Um breve panorama do cinema colorido no Brasil

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Por Carlos Eduardo Mendes de A. Couto[1]

Introdução

Iremos, neste artigo, apresentar um panorama do desenvolvimento do cinema em cores no Brasil, desde o período do cinema silencioso e seus métodos manuais de colorização à época atual com suas tecnologias digitais de grading.

Aqui, nosso fio condutor será a excelente pesquisa de Natália de Castro Soares sobre a cor no cinema mudo, A cor no cinema silencioso do Brasil (1913-1931); os verbetes Cor e Laboratório, escritos por Hernani Heffner para a Enciclopédia do Cinema Brasileiro, a obra de Paulo Schettino, Diálogos sobre a tecnologia do cinema brasileiro, e também artigos em revistas, páginas da internet, além das entrevistas realizadas para nossa dissertação de mestrado.

Assim como Natália Castro (2014), iremos considerar como filmes coloridos aqueles cuja imagem exibida possui alguma cor, obtida pelas diversas técnicas existentes e aperfeiçoadas ao longo do tempo, sejam a pintura a mão, estêncil, tingimento, viragem, síntese aditiva, sejam subtrativa de cores, captura em negativos coloridos ou pela captação digital.

É importante ressaltar que o cinema herdou de outros meios as técnicas de colorização utilizadas e o costume do público de assistir determinadas imagens coloridas. Na virada do século XX eram comuns as projeções de fotografias e pequenos filmes coloridos em teatros ou outros recintos. A passagem para a cor não representou uma ruptura, uma vez que essas formas de entretenimento – as fotografias coloridas, o estereoscópio e a lanterna mágica – já existiam e continuaram existindo junto com o cinema (CASTRO, 2014, p. 55).

Os primeiros anos

O desenvolvimento do cinema colorido brasileiro ocorreu com atraso em relação aos Estados Unidos e à Europa, particularmente a França. As técnicas utilizadas em território nacional naquela época se mostraram precárias ou de baixa qualidade se comparados àquelas estrangeiras. Ao longo da história, o Brasil tanto exportou filmes para serem colorizados no exterior quanto importou técnicas de colorização manuais, métodos de tintagem e viragem, sistemas aditivos e subtrativos diversos, assim como tecnologias eletrônicas e digitais dos grandes centros.

De acordo com Hernani Heffner (2000, p. 314), os requisitos técnicos para a criação e manutenção dos primeiros laboratórios cinematográficos eram muito simples, permitindo o estabelecimento de laboratórios caseiros. Os primeiros profissionais do cinema brasileiro tinham formação fotográfica o que permitiu a adaptação de processos e equipamentos similares para a revelação e copiagem de material cinematográfico.

O primeiro laboratório cinematográfico brasileiro foi instalado pela empresa Paschoal Segreto, do diretor de fotografia Afonso Segreto, em 1898, localizado na cidade de Petrópolis. Posteriormente, o pequeno laboratório transfere-se para o Rio de Janeiro, utilizando os equipamentos para a revelação fotográfica, como um quarto escuro e a própria câmera de filmar como copiadora (cf. HEFFNER, 2000, p. 314).

Castro (2014, p. 59) afirma que na imprensa brasileira existem registros de filmes coloridos em anúncios de compra, venda ou mesmo de sessões cinematográficas desde 1897. Muitos dos filmes nacionais e estrangeiros, em exibição, eram apresentados como “coloridos”, mesmo eles sendo preto e branco. O “colorido” aqui funcionava como um adjetivo para se referir a algo interessante, diferente, ou que chamasse atenção. Já os filmes realmente coloridos não possuíam especificação da técnica de colorização. Dentre os anúncios citados pela autora, apenas dois mencionam a viragem como técnica utilizada. Em A Imprensa, em 28/071908, é anunciado Othelo, “fita dramática, de magnéticas e encantadoras viragens” (A IMPRENSA, 1908 apud CASTRO, 2014, p.59) e em A Província, em 31/01/1909, onde lê-se “Simphonya. O magnetizador, filme muito original, um mimo de fotografia, lindas viragens, sucesso” (A PROVÍNCIA, 1909 apud CASTRO, 2014, p.59).

