Por Carlos Ebert
EUGEN SCHUFFTAN
* 21 de julho de 1893, Breslau, Silezia, Alemanha (atualmente Wroclaw, Polônia) + 6 de setembro de 1977, New York, EUA.
No inicio do século XX a fotografia e o cinema exerceram uma grande atração sobre os artistas plásticos. No auge do expressionismo alemão dos anos 20, o arquiteto e pintor Eugen Schufftan foi atraído pela onda do cinema, e pelas mãos de seu mestre Hans Poelzig, começou a trabalhar como cenógrafo e pintor de telões.
Em 1927, já era o supervisor de efeitos visuais de Metrópolis de Fritz Lang e de Napoleon de Abel Gance , dois clássicos do cinema mudo. Sua transição da arte e dos efeitos visuais para a cinematografia foi certamente influenciada pela convivência que teve com Karl Freund e Léonce-Henri Burel, dois autênticos Mestres da Luz da época.
Na história do cinema, Eugen Schufftan (as várias grafias de seu nome incluem: Eugen Schüfftan, Eugene Shuftan e Eugen Shuftan), ficou mais conhecido como o inventor do “Efeito Schufftan”, do que como o diretor de fotografia de clássicos como Quai des brumes (1938), Le Rideau cramoisi (1952), The Hustler (1961), Lilith (1962), Trois chambres à Manhattan (1965) e Chappaqua (1966).
O efeito Schufftan – trucagem utilizada até hoje por sua simplicidade e perfeição, consiste basicamente num espelho 50% refletor – 50% transmissor colocado na frente da objetiva à 45º em relação ao plano do filme. Através da iluminação dimerizada, é possivel superpor perfeitamente no momento da filmagem, imagens captadas em dois sets diferentes.
Usado inicialmente nos filmes do expressionismo alemão, o “Efeito Schufftan” é periodicamente “ressuscitado”. Recentemente Coppola em One from the hart e Wenders em Asas do Desejo usaram o efeito com muita propriedade. Na época em que foi criado – quando ainda não existiam as trucas ópticas, o efeito revolucionou a técnica cinematográfica e fez com que a figura do inventor e tecnólogo eclipsasse a do fotógrafo.
Sua estréia como diretor de fotografia se dá em 1930, no clássico Menschen am Sonntag, filme que reunia a elite do cinema alemão de então: Kurt Siodmak, Robert Siodmak, Edgar G. Ulmer e Billy Wilder.
Foi neste filme que Fred Zinnemann – mais tarde um grande diretor em Hollywod (Matar ou Morrer, A Um passo da Eternidade, O Dia do Chacal, etc), foi seu assistente de câmera.
Nos 3 anos seguintes, Schufftan fotografou 12 filmes, numa trajetória brilhante, só interrompida pela ascensão do Nazismo que forçou o êxodo de toda uma geração de artistas alemães.
Na França fotografou alguns dos filmes mais significativos do Realismo Poético, com destaque para Le Quai des brumes, 1938 de Marcel Carné, onde a sua luz, lançada sobre os cenários de Alexandre Trauner constrói um dos clima românticos mais envolventes do cinema francês em todos os tempos. (1)
Dos poucos filmes fotografados por ele que consegui assistir projetados, The Hustler (Desafio à Corrupção, direção de Robert Rossen, cinemascope, P&B , vencedor do Oscar de fotografia em 1961) (2), foi o que mais me impressionou. Trata-se de uma história passada no submundo dos jogadores profissionais de sinuca de Nova York.
Paul Newman encarna Eddie Felson, um novato em ascensão que desafia Minnesota Fats, uma espécie de “rei do pedaço”, interpretado por Jackie Gleason. Os interiores dos salões e os becos escuros, proporcionaram a Schufftan um ambiente para evocar e recriar o seu passado expressionista.
Contrastes acentuados, sombras marcantes e nítidas, luzes vindas do alto e uma movimentação de câmera coreografada com precisão, dão ao filme uma riqueza visual que impressiona até hoje. Curiosamente na refilmagem feita por Martin Scorcese com cinematografia de Michael Balhaus (The Color of Money , 1986), Paul Newman passou de mocinho a vilão, com Tom Cruise assumindo o seu personagem de 25 anos atrás.
