnologia, incluindo os do cinema, terão estudo constante, prática constante e sem professores. (7)

Quero deixar aqui poucas certezas e muitas questões.

Proponho que os editores escrevam um diário para cada trabalho que fizerem. Apontamentos sobre os caminhos que escolheram, as decisões que tomaram e como tornaram o material bruto, narrativa.

Os chamaria de Diários de Ofício.
É uma ideia para que tenhamos amanhã também sistematizado, um modelo de trabalho a ser aprendido pelos que virão.

Proponho que a ABC formate uma série de aulas-palestras como o modelo do conhecido TED norte-americano (8), onde os expoentes da profissão possam deixar na nuvem (cloud) experiências contadas para múltiplos alunos, múltiplas escolas, e em todo país.

Nossa experiência deve ser multiplicada, deve ser posta na mão de quem quer aprender e está iniciando.

Permitam-me finalmente contar que durante quatro anos dei aulas na ECA quando recém-formada. Em plena ditadura e posteriormente com a distensão do regime militar, propus que filmássemos e registrássemos aulas de outras unidades, sinfônicas, quartetos de cordas, corais, cirurgias, palestras e todo tipo de atividade dentro do Campus. Mas era o momento “do Autor”, era momento de utilizar a “ideia na cabeça e a câmera na mão”.

Minha proposta não fez sequer eco.

Hoje aproveito a oportunidade para reiterá-la: devemos à sociedade a memória de nossa experiência.
Registros que farão dos futuros profissionais pessoas mais próximas de seu ofício.

O Estado nos deu, e nos dá muito.
Hora de devolver aos novos.

________________________________________

(1) Citado por Luiz Carlos Merten. Janeiro 2008, O Estado de São Paulo.

(2) Lei de Moore.https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Moore

(3) Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem, M.McLuhan, Cultrix, 1969

(4) http://montagemcinema.blogspot.com.br/2011/10/montagem-nao-e-pescaria-fmeireles-o2.html

(5) Ivan Illich, Sociedade sem escolas, 1971

(6) http://www.nos.vc/pt– Curso Edição e Montagem de Cinema

(7) Hyper Island. https://www.hyperisland.com

(8) TED. https://www.ted.com

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