Em 1907, o fotógrafo Marc Ferrez estabelece contatos comerciais com Charles Pathé, obtendo, no ano seguinte, a representação exclusiva do fornecimento de fitas e equipamentos da companhia francesa no Brasil. A partir de 1908, a família Ferrez, já proprietária dos cinemas Pathé Palace e o Cine Pathé, passa a enviar materiais produzidos no Brasil para serem colorizados na capital francesa, na empresa de Pathé, que se destacava pelo desenvolvimento de diversas técnicas de colorização. Um desses filmes foi A Mala Sinistra (Antônio Leal, 1908), uma coprodução entre Labanca, Leal e Cia, Photo-Cinematographica Brasileira, e que terminava, de acordo com a imprensa da época, em uma “apoteose colorida” (HEFFNER, 2000, p. 153).

Na década de 1910, inicia-se a padronização dos trabalhos técnicos de laboratório, estabelecida por profissionais da época como o cineasta e diretor de fotografia Alberto Botelho e por Luiz de Barros, que introduz o copiador e o densitômetro da marca Lobel no país, conseguindo então um controle de densidade e uma marcação de luz mais apurados (HEFFNER, 2000, p. 314).

Na mesma época, Francisco de Almeida Fleming, cineasta nascido na cidade de Ouro Fino, sul de Minas, inicia suas experimentações no cinema. Sua paixão pelo cinema começou aos 10 anos, quando assistiu a um filme na sala de exibição de seus irmãos, proprietários da Empresa Almeida & Cia., que administravam salas de exibição na cidade de Pouso Alegre. A partir dessa data, comprou uma câmera e deu início às atividades da América Filmes. Fleming rodou mais de 100 filmes, em sua maioria colorizados à mão, como Noite de São João (1920) (HEFFNER, 2000, p. 153).

Já na década de 1920, a maior parte dos filmes brasileiros incorporou as viragens, apesar das dificuldades iniciais na manipulação dos banhos. Duas empresas se destacaram com essa técnica. Uma delas, a Independencia Omnia Film, dos irmãos José e Paulo Menotti Del Picchia e Armando Pamplona, que produziram Vício e Beleza (Antônio Tibiriçá, 1926) e Fogo de Palha (Joaquim Canuto, 1926). A outra era a Benedetti Film, criada pelo cineasta Paulo Benedetti, que produziu, dentre outros filmes, Braza Dormida (Humberto Mauro, 1928) e Barro Humano (Adhemar Gonzaga, 1929). Houve um aprimoramento na imagem destes dois últimos filmes em decorrência do trabalho do fotógrafo Edgar Brasil e da manipulação dos negativos feita por Paolo Benedetti (HEFFNER, 2000, p. 153).

Paolo Benedetti teria realizado mais experimentos com filmes coloridos usando um processo de síntese aditiva, com filtros na filmagem e na projeção, adaptado do sistema kinemacolor inglês. A qualidade do material teria surpreendido os poucos espectadores do filme, como o crítico de cinema da época, Pedro Lima, que elogiou o realismo alcançado, a nitidez das cores e a definição da imagem. Benedetti realiza ainda um conjunto de filmes sobre a cidade do Rio de Janeiro, entre 1938 e 1942, que atinge uma qualidade de imagem similar ao das películas coloridas estrangeiras em exibição naquela época (HEFFNER, 2000, p. 153).

A diversificação dos métodos de cor

A partir da década de 1920, houve um crescimento no número de laboratórios, com a introdução de máquinas, uma maior utilização de máquinas em substituição ao trabalho manual e aos teares e a pluralização dos métodos de obtenção de cor. A passagem para o filme sonoro torna necessária a importação de novos equipamentos e o desmantelamento dos pequenos laboratórios como os de Botelho Film e da Fan Film (HEFFNER, 2000, p. 314).

