Mestres Da Luz IV – Henri Alekan

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Por Carlos Ebert

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“Iluminar é criar o visível e sugerir o invisível”

Se alguém tem direito ao título de “mestre da luz”, esse alguém é o francês Henri Alekan. Como todo mestre que se preza, Alekan deixou um legado que vai além de seus maravilhosos filmes: deixou um livro sobre cinematografia – talvez o mais completo e abrangente já escrito sobre a matéria , intitulado “Des Lumieres et des Ombres”, volume obrigatório na estante de qualquer diretor de fotografia.

No livro ele desenvolve uma análise exaustiva e fartamente ilustrada, das características das luzes natural e artificial, e de todos os aspectos que elas conotam, do artístico ao psicológico. Alekan estabelece uma ponte entre a cinematografia e as demais artes visuais, e mostra como a natureza da luz determina e direciona a percepção da realidade, analisando inclusive aspectos da natureza da luz que escapam a consciência do espectador.

Alekan viveu 92 anos (confirmando uma tradição de que DFs vivem muito…), e participou de aproximadamente 150 filmes entre longas (quase 100 títulos), médias e curtas metragem. Foram 65 anos corridos de atividade profissional iniciados ainda no cinema mudo, quando foi aceito como assistente de camera num estúdio parisiense.

Henri nasceu em 10 de fevereiro de 1909 em Paris e faleceu em 15 de junho de 2001 em Auxerre na Borgonha, onde viveu os últimos anos. Alekan em várias ocasiões declarou que seu mestre na arte da cinematografia foi o alemão Eugen Schufftan, de quem foi assistente durante a passagem deste pela França.

Schufftan (que brevemente estará no Mestres da Luz), ficou famoso por ter inventado um processo óptico de trucagem (efeito Schufftan), que permite a superposição perfeita de duas imagens durante a filmagem e que consiste basicamente na utilização de um espelho semi-transparente em frente da objetiva.

Alekan parece ter adquirido com Shufftan a enorme habilidade manual e mecânica que, associada a um senso estético apurado e a um extenso conhecimento das artes visuais, fizeram dele um dos profissionais mais completos da história do cinema.

Sua máxima: “A luz verdadeira nem sempre é a luz justa. Assim ela deve ser reinventada”, resume a missão do fotógrafo de buscar a imagem mais expressiva para contar um determinado momento de uma história.

Alekan foi um pesquisador incansável, que encarava cada filme como um novo desafio e procurava esgotar todas as possibilidades narrativas da imagem antes de se decidir por um determinado partido ou estilo.

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Um de seus filmes mais conhecidos, A Bela e a Fera, 1946, dir de Jean Cocteau, apresenta uma das mais perfeitas associações entre enquadramento e iluminação, fruto de uma exaustiva pesquisa iconografica que incluiu desde os pintores flamengos do século XVIII, notadamente Pieter de Hooch e Vermeer, até as gravuras de Gustave Doré. O planejamento de cada um dos planos do filme, mereceu desenhos e mapas de luz, alguns deles reproduzidos em “Des Lumieres et des Ombres”

Além de Cocteau, Alekan colaborou com grandes diretores como Joseph Losey, Julien Duvivier, William Wyler, Terence Young, Jules Dassin , Raul Rouiz e Win Wenders. Com cada um deles, desenvolveu uma parceria criativa que resultou em filmes notáveis e totalmente distintos estilisticamente. Sua cinematografia esteve sempre a serviço da narrativa, e em cada um dos filmes que fotografou as soluções encontradas surpreendem pela simplicidade e engenhosidade.

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Solveig Dommartin em Asas do Desejo, 1987

Alekan também se dedicou ao ensino da cinematografia, lecionando no IDHEC. Foi um inventor inspirado, e no final da vida se interessou por iluminação pública, tendo realizado projetos para a prefeitura de Paris e na Borgonha onde viveu os últimos anos. Modesto, costumava dizer que Wyler o tinha escolhido para fotografar Roman Holiday 1953 (A Princesa e o Plebeu) por ser o seu nome o primeiro da lista no guia de profissionais do sindicato francês. O anedotário a seu respeito é imenso, e algumas histórias foram confirmadas pelos participantes, como no caso de Asas do Desejo, 1987, de Win Wenders, onde a cena da perda das asas pelo anjo, projetada para ser feita numa trucagem digital caríssima, acabou sendo feita à perfeição por Alekan usando o bom e velho efeito Schufftan. A colaboração com Wenders em O Estado das Coisas, 1982 e Asas do Desejo, 1987 (onde o circo se chamava Alekan), marcou profundamente o cineasta que lhe dedicou a elegia com que encerro este verbete de Mestres da Luz.

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Wenders e Alekan no set de Asas do Desejo, 1987

“Querido Henri.

Sempre que me perguntam qual das colaborações profissionais que mais desfrutei durante os 20 ou mais filmes que fiz, ou aquela de que mais me orgulho em todo esse tempo, eu nunca hesitei em dizer: Os dois filmes que tive o privilégio de rodar com Henri Alekan.

Eu aprendi com você tudo o que sei sobre luzes e sombras. Isso é certo. Mas muito mais que isso, você me mostrou algo inacreditável, algo que ninguém sequer ousa dizer e que V. me ensinou sozinho. A mais bela lição do cinema: Cada plano filmado sem amor pelo seu assunto ou pelo filme em si não vale um centavo. Sim, você me ensinou isso, provavelmente sem se dar conta disso. Você é a prova viva de que cada gesto, cada pequeno ato da sua profissão, pode ser feito com ternura e cuidado. E com curiosidade.

Ainda te vejo de pé perto da camera, cheio de um interminável entusiasmo, sempre com um sorriso no rosto, seus olhos como o de uma criança grande… Vejo vocês botando suas cabeças para pensar juntas. Você e seu maravilhoso amigo e colaborador de longa data, seu gaffer Louis Cochet, com quem você trabalhou junto por 60 anos! Você não precisava nem falar sobre a luz. Apenas algumas indicações com as mãos, um par de acenos, e logo ele aparecia correndo, aos oitenta anos, e mais jovem do que todos os outros eletricistas no set com seus trinta ou quarenta anos.

Vejo você medindo a luz apenas apertando os olhos, você confia mais neles do que no seu spot-meter.

Eu vejo você e tudo isso me volta. Você, você mesmo, você é a mais bela lição do cinema.”

Fontes de pesquisa

Fimografia de Henri Alekan em http://us.imdb.com/Name?Alekan,%20Henri

Entrevista com Alekan em http://imv.au.dk/publikationer/pov/Issue_08/section_1/artc2A.html

Livro Des lumières et des ombres, editado em Paris em 1991 pela Librairie du Collectionneur

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