Sobre A Autoria Das Imagens Cinematográficas

Autor: Affonso Beato

Outro dia na Associação Brasileira de Cinematografia, discutindo sobre as funções do Diretor de Fotografia, um colega perguntou: quem somos nós? Respondi prontamente, que nós éramos os responsáveis por todas as imagens em movimento que existiram nos últimos cem anos. Nas imagens do Cinema ou da Televisão sempre esteve presente um Fotografo, um Cinegrafista ou Diretor de Fotografia, não importa como o chamamos. Temos que aceitar que nem sempre essas imagens foram o produto da vontade, da determinação e das indicações do Diretor de Fotografia mas não podemos negar que foi êle sempre quem as fez existir. Estudando a História da Arte, nos acostumamos a pensar na criação de imagens, poesia, literatura e música como um processo solitário onde os autores, pensam, esboçam, e apresentam sozinhos, seus quadros, fotos, livros e partituras musicais. Sempre os consideramos autores dessas obras. Isso certamente foi assim, até o advento do Cinema no final do século XIX. As imagens do Cinema nasceriam sempre da indicação de um roteiro, seriam interpretadas por um Diretor, que nem sempre as teriam escrito, e depois elaboradas por um processo específico pelo Diretor de Fotografia. Ao contrário do que sempre existira, nas imagens cinematográficas o processo de criação passaria a ser coletivo e não mais individual. No processo de elaboração de imagens, quer na Pintura, Fotografia, ou na Cinematografia, sempre partimos de uma Imagem Real como referência, exceto na Arte Abstrata. O Artista (ou Autor) observa essa imagem e a reproduz no seu devido campo, como um quadro, uma escultura, uma foto, ou a cena de um filme. Na maior parte das vezes existe uma diferença entre a Imagem Real e a Imagem Criada. Essa diferença é o fator subjetivo que o artista imprime à Imagem Criada, e que é nada mais nada menos do que a sua Criação, portanto a sua Autoria. Na elaboração de uma cena em Cinema entram vários elementos:

  • Primeiro a cena vem da indicação de um roteiro que tem como autor – alguém que não é necessariamente o autor do argumento original (livro, poema, peça teatral etc.)
  • Por indicação do Diretor, essa cena é levada a uma locação.
  • São escolhidos móveis , objetos, figurinos para os atores etc. Nesse momento existe a presença de um Cenógrafo, e hoje em dia também a presença do Diretor de Fotografia decidindo sobre a viabilidade da locação, na escolha de cores e nos materiais cenográficos.
  • O Diretor pede uma interpretação da cenas aos atores e desenha com o Diretor de Fotografia, os ângulos e os movimentos de câmera.
  • O Diretor de Fotografia, escolhe a emulsão e os filtros apropriados para a tomada, bem como a ilumina de forma a conseguir uma dramaticidade adequada. Depois de filmada a cena, o negativo exposto, é submetido a um processo técnico cujas especificidades técnicas são por ele indicadas.
  • Essa cena é parte de uma seqüência. Existe uma continuidade visual entre as Cenas, e diferenças dramáticas visuais entre seqüências. \
  • Este produto é a Unidade Visual do Filme, também conhecida como a Fotografia do Filme.
  • A Fotografia de um filme não é somente a reprodução fiel das Imagens Reais que estavam diante da câmera, ela resulta da interferência subjetiva do Diretor de Fotografia e da sua escolha dos elementos que produziram a Imagem Criada.
  • Se a Imagem Criada é exatamente igual a Imagem Real, estamos frente à um mero processo técnico de reprodução.
  • Se a Imagem Criada é diferente da Imagem Real, essa diferença é um elemento artístico e autoral, e é portanto de Propriedade Intelectual e autoral do Diretor de Fotografia.

Nos anos 60, quando da criação do Cinema Novo e da Associação Brasileira de Cineastas- ABRACI, havia uma forte influência da Nouvelle Vague , movimento francês, que difundia o Cinema de Autor.

Os cineastas conseguiram num acordo da ABRACI com a falecida EMBRAFILME, que 5% do bruto da distribuição, fossem pagos somente aos diretores, ao contrário do que tinha sido acordado na fundação daquela Associação entre roteiristas,cenógrafos e diretores de fotografia.