Heffner (2000, p. 314) aponta como um importante marco no desenvolvimento e atualização tecnológica dos laboratórios brasileiros a vinda dos fotógrafos e laboratoristas húngaros Adalberto Kemey e Rudolf Lustig, em 1926. Os dois profissionais adquirem o laboratório da Independência Omni Film em 1928 e o transformam em Laboratórios Rex, onde implantam métodos mais científicos de trabalhos, com controle de tempo e temperatura, buscando melhores parâmetros técnicos de processamento e revelação. O avanço na qualidade dos serviços e equipamentos apresentados pelo Laboratório Rex não tem repercussão imediata, levando quase 20 anos para que seus investimentos sejam aceitos no mercado, estabelecendo a Rex como um dos melhores laboratórios do país na fase do cinema preto e branco (HEFFNER, 2000, p. 314).

Nos anos 30, é inaugurada a Cinédia S.A., por Adhemar Gonzaga, que investe alto em equipamentos de revelação e cópia. Adquire uma máquina reveladora Multiplex, da francesa DeBric, para revelação contínua, eliminando a partir disto as flutuações e ondulações na imagem provocadas por teares ainda manuais, e uma copiadora Matipo, também da DeBric, mais precisos na marcação de luz (HEFFNER, 2000, p. 314).

Fora do Brasil, os sistemas de síntese substrativos, como o Technicolor III, começam a fazer sucesso. O produtor norte-americano Wallace Downey convence o diretor Adhemar Gonzaga a importar dos Estados Unidos um processo similar e mais acessível, o Cinecolor, que utilizava um método bicromático, de duas emulsões, para ser utilizado no final da obra Alô, Alô, Carnaval (Adhemar Gonzaga, 1936) (HEFFNER, 2000, p. 153).

Após a separação da dupla, Downey adquire os equipamentos de filmagem e as películas que são empregados no filme João Ninguém (Mesquitinha, 1936). Nesta obra há uma sequência de sonho do personagem principal, também interpretado por Mesquitinha, que é realizada em cores. É importante ressaltar aqui que essa alternância entre realidade/preto e branco e sonho/colorido chegou aos cinemas brasileiros antes de outro famoso filme que utilizava essa técnica, O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, Victor Fleming, 1939). De acordo Heffner, tradicionalmente considera-se esse trecho a primeira utilização da cor no cinema brasileiro (HEFFNER, 2000, p. 153).

Em 1936, sob o governo de Getúlio Vargas, foi o criado o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), com o objetivo de criar uma “imagem” para o Brasil, assim como outras instituições, como Museu nacional de Belas-Artes e o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN). O INCE produzia filmes sobre cidades históricas, personagens da história nacional e eventos oficiais do governo e sobre atividades da ciência no país. Foram produzidos filmes de divulgação de pesquisas científicas e filmes de apoio às disciplinas regulares das escolas.

O INCE teve como um de seus realizadores o cineasta Humberto Mauro, nascido em Cataguases (MG), que produziu pelo instituto diversos curtas e médias-metragens que carregam sua visão pessoal. Desde o início da produção, Mauro buscou maneiras de tornar os filmes educativos mais prazerosos e palatáveis ao público. O diretor realizou pelo INCE o primeiro filme inteiramente colorido apresentado ao público, ainda que fora do circuito comercial, Orchídeas (1937), utilizando um negativo Kodachrome (HEFFNER, 2000, p. 153).

Quando participa do Festival de Veneza de 1938, Mauro provavelmente tem contato com o Dufaycolor, um processo híbrido inglês no qual a película preto e branco utiliza os filtros RGB em forma de retícula que é capaz de adicionar as cores na formação da imagem na tela, e recomenda o uso no em produções brasileiras. O diretor de fotografia Manoel Ribeiro faz alguns testes com o Dufaycolor e seu negativo reversível de 16 mm em três obras: Jardim Zoológico do Rio de Janeiro (1939), Dia da Pátria (1939) e Parada da Mocidade e da Raça (1939). Humberto Mauro e Eduardo McClure produzem entre 1940 e 1944 uma série de títulos médicos utilizando o Dufaycolor, como Técnica de Autópsia em Anatomia Patológica (1941) e Extrofia de Bexiga (1941) (HEFFNER, 2000, p. 153).

