Por Danielle de Noronha
Como é Cruel Viver Assim, quinto longa-metragem da diretora Julia Rezende, conta a história de Vladimir (Marcelo Valle), que está desempregado e perdido na vida. Ele vai entrando em desespero cada vez que escuta sua mulher, Clívia (Fabiula Nascimento), dizer que sonha com uma linda festa de casamento. Eis que surge Regina (Debora Lamm), uma amiga do casal, que propõe um plano: sequestrar seu ex-patrão, riquíssimo.
Regina trabalhou na casa dele quatro anos como babá e sabe de cor todos os detalhes de sua rotina. Então, Vladimir resolve arriscar tudo e acha que essa é sua grande oportunidade de realizar algo grandioso e se sentir respeitado pela primeira vez na vida. Ele convida Primo (Silvio Guindane), um amigo mais enrolado do que ele, para completar o time. Enquanto tomam as providências práticas, revelam-se suas frustrações, ambições e medos.
Entrevistamos o diretor de fotografia Dante Belluti sobre o trabalho no filme.
Quais foram as inspirações para a fotografia do Como é Cruel Viver Assim e como você a descreveria? Houve influência da peça que originou a adaptação para o cinema?
O filme se passa numa realidade crua, suja e marginalizada. Era importante que a fotografia mostrasse isso de forma bem direta. Queríamos verdade na imagem. Nunca pensei para o Cruel uma imagem bela. Ela é até certo ponto estilizada, mas não bela. A beleza não combinaria com os personagens, com a arquitetura desordenada da baixada fluminense, onde filmamos. O filme é carregado de texturas e contrastes, gerando uma imagem incomoda, mas ao mesmo tempo bastante narrativa. A peça não teve influência direta na adaptação para o cinema.
Quais câmeras e lentes utilizou no projeto e por que elas foram escolhidas?
Filmamos com um uma Alexa mini e jogo de Zeiss High Speed 1.3 na janela 2:39. A escolha pelas High Speed foi por conta do tamanho, peso e do visual menos standard da imagem proporcionado pela lente. Pedi ao 1º AC, José Limonge, que montasse a câmera de modo que ela ficasse o mais leve possível.
Foram realizados testes prévios?
Fizemos um dia de testes uma semana antes da filmagem. Levamos os quatro atores (Marcelo Valle, Fabiula Nascimento, Debora Lamm e Silvio Guindane) para a locação principal, junto com a arte (que estava parcialmente pronta), maquiagem e figurino. Na locação ensaiamos e filmamos duas cenas-chave do filme. Fizemos alguns testes quanto a forma de filmar, observamos os atores e seus tempos fora da sala de ensaio. Depois seguimos para Nilópolis (onde tínhamos a maioria das locações), junto com o ator Marcelo Valle, que já havia passado alguns dias em laboratório por lá.
Fizemos uma tarde de free style, passando por vários lugares que filmaríamos. Algumas das imagens mais emblemáticas do filme rodamos no dia do teste. Quando Vladmir, personagem do Marcelo, sai da estação de trem de Nilópolis e sobe uma rua debaixo de chuva, os planos posteriores filmamos semanas depois e tivemos que fazer chuva para colar com os planos que aproveitamos do teste. No dia seguinte fomos para a O2 Rio, junto com o colorista do filme, analisar o material e encontrar o look. Nosso DIT também acompanhou a análise do material para seguir o mesmo caminho no offline. No teste descobrimos que a lente 35mm seria nossa melhor amiga nas próximas semanas. No decorrer dos últimos dias de pré ainda afinamos com a arte, maquiagem e figurino, algumas ideias propostas no teste. Algo do tipo: mais textura aqui, menos cor ali, a pele mais ou menos oleosa.
Você e a diretora Julia Rezende já realizaram diversos projetos juntos. Como foi repetir essa parceria neste filme?
O Cruel foi nosso 5º filme juntos. A Julia gosta de trabalhar sempre com a mesma equipe, então o set é sempre muito amistoso e as pessoas já trabalham juntas há quase 10 anos. Normalmente depois de vermos as locações, passamos duas semanas na produtora lendo o roteiro e decupando. Mas no Cruel ficamos pensando mais na forma e no mood de cada cena do que propriamente na decupagem. Criamos algumas regras para nos forçar a seguir um caminho. A Julia gosta muito de ver o ensaio dos atores no set para aí decidirmos onde vai a câmera. Dessa forma o ensaio se torna um momento sagrado, ali que definimos como vamos aplicar nossas regras. Decidimos que a câmera ou estaria na mão ou no tripé estática. Iríamos privilegiar os planos sequência. Com a lente 35mm faríamos 80% do filme, houve dias na filmagem que não trocamos de lente. O Steadycam foi usado apenas nas cenas de diálogo com os atores andando, onde a câmera na mão daria uma tensão que poderia tirar o interesse dos atores. Decidimos por não ter dolly no caminhão, usamos apenas em dois planos.
Poderia nos falar um pouco sobre a escolha das locações?
No Cruel a Maria Maria Dunham, produtora de locação, fez um incrível trabalho de pesquisa. Começamos a procurar as locações bem antes do início da pré. Vimos muitas opções até encontrar em Nilópolis aquilo que pensávamos para a imagem do filme. Ao decidirmos por Nilópolis, o mood do filme começou a seguir para o caminho que vemos hoje na tela.
Como aconteceu o diálogo do departamento de fotografia com a equipe de arte?
A Marghe Pennacchi é uma diretora de arte muito talentosa. Confio no olhar dela para contar histórias. Batemos na ideia das texturas à flor da pele, tanto na arte quanto na maquiagem e figurino. Falamos muito sobre as practical lights, pois elas de fato iluminariam muitas das cenas. Diversas vezes eu preferia não acrescentar a luz do cinema para ajudar na sensação de realidade e crueza que buscávamos ao filme.
Qual foi sua participação na pós-produção do filme? O que pode nos contar sobre o trabalho de marcação de cor?
Marcamos a luz em duas semanas na O2 Rio com o Fabinho, meu parceiro em outros sete filmes. O Rafael Giuliano (DIT) fez um belo trabalho no offline, marcando a luz bem parecido com o que pretendíamos lá na frente. Muitas vezes o diretor se acostuma com a imagem do offline e na hora de marcar a luz na pós nada agrada diferente daquilo. Dessa forma chegamos no look bem parecido com aquele que encontramos no teste.
Quais serão os seus próximos projetos?
Estou começando a pré de uma série na TV Globo, dirigida pela Patrícia Pedrosa, e no início de 2019 faço o próximo filme da Júlia.
Ficha Técnica
Direção: Julia Rezende
Produção: Mariza Leão e Erica Iootty
Elenco: Marcelo Vale, Fabiula Nascimento, Debora Lam e Silvio Guindane
Roteiro: Fernando Ceylão
Direção de Fotografia: Dante Belluti
Direção de Arte: Marghê Pennachi
Montagem: Maria Rezende
Trilha Sonora original: Berna Ceppas
1º Assistente de Câmera: José Limonge
DIT: Rafael Giuliano
Figurino: Mel Akerman
Maquiagem: Martin Macias Trujillo
Produtor de Finalização Thiago Pimentel
Produção Executiva: Camila Medina
Fotos Making of: Daniel Chiacos