Chico, Artista Brasileiro

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Por Lauro Escorel, ABC

“Chico, Artista Brasileiro” é meu quarto projeto em parceria com o diretor Miguel Faria Jr.

Nossa parceria teve inicio em 1981, quando convidados por Chico Buarque, viajamos a Cuba para documentar a apresentação de um grupo de músicos brasileiros no Festival de Musica de Varadero. Desta viajem resultou o documentário “Ni Muy Muy, Ni Tan Tan” que mescla números musicais com aspectos da vida cubana. O Brasil não mantinha relações diplomáticas com Cuba e fomos talvez a primeira equipe brasileira a filmar por lá.

Voltamos a trabalhar juntos anos depois, e nossa parceria se consolidou com “O Xangô de Baker Street “, que foi seguido do documentário “Vinicius”, sobre Vinicius de Moraes, e agora com este sobre o Chico.

Pela minha lembrança, o desejo do Miguel depois do “Vinicius” era voltar à ficção e durante algum tempo ele considerou a ideia de adaptar o romance “Leite Derramado” do próprio Chico. Foi só quando este projeto não se mostrou viável que surgiu a ideia de se fazer um documentário sobre o Chico.

Nas palavras do próprio Miguel Faria: “Chico, Artista Brasileiro” é como que um desdobramento do “Vinicius”, com a grande diferença do Chico estar vivo”.

Além disso, era preciso lidar com tudo que o Chico representa. Pelo que cantou e canta, Chico faz parte da história de cada um de nós. Era preciso encontrar um recorte do personagem que se diferenciasse dos vários projetos já realizados em torno dele.

Mas para isso contávamos com um grande trunfo, que era a amizade entre Chico e Miguel.

Pré-Produção

As conversas com Miguel sobre o documentário começaram muito antes da fase de pré-produção se iniciar. Ele tem por hábito se aproximar de forma gradativa do projeto e de incorporar desde cedo seus colaboradores mais próximos no processo de criação. Foram vários os encontros que tivemos falando de filmes, testando ideias, amadurecendo o que e como iriamos filmar.

Ao longo dos meses, foi se esboçando o formato desejado por ele. Este previa o próprio Chico como narrador principal do filme, números musicais produzidos especialmente para serem filmados por nós, e isto seria complementado por algumas entrevistas de apoio e diversos materiais de arquivo.

Com estas informações foi possível começar a articular um conceito de trabalho. O primeiro deles, repetindo o “Vinicius “, era de que o tratamento visual do documentário teria os cuidados de um filme de ficção.

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A Entrevista

Ao planejar a entrevista com o Chico consideramos duas questões:

A primeira é que teríamos várias sessões de entrevista, ao longo de toda a produção, de forma a permitir ao Miguel esgotar os assuntos que lhe interessavam. Isto sem perder o clima pessoal que a longa amizade entre entrevistador e entrevistado nos proporcionava.

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A segunda era nossa locação, o apartamento do Chico, ser cercado por janelas, com vistas deslumbrantes do Rio de Janeiro por todos os lados.

Para obter a sensação de proximidade que desejávamos criar entre os espectadores e o Chico, propus que se abrisse mão da paisagem e que a entrevista fosse feita no período da noite. Me pareceu que nada deveria se interpor às palavras do nosso entrevistado. O resto da atmosfera íntima foi alcançado com uma lanterna chinesa, as luzes da casa e com a colocação das câmeras o mais próximo possível, como se elas fossem participantes da conversa que se desenvolveria entre Miguel e Chico. A filmagem noturna também me permitiu obter a continuidade fotográfica das muitas sessões de entrevista, realizadas ao longo de um ano. Foram gravadas aproximadamente 30 horas de material. Para esta parte do projeto utilizamos duas câmeras Sony F55, em 2K Raw. Tivemos também conosco uma Sony NEX-F700 R para alguns pick-ups. Lula Cerri e Maritza Caneca se revezaram na operação da câmera B e fomos assistidos por José Limongi, Ale Dantas e Felipe Ovelha.

Os Números Musicais

Para a filmagem dos números musicais retomamos a parceria com Marcos Flaksman e Marilia Carneiro, diretor de arte e figurinista do “Vinicius”.  Logo nos nossos primeiros encontros preparatórios desta fase, Miguel expressou sua vontade de que tivéssemos um cenário minimalista. Chegando a comentar conosco aspectos de alguns dos trabalhos musicais do Carlos Saura.

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A partir destas conversas, Marcos elaborou a proposta de um cenário composto por painéis translúcidos, em módulos de vários tamanhos, que poderiam ser dispostos e iluminados de maneiras diferentes a cada música (primeiro esboço acima).