Na década de 1940 são inaugurados os laboratórios da Atlântida e o da Cinegráfica São Luiz. Segundo Heffner (2000, p. 314), ambas as empresas são criticadas pelo desprezo com normas de trabalho, pela baixa qualidade dos produtos químicos e pelos péssimos resultados finais: uma imagem sem relevo, opaca, com variações bruscas de luz e sujeira e o som abafado e distorcido.

Nessa época acontece uma diversificação de empreendimentos no cinema brasileiro, em dois caminhos distintos. Um deles seria a criação de grandes e modernos estúdios, com o objetivo de alcançar um padrão internacional de produção, como os estúdios paulistas da Vera Cruz e da Maristela. Outro, o surgimento de produtores independentes e empresas prestadoras de serviços, que forneciam a infraestrutura de produção e finalização, sem visar uma produção própria (HEFFNER apud MELO, 2015). Neste último caso se enquadra a Companhia Industrial Cinematográfica.

A Companhia Industrial Cinematográfica é fundada em 31 de outubro de 1947 pelos engenheiros de som franceses Mathieu Adolphe Bonfanti e Paul Alphonse Duvergé, por Luiz de Barros e pela cantora lírica Gabriela Besanzoni Lage, que logo sai da sociedade. A CIC inaugurou um moderno estúdio de som e laboratório, oferecendo um sistema de aluguel/hora, com serviços de montagem, edição de som, dublagem, gravação de trilha musical e mixagem (HEFFNER apud MELO, 2015). A empresa implementa testes com películas, buscando uma melhor qualidade da imagem. Abre-se a possibilidade de tratamentos com texturas mais “sujas”, com maior latitude entre as altas e baixas luzes e admissão de luzes estouradas, como vemos no preto e branco de Rio, 40 graus (Nelson Pereira dos Santos, 1955). A destruição de suas instalações por incêndio em 1957 levou ao fechamento da empresa (HEFFNER, 2000, p. 315).

Em 1944, José Augusto Rodrigues fundou o Laboratório Odeon, no prédio do Cine Odeon, na Cinelândia, dedicado a trabalhos pequenos. Depois, em 1954, a empresa se mudou para um casarão em Botafogo (RJ) e foi rebatizada como Líder Cine Laboratórios. O fechamento da CIC e a primeira lei que obriga a copiagem de filmes estrangeiros no Brasil abrem caminho para a ascensão comercial da Líder Cine Laboratório nos anos seguintes (HEFFNER, 2000, p. 315).

Em São Paulo, é formada em 19 de setembro de 1952 a produtora paulista Multifilmes por um grupo de empresários ligados originalmente a empreendimentos nas áreas de tecido, papéis, mecânica e a área financeira. O produtor geral nomeado para administrar a produtora foi o italiano Mário Civelli. O escritório central foi instalado na rua Martim Francisco, em São Paul, e os estúdios município vizinho de Mairiporã, onde ocupavam um terreno de 50 mil metros quadrados (SOUZA, 2000, p. 392).

Em 1953, a empresa lança comercialmente o primeiro longa-metragem brasileiro em 35 mm filmado em um processo substrativo de cor, o melodrama Destino em Apuros, dirigido por Ernesto Remani e com fotografia de H. B. Corel, que utilizaram o sistema o Ancoscolor. Os negativos precisaram ser revelados no laboratório americano Houston Color, que resultou em um aumento do custo da obra. O custo final da produção chegou a 6 milhões de cruzeiros e passou do orçamento determinado pelo próprio estúdio. Quando lançado nos cinemas, as cores do filme receberam críticas negativas por parte da imprensa: o colorido foi considerado de má qualidade, sendo considerado um borrão. A obra não obteve um bom retorno de bilheteria e a Multifilmes não conseguiu recuperar o dinheiro investido (HEFFNER, 2000, p. 153-154).

