HDR nas produções publicitárias brasileiras

Diretor de fotografia Felipe Hermini escreve sobre uso do padrão em campanhas
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Fazenda com plantação de batatas em Vargem Grande do Sul (SP), onde foi gravada publicidade da marca Lay’s. Foto: Rodrigo Bodstein

Por Felipe Hermini

O uso da tecnologia HDR (High Dynamic Range, ou Alto Alcance Dinâmico, em português) nas produções audiovisuais é relativamente novo no Brasil. Esse recurso, que permite reproduzir uma gama mais ampla de cores e luminância – ou seja, uma maior riqueza de detalhes em cenas claras e escuras (com maior aproveitamento da latitude das câmeras), além de cores mais vibrantes e precisas –, oferece uma experiência visual mais imersiva dentro da atmosfera criada.   

Para grande parte dos produtores nacionais, a captação de imagens em HDR ainda representa um desafio técnico. Porém, o Brasil está vivendo um momento de grande crescimento dessa tecnologia. Cada vez mais TVs, smartphones, tablets e notebooks estão sendo lançados com suporte ao HDR, a preços mais acessíveis. Em paralelo, plataformas de streaming (como Netflix, Amazon Prime Video e Disney+), redes sociais (como YouTube, Instagram, Facebook e Tik Tok), sites de compartilhamento de vídeos (como Vimeo), além de inúmeros games, em diversos suportes, estão oferecendo cada vez mais conteúdo em HDR. Emissoras de TV também estão em fase de transição para esse formato e, em breve, os telespectadores brasileiros poderão assistir a seus programas favoritos finalizados nesse padrão. 

À medida que mais consumidores adquirem TVs e outros dispositivos compatíveis com HDR, aumenta a demanda do público por imagens de alta qualidade, e cresce também o uso dessa tecnologia em produções publicitárias. Capturar mais detalhes em uma cena e dar aos espectadores, no resultado final, uma sensação de profundidade e realismo podem ajudar as marcas a se destacarem visualmente da concorrência.

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Em primeiro plano, à direita: o diretor Marlon Klug (de boné cinza) na operação de câmera, Felipe Hermini (de boné azul) na direção de fotografia, e Keller KDG (de pulseira azul) como primeiro assistente de câmera. Atrás deles, 1º assistente de maquinaria, Reinaldo Chijo, e o primeiro AD, Vitor Moreno (de óculos escuros). À esquerda, com o visor de contraste e boné preto, o gaffer Marcelo Marujo “Melão”. Foto: @ocaragenteboa.rec

Recentemente, convidei a equipe da Nits.Lab a gravar um material publicitário inteiramente em HDR. Já havia desenvolvido alguns trabalhos em conjunto com a Nits e, por meio do diretor de cena Marlon Klug, aproximei também a Fantástica Filmes, produtora da qual Klug é sócio. A proposta era uma campanha da AlmapBBDO para o cliente Lay’s, que seria gravado em Vargem Grande do Sul, no interior de São Paulo, no meio de uma plantação de batatas.

Durante a visita técnica, o ambiente de fazenda e a necessidade de controle de luz trouxeram algumas reflexões, e logo percebi os objetivos do projeto e suas dificuldades. A intenção era buscar o maior naturalismo possível, com cinco personagens que eram fazendeiros(as) reais. Por conta disso, precisei optar por uma forma de lidar com o sol que não importasse o horário do dia. Um caminho seria trabalhar com menos intervenção técnica de luz, apenas rebatendo e negativando o sol sem grandes fontes de iluminação, e utilizando a monitoração HDR para poder mostrar ao diretor, à equipe e à agência a real capacidade da câmera em reproduzir mais tons. Isso só foi possível por meio de um entendimento de linhas de orçamento entre equipamento e pós, e com o apoio do diretor Marlon Klug. 

Durante a pré-produção, foi feito um teste de workflow de monitoração, utilizando a estrutura da Nits.Lab em conjunto com a equipe de câmera, representada pelo primeiro assistente, Keller KDG. O setup escolhido foram três monitores HDR no set (um na van do cliente, um para a direção e um com o DIT) e mais alguns monitores SDR (onboard na câmera e foquista). A câmera utilizada foi uma Alexa Mini LF, com lentes Cooke S7 e dando saída em log C para a estação do DIT. Nela, também foi feito o gerenciamento do sinal para todos os monitores em HDR e SDR. 