O Oscar para a cinematografia de Schufftan – merecidíssimo e indiscutido, não foi suficiente para que ele aceitasse fazer parte da American Society of Cinematographers, que anteriormente pressionada pelo sindicato, não o tinha aceito como associado por ser imigrante e não ter autorização para trabalhar nos EUA.
Este impedimento fez com seu nome não conste dos créditos de muitos dos filmes que fotografou, ou que figurasse numa outra função, como é o caso de O Barba Azul de 1944, dirigido por seu amigo Edgar Ulmer que o creditou como diretor de arte, já que o sindicato não permitia que ele atuasse oficialmente como diretor de fotografia.
Em 1964, fotografou ainda para Robert Rossen, aquele que seria o último filme do polêmico diretor (3): Lilith. Uma estranha história de amor passada inteiramente num asilo para doentes mentais. Aí, os contrastes e a dureza da luz de The Hustler deram lugar a uma fotografia suave, em tons de branco e cinza claro, que estabelecem uma realidade nebulosa, na fronteira entre sonho e a alucinação.
Assisti ao lançamento na tela gigantesca do cinema Vitória no Rio de Janeiro e fiquei maravilhado. Anotei o nome do fotógrafo e passei a me interessar por ele. Infelizmente não consegui ver muita coisa mais. Sua produção depois disso se resumiu a quatro filmes.
Um deles, Chappaqua, é uma curiosidade da era psicodélica dos anos 60: Conrad Rooks, herdeiro do grupo Avon, resolveu fazer um filme sobre a sua vida pregressa de adolescente outsider, alcóolatra e drogado. Pegou 750 mil dólares da herança, reuniu uma turma de famosos e malditos (William Burroughs, Allen Ginsberg, Ornette Coleman, Ravi Shankar e Jean-Louis Barrault) e saiu pelo mundo filmando.
Atrás das câmeras ninguém menos do que o suiço Robert Frank, famoso como fotógrafo e documentarista nos EUA, Étienne Becker , diretor de fotografia de Rouch e Rohmer em Paris vu Par e Schufftan que colocou seu olhar expressionista a serviço dos estranhos e rebuscados delírios psicodélicos de Rooks. O filme é literalmente uma viagem… Vale trazer o DVD.
O filme fotografado por Schufftan que sempre quis assistir, mas nunca consegui, foi Les Yeux sans visages, de Georges Franju, feito em 1960 antes de sua ida para os EUA. O cartaz e as fotos de cena que vi no Cahiers du Cinema (minha leitura de cabeceira então), impressionavam pela estranheza e pelo bizarro.
Tratava-se de uma parábola de horror, e mais uma vez Schufftan foi chamado a colaborar em função de seu background expressionista. Mais tarde, fiquei sabendo que Franju – co-fundador com Langlois da Cinemateca Francesa, foi um estudioso do expressionismo alemão e era fascinado pelas alegorias macabras que Schufftan ajudara a criar…)
Um exame em sua filmografia (no IMDB), mostra 68 títulos como diretor de fotografia na Alemanha, França, Espanha e EUA. Uma trajetória semelhante a de muitos cineastas do leste europeu que imigraram fugindo do nazi-facismo.
Sua imensa inventividade, aliada a uma cultura visual abrangente, fez com que deixasse em cada um destes filme uma influência estilística e/ou um aporte técnico. Juntamente com Karl Freund, Boris Kauffman, Rudolph Maté entre outros, Schufftan trouxe para Hollywood a sofisticação das artes visuais e do cinema europeus, iniciando uma tradição que dura até hoje. Eugen Schufftan: um mestre da Luz.
(1) Henri Alekan, nosso retratado no Mestres da Luz anterior, foi seu operador de câmera neste filme.
(2) Uma versão restaurada de “The Hustler” foi recentemente lançada em DVD com comentários de Paul Newman e do crítico Richard Schickel.
(3) Rossen, filiado ao partido comunista norte americano, foi boicotado e impedido de trabalhar em Hollywood. Depos na Comissão de atividades anti-americanas presidido pelo senador Joseph Mac Carthy.
Fontes de Pesquisa
Filmografia de Eugen Schufftan :
* http://us.imdb.com/name/nm0005867/
Para uma detalhada explicação sobre a utilização do Efeito Schufftan em Asas do Desejo, leia a entrevista de Henri Alekan
Assista a clipes de Metrópolis e veja a utilização do efeito Schufftan.