A partir da década de 1950, outros sistemas de cor passam a ser utilizados no Brasil. O diretor argentino Carlos Hugo Christensen passa a morar no Rio de Janeiro e retrata a cidade de maneira carinhosa, realizando, entre 1958 e 1965, uma série de comédias e aventuras românticas ambientadas nas paisagens locais. Para tanto, utiliza em muitos filmes um sistema Agfacolor, da alemã Agfa, obtendo uma melhor qualidade na definição e composição da imagem. Como disse Marcelo Miranda (2015), os títulos dos filmes denotavam aquilo que Christensen buscava: Meus Amores no Rio (1958), Matemática Zero… Amor Dez (1960), Amor para Três (1960), Esse Rio que Eu Amo (1962) e Crônica da Cidade Amada (1965) (MIRANDA, 2015).

Nas décadas de 1950 e 1960, dois novos elementos facilitaram a produção de filmes em cores no Brasil. Um deles, a popularização do negativo Eastman Kodak no cinema nacional, que já dominava as produções estrangeiras e oferecia uma boa qualidade de imagem. Outro fator foi o investimento do laboratório Rex em novas tecnologias de cor. A empresa introduziu a revelação em cores em 1956, voltada, inicialmente, aos filmes publicitários. O laboratório também instala equipamentos da marca alemã ARRI, necessários para o desenvolvimento do cinema em cores no Brasil. O primeiro filme a utilizar a tecnologia alemã foi A Morte Comanda o Cangaço (1961), dirigido por Carlos Coimbra e considerado por Heffner (p.154) o marco da nacionalização do processo de cor. O filme apresenta, em cores fortes e planos gerais e abertos, o sertão nordestino, a caatinga e seus majestosos monólitos.

Entretanto, poucos filmes são realizados em cores devido aos altos custos de filmagem, revelação e processamento, o que não possibilitava um retorno comercial. O mercado fica reservado para grandes produções como Madona de Cedro (1968)de Carlos Coimbra, as realizações de Carlos Hugo Christensen, algumas comédias de Mazzaropi e filmes de ciclo de cangaço, como Lampião, Rei do Cangaço (Carlos Coimbra, 1964) e Maria Bonita, Rainha do Cangaço (Miguel Borges, 1968) (HEFFNER, 2000, p. 154).

Heffner relata que os cineastas do Cinema Novo também se mantiveram longe das cores por motivos estéticos e financeiros. Um dos primeiros diretores do grupo que se aventurou na cor foi Arnaldo Jabor, que realizou seu curta-metragem O Circo (1965) na Líder Laboratórios. O filme, contudo, teve problemas no processamento e apresentou cores com baixa qualidade (HEFFNER, 2000, p. 154).

É importante destacar o trabalho do diretor Glauber Rocha e do fotógrafo Affonso Beato, que buscam uma nova estilística visual em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha, 1969), uma espécie de colorido tropical, que ficou conhecido como “Tropicolor”. Usava-se a cor para ressaltar e afirmar uma realidade, no caso o sertão baiano, e se caracterizava pelo alto contraste e elevada saturação. De acordo com Beato:

Não havia recursos. E isso fazia com que a densidade das cores ficasse muito alta e havia uma saturação, que era o que a gente queria das cores primárias. E isso tudo era meio combinado com o desenho de arte, cores, vestidos, onde houve uma interferência estética (BEATO apud RIBEIRO, 2014, p.05).

Essa característica visual será abordada em outros filmes da fase tropicalista do cinema brasileiro, no final da década de 1960. Em Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), o fotógrafo italiano Guido Cosulich explora as características cromáticas consagradas pela pintura modernista e alcança cores ainda mais quentes e saturadas.