Depois num golpe semântico entre produtores e sindicalistas desavisadostentou-se categorizar a função de Diretor de Fotografia como uma função técnica, para que fossem então pagas horas extras trabalhadas, desviando assim a atenção dos devidos direitos autorais daqueles artistas.

Hoje, tendo o Brasil assinado num plano internacional, a Lei de Propriedade Intelectual, tais acordos, e/ou regulamentações se tornaram caducas, sendo então necessário repensar os acordos e mecanismos que visam nos proteger dos abusos e apropriações indevidas que vivemos hoje.

Rio de Janeiro, 29 de maio de 2000

A ABC E A Questão Dos Direitos Autorais Para Os(As) Diretores(as) De Fotografia

Autor: Carlos Ebert

A situação no Brasil

Segundo advogados especialistas em direito autoral consultados pela Associação, as obras produzidas sobre a exegese da lei 5988/73, conforme o disposto no art. 15, pertencem ao seu produtor.

Após esta , foi criada uma outra lei 6533/78, que regulamenta a profissão dos artistas, e que em seu art. 13 impede a cessão de direitos autorais (direito de autor e os que lhe são conexos) (1).

Assim, a partir de 1978, ficamos com duas leis vigindo no sistema jurídico : uma que dizia que pertencem ao produtor os direitos autorais sobre a obra cinematografia – termo usado na época – , e outra que impedia a cessão oriunda da prestação de serviços.

Em 1998, pela lei 9610/98 (2), os direitos patrimoniais passaram a não pertencer mais ao produtor. Portanto as obras audiovisuais ö o novo termo usado , mais genérico do que cinematográfica – pertencem aos seus criadores.

A questão ainda não tem precedentes de jurisprudência ou alguma decisão que endosse este entendimento. Em princípio, para as obras criadas antes de 1978 os direitos pertencem totalmente ao produtor. Após 1978, há controvérsia. E depois de 1998, os direitos pertencem aos criadores (roteiristas, diretores de fotografia, artistas etc.)

Segundo o Dr. Eduardo Pimenta:

” A lei de direitos autorais (9610/98) em seu art. 25 contempla ao diretor os direitos morais da obra audiovisual. A mesma lei em seu art. 24 diz quais são os direitos morais. Pois bem, ao diretor somente cabem os direitos morais. Entendo que o diretor de fotografia, por vislumbrar um cenário natural ou não, passa a ser um criador intelectual. Se esta cena vier a ser usada, por extração de um fotograma da película, como fotografia em mídia impressa ou pela internet, haverá então uma violaçào de direito autoral, que além de moral, entendo também como de direito autoral patrimonial.”

Fica claro para a ABC que o fato de ainda não existir uma jurisprudência formada sobre a matéria deixa dúvidas, e abre o precedente para que os produtores se eximam de pagar os direitos. Por outro lado, é pratica corrente no cinema publicitário que os diretores de fotografia recebam direitos autorais quando da reveiculação de um filme. Não sabemos até que ponto isso constitui uma prova da legitimidade da reivindicação dos DFs.

O Panorama na América Latina

Na América Latina a extensão dos direitos autorais aos diretores de fotografia só é reconhecida no México onde a Ley Federal de Derecho de Autor de México, promulgada em dezembro de 1996, especifica como autores da obra cinematográfica “el director realizador; los autores del argumento, adaptación, guión o diálogo; los autores de las composiciones musicales; el fotógrafo, y los autores de las caricaturas y de los dibujos animados” (Art. 97).

Se houvesse no texto da lei brasileira (lei 9610/98), uma referência direta ao fotógrafo como existe no texto mexicano, estaria esclarecida a questão, não havendo margem a dúvidas. Da forma como está, qualquer julgamento dependerá sempre da interpretação da lei.

Em artigo publicado na revista da ADF (Associação Argentina de Autores de Fotografia Cinematográfica) ano 3, número 5, verão de 2000, os advogados Edwin R. Harvey e Maria Victoria Harvey comentam a lei mexicana : “O produtor é, salvo pacto expresso em contrário, o titular dos direitos patrimoniais sobre a obra em seu conjunto e por isso pode levar a cabo todas as ações que sejam necessárias para a exploração da obra, ou seja: reprodução, distribuição, representação e execução pública, transmissão por cabo, radiodifusão, comunicação ao público e titulagem e dublagem da obra em questão.