A partir do momento em que Miguel nos apresentou a lista das músicas que iríamos gravar, Marcos e eu nos reunimos para planejar as diferentes montagens do cenário. Destes esboços foram desenhadas as plantas de cada montagem de acordo com o palco da Cidade da Musica, RJ, que foi onde estas cenas foram registradas. A partir das plantas baixas e do Ryder pude realizar um trabalho de pré-visualização em 3D de cada numero musical, e programar a mesa de luz com todas as luzes e efeitos que planejamos. Este software foi da maior importância tanto para a concepção da luz do show como para economizar tempo de montagem. Neste trabalho contei com a experiência e parceria dos lighting designers Cesar Ramirez e Samuel Betts. O trabalho de iluminação mobilizou equipes do teatro e de cinema, pois combinamos luz de show com luz de cinema. Com Marcos elegemos cores para cada música e pequenas mudanças de cor ao longo de alguns números. Mondrian foi uma referência neste trabalho e está diretamente representado no número em que a cantora Carminho canta “Sábia”. Nos valemos também, de forma combinada com o jogo de luzes, de projeções de imagens produzidas por nós.

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Filmagem

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A filmagem se valeu de uma aproximação minimalista na forma de filmar os números musicais. O objetivo era valorizar as músicas, as palavras, os intérpretes. Os números realizados para o filme foram gravados ao vivo, sem playback, sob responsabilidade dos técnicos da gravadora Biscoito Fino, em consonância com nosso técnico de som, Bruno Fernandes. Partimos do princípio que a câmera principal deveria poder dar conta de cobrir toda uma música. As outras duas câmeras seriam utilizadas como coberturas para momentos específicos. A proposta foi possibilitar uma imersão do espectador, através de planos longos, evitando cortes sucessivos tão comuns em musicais registrados com múltiplas câmeras. Com Miguel fomos decidindo o tratamento de câmera de cada música. Dolly, câmera na mão, steadicam foram utilizados como câmera principal. As outras duas câmeras faziam as coberturas estrategicamente colocadas de modo a não interferir no plano master. Eti Pena foi nosso operador de steadicam. Alexandre Ramos e Maritza Caneca operaram as câmeras extras. Buscando diferenciar esta parte do filme das demais filmamos as músicas com câmeras 2 Arri Alexa XT e 1 Sony F55.

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Pós-Produção

O workflow do projeto foi estabelecido no início da filmagem com nosso finalizador Marcelo Pedrazzi e a montadora Diana Vasconcellos. Um projeto como este, que combina materiais tão diversos, torna obrigatória a necessidade de antecipar todas as etapas do trabalho. A textura das imagens de arquivo, localizadas pelo pesquisador Antônio Venâncio, precisavam ser combinadas com as que eu filmaria. À medida em que Diana e Miguel avançavam na edição do documentário, me colocaram a questão de como materiais tão diferentes iriam funcionar quando juntos. O fluxo visual seria afetado? Seria possível combinar texturas tão diferentes?

Entrevista principal, números musicais, entrevistas com os amigos e inúmeros materiais de arquivo precisavam ser articulados. Era chegada a hora da colaboração de mais um inestimável parceiro do “Vinicius”, o colorista Sérgio Pascualino. A correção de cores feita com ele nos permitiu encontrar a textura certa para cada tipo de imagem. Nem sempre se tratava só de aproximar materiais. Às vezes queríamos diferenciar texturas e para isso sua experiência foi fundamental. Na cena do encontro entre Chico e os netos por exemplo, filmada com a câmera Sony NEX-F700 R, em ultra HD, optamos por degradar a imagem para ficar parecendo um velho filme familiar em super 8mm.

A imagem das entrevistas com os amigos teve sua saturação, contraste e brilho tratados de forma a se diferenciar da entrevista principal. O equilíbrio da entrevista do Chico com todo o resto do material foi bem mais complexo do que imaginamos a princípio. As imagens de arquivo eram muito variadas. Havia materiais em diferentes mídias, filme e vídeo, a cores e em P&B. Conforme a cena que vinha antes de cada entrada do Chico, nossos olhos respondiam de forma diferente. Algumas imagens como os números musicais fotografados em 16mm, por Pedro Farkas para o documentário “Certas Palavras”, estavam impecáveis, outros exigiram bastante manipulação das suas cores. Vale lembrar ainda que a viagem de Chico a Berlin foi filmada por nosso produtor Caíque Ferreira e Maritza Caneca foi responsável pela fotografia adicional de entrevistas que eu não pude realizar.

O filme foi finalizado em 2K e seu lançamento foi todo realizado em DCP. Já havíamos considerado esta possibilidade no “Vinicius”, mas naquela época ainda não existia um circuito digital completamente instalado no país e fomos obrigados a apresentar o filme em película. De modo geral, as projeções do filme me deixaram muito satisfeito.

São raros projetos como este, em que nossa história se mistura com a do filme. Entre as cenas de arquivo utilizadas do Chico, podemos ver trechos de “Quando o Carnaval Chegar” (1972), no qual eu era assistente de fotografia do Dib Lutfi. Também estão as cenas do documentário que fizemos em Cuba e mais recentemente Chico e Edu Lobo cantando no show comemorativo dos 70 anos do Edu, que eu iluminei e fotografei o DVD. Este foi um filme realizado entre amigos e colaboradores próximos. É muito bom filmar assim.

O documentário “Chico – Artista Brasileiro” ainda está em cartaz. Assista ao trailer:

Fotos: Zeca Guimarães

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