No final da década de 1960 e início da década de 1970, há uma maior produção de filmes coloridos. Rodolfo Neder (1969, p. 49) afirma que, em 1968, quase duas dezenas de produções cinematográficas são coloridas. Essa movimentação em direção à cor ocorre devido a dois fatores. Um deles, a entrada em funcionamento da unidade paulistana dos laboratórios Líder, que recebeu grandes investimentos e ficou responsável pela manipulação das obras cinematográficas em cor, enquanto o Rio de Janeiro trabalharia apenas com o preto e branco. O diálogo entre Paulo Schettino e Zaíra Rodrigues, filha do empresário José Augusto Rodrigues, proprietário da Líder, explica como foi a entrada do laboratório em São Paulo:

P – A Líder Rio entra no mercado de cinema de São Paulo adquirindo a Policrom, um laboratório pequeno no Bixiga que já estava trabalhando com cores.

Z – Certo, apesar do meu pai querer fazer um laboratório mais moderno. Então contratou químicos que foram para lá aumentar o laboratório, na 13 de Maio, e foi um período duro já que a Rex existia, era um bom laboratório e também fazia colorido (RODRIGUES apud SCHETTINO, 2007, p. 247).

Outro fator foi o início das transmissões em cores para televisão no Brasil. Schettino, na mesma entrevista com Zaíra Rodrigues, relata que:

P – Na realidade, quem puxa o avanço é a demanda da televisão. Quando o cinema publicitário em São Paulo ficou forte, produzia centenas de comerciais, o volume era imenso, e quando a televisão a cores é implantada no Brasil o laboratório tinha que ter uma qualidade profissional para cores. Uma outra coisa que a gente sempre tem que ter em mente quando se trabalha com o lado industrial do cinema, o cinema como indústria, se você faz um lançamento com cinquenta cópias, elas devem ser iguais, e só se consegue cópias iguais se houver um controle rígido de qualidade. Isso, acredito, pressupõe o carinho com que o sr. Rodrigues investiu nessa área de tecnologia (SCHETTINO, 2007, p. 248).

A empresa fez grandes investimentos em sua filial paulistana. Ainda de acordo com Neder (1969, p. 49), a Líder adquire novas máquinas ARRI, totalmente automáticas, que revelam 2.500 metros (negativos e positivos) por hora, copiadoras Geyer, para a síntese substrativa de 20.000 metros de película em cada dez horas de trabalho, além de novas máquinas para processar filmes de 16 e 35 milímetros, reduzindo ou ampliando os negativos. Pouco tempo depois, em 1972, o faturamento da Líder permitiu que ela absorvesse o Laboratório Rex. Em 1974, a Líder Rio se mudou para uma nova sede, em Vila Isabel, e continuou crescendo e dominando o mercado.

Vale mencionar uma crítica negativa às cores do cinema nacional na revista Filme e Cultura. Para Jaime Rodrigues, autor do artigo, até aquela época não havia um verdadeiro tratamento cromático nos filmes brasileiros e a cor seria apenas um elemento acessório. Ainda de acordo com Rodrigues, a falta da qualidade das cores refletia um problema mais grave e histórico: a precariedade da infraestrutura técnica, amadorismo profissional e a supervalorização das viabilidades, conflitos de interesse e a influência estrangeira na política cinematográfica local.

O filme colorido brasileiro de hoje se coloca no nível da mercadoria de liquidação, da mercadoria de baixa rotação de estoque que, para ser consumida, necessita de apelos (para usar a expressão correta), de merchandising para circular. […] A cor, no cinema brasileiro, é uma tentativa de sobrepor às indefinições legais, um veículo de apelo popular (RODRIGUES, 1970, p. 7-9).

Nas décadas de década de 1970 e 1980, os laboratórios Líder ainda mantêm o domínio do mercado cinematográfico. Surge também uma nova geração de negativos EXR[2] da Kodak que permite novas latitudes de cor, uma melhor definição nas altas luzes, boas passagens entre baixas e altas luzes e filmagem em condições precárias e são utilizados com frequência no Brasil. Atinge-se na década de 1980 o domínio da filmagem, do processamento e tratamento dos filmes em cor no Brasil (HEFFNER, 2000, p. 154).