Por sua vez, os diversos autores da obra cinematográfica em cada uma de suas partes ou aspectos, são considerados como tais ainda que tenham cedido seus direitos patrimoniais ou de exploração sobre sua criação ao produtor da obra, conservando inclusive o direito de dispor destes para explorar sua criação ou contribuição de forma isolada, sempre que com isso não se prejudique a exploração normal da obra em seu conjunto, conservando desta forma a titularidade dos direitos morais de sua criação.

” Os autores concluem o artigo afirmando : É longo e difícil o caminho a percorrer para conseguir o reconhecimento do direito de autor dos diretores de fotografia, por sua contribuição criativa e fundamental às obras audiovisuais. Porém os colegas mexicanos deram provas de que este não é um objetivo impossível de ser alcançado.”

Parece a ABC que existem duas abordagens distintas para a questão:

* Na primeira abordagem, os DFs acionariam as produtoras com base no artigo 24 da lei 9610/98 e, ganhando algumas causas, estaria formada uma jurisprudência que asseguraria ganho de causa em futuras ações. Isso estimularia os produtores a reconhecerem os direitos dos DF, evitando assim as ações judiciais.

* A outra abordagem seria tentar mudar o artigo 16 da lei 9610/98 (Art. 16. São co-autores da obra audiovisual o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical e o diretor.), para que ele passe a incluir os diretores de fotografia como co-autores.

O Panorama Europeu

Na Europa, estes são os países que já reconhecem o diretor de fotografia como co-autor da obra cinematografica e portanto detentor de direitos morais e patrimoniais : Alemanha (desde 1985), Finlandia (1997), Suécia (1997), Dinamarca (1997), Suiça (1997), Áustria (1997) e Hungria (1997).

Notas

(1) lei 6533/78 Art. 13 – Não será permitida a cessão ou promessa de cessão de direitos autorais e conexos decorrentes da prestação de serviços profissionais.

Parágrafo único – Os direitos autorais e conexos dos profissionais serão devidos em decorrência de cada exibição da obra.

(2) lei 9610/98 VIII : define a obra:

h) coletiva – a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a pública sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma; i) audiovisual – a que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação;

Capítulo I – Das Obras Protegidas VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

Título III – Dos Direitos do Autor

Capítulo I – Disposições Preliminares

Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

Art. 23. Os co-autores da obra intelectual exercerão, de comum acordo, os seus direitos, salvo convenção em contrário.

Art. 24. São direitos morais do autor:

I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III – o de conservar a obra inédita; IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Art. 82. O contrato de produção audiovisual deve estabelecer: I – a remuneração devida pelo produtor aos co-autores da obra e aos artistas intérpretes e executantes, bem como o tempo, lugar e forma de pagamento; II – o prazo de conclusão da obra; III – a responsabilidade do produtor para com os co-autores, artistas intérpretes ou executantes, no caso de co-produção. Art. 83. O participante da produção da obra audiovisual que interromper, temporária ou definitivamente, sua atuação, não poderá opor-se a que esta seja utilizada na obra nem a que terceiro o substitua, resguardados os direitos que adquiriu quanto à parte já executada.

Art. 84. Caso a remuneração dos co-autores da obra audiovisual dependa dos rendimentos de sua utilização econômica, o produtor lhes prestará contas semestralmente, se outro prazo não houver sido pactuado.

Art. 85. Não havendo disposição em contrário, poderão os co-autores da obra audiovisual utilizar-se, em gênero diverso, da parte que constitua sua contribuição pessoal.

Parágrafo único. Se o produtor não concluir a obra audiovisual no prazo ajustado ou não iniciar sua exploração dentro de dois anos, a contar de sua conclusão, a utilização a que se refere este artigo será livre.

Para conhecer a integra das leis referentes ao direito autoral no Brasil consulte a página http://www.minc.gov.br/diraut/leis/L9610.htm

Para informações sobre o direito autoral dos diretores de fotografia no resto do mundo consultem http://www.imago.org/copyright/index.htm

Parecer coclusivo da Dra. Silvia Regina Dain Gandelman

Sobre o texto “A ABC e a questões dos direitos autorais para os Diretores de Fotografia” gostaria de tecer os seguintes comentários:

A Lei 5988/73 admitia a autoria do produtor, encomendante, organizador, em seu Artigo 15, “in verbis”.

