Por Luna D’Alama
A última Sessão ABC de 2024 exibiu, no dia 30 de novembro, na Cinemateca Brasileira, o documentário “Vento na Fronteira” (2022), dirigido por Laura Faerman e Marina Weis. O filme foi premiado em importantes festivais internacionais, como o Hot Docs (Canadá) e o Festival Internacional de Durban (África do Sul), além de ter sido um dos três documentários brasileiros a se qualificar para o Oscar 2023. Recebeu, ainda, uma menção honrosa na Mostra Ecofalante em 2023, por “seu trabalho emocionante em mostrar o povo Guarani-Kaiowá lutando por sua ancestralidade e suas terras e o crescente poder político ruralista”.
Após a exibição do longa, que venceu o Prêmio ABC 2024 na categoria de Direção de Fotografia para Documentário, foi realizado um debate com a participação da diretora Laura Faerman, do diretor de fotografia Alziro Barbosa, ABC; do editor e supervisor de som Ricardo Reis, ABC; e do colorista Leandro Lamezi. A mediação foi do associado Bruno Graziano.
Segundo a diretora Laura Faerman, a ideia inicial era realizar um filme histórico sobre os indígenas Guarani-Kaiowá, mas os diretores Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tatiana Almeida acabaram lançando o documentário “Martírio” (2016) com essa mesma proposta. “Pensei, então, no que a gente poderia trazer de novo. Tivemos acesso a pessoas muito fortes, que vivem à beira do risco. E decidimos deixar também o outro lado falar. Foi um processo de encontrar um novo olhar, uma nova perspectiva sobre o tema, até para não repetir o que já havia sido feito”, destacou.
O diretor de fotografia Alziro Barbosa, ABC contou que a questão indígena está próxima dele há quase duas décadas. “Fotografei ‘Serra da Desordem’ (2006), dirigido por Andrea Tonacci, e a partir daí fui convidado para trabalhar em outros documentários sobre povos indígenas. Aprendi a construir o olhar sobre eles, e é a partir do conhecimento e da convivência que você acessa outras camadas”, revelou.
“Vento na Fronteira” também mostra diferentes visões sobre a terra. Enquanto a professora indígena se considera parte da terra, pertencente a ela, a advogada ruralista acredita que o território é propriedade sua e de seus familiares. “Utilizei essas crenças para compor a fotografia. Os indígenas fazem parte do quadro, mas não são o centro, os protagonistas. Além disso, usei muita luz natural e filmei o vento, a chuva e a natureza viva. Já o outro lado aparece centralizado, numa fotografia mais institucional, que tem a cara do poder”, explicou Barbosa.
Além disso, o diretor de fotografia contou que foram captadas imagens muito íntimas dos indígenas, pois a equipe dormia ao lado deles. “Havia uma cumplicidade com os(as) personagens, eles(as) se levantavam de manhã e eu também. Era importante que ficassem à vontade com a nossa presença, com a câmera, para que mostrassem seu cotidiano. A gente tinha que ser meio invisível”, acrescentou.
De acordo com o diretor de fotografia, o processo de filmagens durou entre três e quatro anos. “Fizemos visitas, nos aproximamos do tema, entendemos as pessoas. No documentário, o processo demora mesmo, existe um tempo de amadurecimento. Cerca de dois terços foram gravados com uma câmera Black Magic, com lentes fotográficas. E ganhou o Prêmio ABC de Direção de Fotografia, porque o que mais importa é o nosso olhar, e não a técnica que a gente usa”, ressaltou. Segundo Barbosa, “Vento na Fronteira” foi feito de uma maneira simples, mas com uma ideia, um sentido, uma construção narrativa por trás. “A imagem tem um significado, uma intimidade, busca coisas. Fazer documentário é isso, você pode fazer de forma muito simples. Com esse filme, a gente também ganhou o principal prêmio do continente africano de documentário”, lembrou.
Barbosa afirmou, ainda, que gosta de ter uma visão 360° de tudo o que está acontecendo nas gravações e que, nesse caso, era importante levar apenas o essencial de luzes e equipamentos, o que coubesse numa mochila ou, no máximo, no porta-malas do carro. “Quanto mais leve você está, mais longe e rápido consegue andar. Ser pequeno é também uma escolha. Não precisei de cinco refletores, apenas um foi suficiente. Na ficção, a gente constrói, cria a imagem. No documentário, você treina o olhar”, apontou.