As técnicas eletrônicas e digitais

Nos anos 1980 e 1990 novos laboratórios e estúdios iniciam seus trabalhos, como a New Vision. Os primeiros telecines são adquiridos e o tratamento das cores passa a ser eletrônico. De acordo com o colorista Marco Oliveira, os telecines da época já eram compostos por um scanner, mesas de correção de cor, equipamento de amplificação de sinal, VTs e monitores, que formavam um conjunto de máquinas extremamente caras e “como era um investimento muito alto, eram poucas casas (de pós-produção) que existiam no Brasil. E a correção era basicamente para publicidade”, ressalta Oliveira (apud COUTO, 2017).

Outro profissional da imagem que estava presente nesse período de transição, Gigio Pelosi, relembra que o cinema acabou seguindo o fluxo natural da mudança de plataformas. Na época, trabalhava-se com película, telecine dos mais avançados, como nos grandes centros de cinema. “Lógico que em uma quantidade e em uma escala muito menor e talvez com uma deficiência pequena, mas não relevante, do aparelhamento do parque tecnológico”, ressalta Pelosi (apud COUTO, 2017).

De acordo com o colorista Ely Silva (apud COUTO, 2017), a produtora New Vision foi uma das precursoras do processo de pós-produção no Brasil, criando um método chamado pela empresa de CineVT e trazendo para o mercado brasileiro o primeiro telecine profissional de pós-produção, da marca Ursa, na metade da década de 1980. Silva ainda recorda que

Todos os formatos de trabalho, linguagem, estética, conhecimento e adaptação técnica dessa nova linguagem e forma de trabalho tiveram que ser criados. Foi um período de muitos processos empíricos experimentais. Assim foi o começo. Os primeiros estudos foram dentro de um laboratório cinematográfico que se chamava Líder Cinematográfica, que foram estudos em relação à forma de correção de cor física nas películas (SILVA, 2017).

Na década de 1990, há o estabelecimento de grandes casas de pós-produção, que também possuíam laboratórios de revelação e processamento de películas, como os Estúdios Mega (1994) e a Teleimage (1998). Assim como na época da introdução dos telecines no mercado, a publicidade foi o setor do audiovisual que possuía os recursos para o investimento em parques tecnológicos digitais. O cinema brasileiro acabou herdando do setor publicitário toda essa sofisticada estrutura de processamento de cor.

Em 1998, o tradicional laboratório Líder ganha um novo investidor, Wilson Borges, que saldou dívidas, adquiriu novos equipamentos e mudou o nome da empresa para LaboCine, buscando sobrevida no início do cinema digital brasileiro. Embora tenha investido na digitalização dos sistemas, em animações computadorizadas e na restauração de filmes, como Alô, Alô, Carnaval (Adhemar Gonzaga, 1936), Aviso aos navegantes (Watson Macedo, 1950) e Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), a Labocine fecha as portas em 2015. A então presidente da Labo, Silvia Rabello, explica um dos motivos do fechamento:

O problema é que 95% do faturamento vinham das cópias em película, e o restante do trabalho de pós-produção dos filmes. Como quase não há filmes em película sendo feitos, ficou inviável manter a empresa desse tamanho (RABELLO apud MIRANDA, 2016).

Mais recentemente, acontece o que Blasiis (apud COUTO, 2017) chama de tripla transição, ou seja, a passagem da captação, da pós-produção e da exibição para o sistema digital. A primeira etapa a realizar transição foi a pós-produção. Ou seja: a captação ainda era realizada em película, que era transferida via scanner para formatos digitais e finalizada em digital, posteriormente, retomava para película, via transfer, para exibição. Com o tempo, a captação e a exibição fizeram a transição para o digital quase que simultaneamente. O Brasil consegue enfim chegar em um nível técnico compatível com aquele dos grandes centros.

Bibliografia

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[1] Doutorando e mestre em Artes, Cultura e Linguagens pela UFJF. Contato: [email protected]

[2] https://www.kodak.com/uploadedfiles/motion/5293_ti1945.pdf

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