* Quando se tratar de obra realizada por diferentes pessoas, mas organizada por empresa singular ou coletiva, e em seu nome utilizada, a esta caberá sua autoria.

* Era a chamada autoria da empresa, muito utilizada para cinema, programa de televisão, software, ou seja, obras complexas de maior valor.

· A Lei 6533/78 é uma lei de cunho profissional, trabalhista, que regulamentou as profissões de artista e técnicos em espetáculos.

* Esta lei, em seu artigo 13, proibia a cessão dos direitos conexos decorrentes de contratos de prestação de serviços.

* Esta lei foi regulamentada pelo Decreto 82.385/78 confirmando, em seus artigos 33 e 34 a impossibilidade da cessão de direitos autorais e conexos. Ocorre que o Decreto contém também, como anexo, um quadro estabelecendo a relação dos profissionais beneficiados pela legislação especial, do qual consta, expressamente o Diretor de Fotografia. A lista é exaustiva, ou seja, somente as profissões que a integram são passíveis de proteção legal.

* A nova lei autoral (Lei 9610/98) revogou a anterior (Lei 5988/73) porém manteve em vigor a Lei 6533/78 em seu artigo 115, ou seja, prevalece em relação ao Diretor de Fotografia o texto, os benefícios e a proteção do artigo 13 da Lei 6533/78, combinado com os artigos 33 e 34 do Decreto 82.385/78.

Quanto ao antigo artigo 15 (autor empresa) da Lei 5988/73, este foi substituído pelo artigo 11 § único da nova lei, combinado com o 17 § 2º, “in verbis”.

“Art. 11 § único ÷ A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei ……………………………… …………………………………………………………………..

Art. 17 § 2º ÷ Cabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva.”

Conclusão

O Diretor de Fotografia tem seu direito reconhecido na Lei 6533/78 e seu decreto regulamentador, é co-autor de obra cinematográfica pela Lei 9610/98, ainda que o exercício dos direitos patrimoniais pertençam ao organizador.

S.M.J.

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2000. Silvia Regina Dain Gandelman OAB/RJ nº 17.353

Normas e Procedimentos para Equipes Cinematográficas

versão 04.03.99

Do Diretor de Fotografia

  1. O/A diretor/a de fotografia é o responsável por tudo que se relaciona com a elaboração final da imagem do filme, desde o planejamento e análise técnica até a marcação de luz da cópia final. Ele irá especificar os equipamentos de câmera, luz e maquinária necessários a realização do filme, bem como os materiais fotográficos e os tipos de processamento. Seu interlocutor imediato é o diretor, de quem recebe instruções e a quem apresenta soluções e sugestões. Seu outro interlocutor é o diretor de arte, com quem discute as necessidades e os problemas cenográficos para juntos obterem a melhor imagem.
  2. Sua equipe é formada por: um/a operador/a de câmera, um/a primeiro/a assistente de câmera (e seus assistentes; o segundo e o terceiro assistentes de câmera), um/a chefe letricista (e seus assistentes) e um/a chefe maquinista (e seus assistentes).
  3. As instruções do/a diretor/a de fotografia são passadas a esses/as chefes, que distribuem as tarefas entre os seus assistentes segundo as normas próprias das suas funções, abaixo descritas.
  4. Toda instrução do/a diretor/a de fotografia deverá ter uma confirmação verbal de quem a recebeu (“lente 25” pede o fotógrafo, “lente 25” repete o assistente). Para que não caibam dúvidas sobre o que foi solicitado. Esse procedimento vale para todos os membros da equipe.
  5. Somente o/a diretor/a, o/a diretor/a de fotografia e operador/a de câmera olham no visor. O/A foquista/e primeiro/a assistente de câmera vão olhar pelo visor quando tiverem que marcar focos em teleobjetiva. O/A responsável por manter essa norma é o/a primeiro/a assistente de câmera.
  6. O/A diretor/a de fotografia passa ao/à primeiro/a assistente as instruções relativas ao processamento do negativo a serem encaminhadas ao laboratório e ao telecine, quando for o caso.
  7. 7. O/A diretor/a de fotografia, acompanhado do/a chefe eletricista e eventualmente do/a chefe maquinista, visitará antecipadamente as locações e os cenários e passando a esses as instruções necessárias a realização das filmagens.

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