O assistente de direção e colorista Leandro Lamezi complementou: “Com os indígenas, é essa coisa crua, da terra. Daí as escolhas do Alziro de deixar a luz vir da terra, da árvore, do céu. Também não tinha muito equipamento: um pano branco, um pano preto. Nem isopor cabia no carro”. Lamezi disse que, como participou do projeto desde a sua concepção, teve uma visão mais ampla sobre ele, resultado de muita conversa e troca de ideias e conceitos entre a equipe. “É um documentário feito para parecer naturalista, embora tenha escolhas técnicas de lentes e enquadramentos, máscaras e efeitos de pós-produção. Já os ruralistas são retratados de forma mais publicitária”, comparou. Segundo Lamezi, é importante pensar no que uma cena transmite e comunica, pois isso se reflete na tela.
PÓS-PRODUÇÃO
O diretor de fotografia Alziro Barbosa, ABC comentou que também colaborou na montagem, pois conhecia todas as cenas e os planos do documentário. “Trabalhamos por um mês na correção de cor na pós. A gente trabalhou tanto que não aparece. Cada cena, cada plano tem um objetivo. E na pós podemos usar máscaras, escurecer, clarear, dar mais ou menos brilho, deixar mais quente ou frio, etc. Tivemos a preocupação de que a pós-produção não ficasse evidente, mas sutil. É uma ferramenta narrativa, de intenção naturalista. Procuramos trabalhar com a sutileza e a delicadeza em todos os aspectos”, concluiu.
O editor e supervisor de som Ricardo Reis, ABC, que assina o desenho/edição de som e a mixagem de “Vento na Fronteira”, disse que, assim que viu um ou dois cortes do documentário, já começou a desenvolver o desenho de som e a mixagem. “Procurei manter a naturalidade, preservar a língua Guarani. Os chocalhos foram captados com som direto. O som, nesse caso, é um representante da maneira poética como os indígenas entendem a natureza, o vento, a aspereza das folhas. E o filme traz muitas outras questões para além da técnica. É um registro que vira memória”, finalizou.
SINOPSE
No coração do agronegócio brasileiro, no Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai, a professora indígena Alenir Aquino luta pelo direito de sua comunidade Guarani-Kaiowá a terras ancestrais. No lado oposto dessa disputa, está uma advogada herdeira de fazendeiros, com fortes relações com a extrema direita.
Ficha Técnica:
Pesquisa, Roteiro, Direção e Montagem: Laura Faerman e Marina Weis
Cinematografia: Alziro Barbosa, ABC
Consultoria de Montagem: Karen Akerman
Produção Executiva: Luís Ludmer, Julio Matos Lima, Marcelo Félix e Marcinho Zolà
Produção: Luís Ludmer e Rodrigo Díaz Díaz
Controller: Marcelo Félix e Marcinho Zolà
Fotografia Adicional: Marina Weis
Imagens Aéreas: Julio Matos
Assistentes de Câmera: Leandro Lamezi e Vinicius Angotti Guissoni
Som Direto: Fernando Cavalcante, Paulo Seabra e Ubiratan Guidio
Produção de Base: Bruna Schroeder, Carol Alberini e Jean Fichefeux
Produção Local Brasília 2017: Gustavo Vieira
Assistente de Produção: Bruna Prado
Assistente de Montagem: Augusta Gui
Coordenação de Finalização: Lucas Lazarini
Correção de Cor: Leandro Lamezi
Edição de Som e Mixagem: Estúdio Effects Films (Miriam Biderman, ABC e Ricardo Reis, ABC)
Produção de Finalização: Bárbara Sodré
Transcrição: Julia Mattos
Tradução do Guarani: Maria E. Avalos, Leidy Recalde e Derlis Cañiza
Versão para o Inglês: Thaís Teixeira
Tradução e Interpretação de Libras: Rafaella Sessenta
Audiodescrição: Bell Machado (roteiro e narração) e Emmanuelle Alkmin (consultoria)
Arte Gráfica e Design: Lokomotiv Studio e Victor Gorino
Mais informações:
Ano: 2022
Cromia: Colorido
Duração: 1h17
Formato original e de exibição: Digital
País: Brasil
Classificação indicativa: 14 anos