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Imagem feita com IPhone no caminhão de DIT. À esquerda, o DIT Rafael Lopes e, à direita, o colorista Rodrigo Bodstein. Foto: Felipe Hermini

Após a montagem, fomos para a primeira sessão de cor em HDR. Foi uma experiência extraordinária a revelação do material e sua potencialidade. Tudo que havíamos visto e imaginado, de fato, estava lá, e pudemos realçar ainda mais o que a realidade nos revelou. O HDR no set com o livegrade permitiu mostrar tons antes não presentes no SDR, além de enxergar o filme solar, mesmo em um dia um pouco nublado, trazendo mais segurança para todos os envolvidos no processo.

O ambiente de fazenda e paisagens é algo muito amplo e, com a profundidade de cor que o HDR apresenta, as imagens externas ficam mais ricas em detalhes e com menor sensação de tons empastelados ou chapados. O HDR na captação teve um propósito muito claro: trazer a maior fidelidade possível na monitoração da realidade apresentada naquele momento. Após a sessão HDR de cor, fizemos a sessão SDR de cor, buscando as escolhas criativas tomadas. Por termos tido essa visão do que o material poderia proporcionar, nossa busca no SDR nos levou a fazer algumas modificações para chegarmos a um resultado criativo que nos agradasse. Um ponto interessante é que, por termos visto o potencial do material em HDR primeiro e entendido o look em HDR, a busca do SDR nos levou a caminhos que talvez não teríamos chegado se tivéssemos feito o caminho inverso. Para mim, o fluxo de começar com HDR e poder monitorar corretamente nesse formato abriu um novo universo criativo e de liberdade para minha direção de fotografia.

Independentemente se a entrega final for em SDR ou HDR, poder ter a habilidade de monitorar em HDR e fazer o trim para o SDR resulta em um melhor aproveitamento do sinal da câmera. Quando monitoramos em SDR, nossa tendência é proteger as altas, por exemplo – e, com isso, descemos nossa exposição. Mas o que acontece é que estamos tomando uma decisão de acordo com nossa capacidade de monitoração, e não com relação ao sinal que temos ou da capacidade de registro da câmera. Quando vemos em HDR, ainda há muito espaço para explorar a exposição da cena, e nos permitimos usar mais luz para expor o sensor, aproveitando melhor o sinal e a qualidade da captação. Com a imagem já captada dessa forma, pode ser feito o mapeamento para o SDR, preservando o que foi capturado inicialmente, mas com um espaço menor de latitude.

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Equipe de publicidade trabalhando no meio da lavoura de batatas, com o céu levemente encoberto. Foto: @ocaragenteboa.rec

Mesmo com a adoção cada vez maior do padrão HDR, ainda estamos engatinhando na adoção desse workflow nos sets de publicidade. É comum ouvirmos grandes streamers e distribuidores exigirem captação com monitoração e finalização em HDR em ficção e virtual production. Porém, no mercado de publicidade, noto que são poucos os sets que aproveitam, de fato, os benefícios dessa tecnologia e permitem ter uma evolução nos processos de monitoração. As decisões esbarram em desconhecimento das vantagens do HDR e num pensamento financeiro tradicional, que tenta enquadrar e comparar essa tecnologia de monitoração aos processos tradicionais de SDR, e também não categoriza a monitoração no set como um departamento de controle de qualidade, o qual, possivelmente, poderia fazer referência a linhas orçamentárias de pós-produção.​

​​Com a evolução da reprodução de imagens, a captação precisa beber de todos os recursos disponíveis. Claro que, historicamente, a monitoração em sets de filmagem sempre foi algo de uso de referencial para enquadramento. Mas, agora, estamos em um momento de produtividade e controle de qualidade. Quanto maior controle de qualidade tivermos na monitoração do set, mais certeiros seremos no resultado final. Democratizar a qualidade de imagem no set faz bem para todo o processo.

Para ter a monitoração HDR (REC 2020,1000 nits, PQ 2084) e SDR distribuída para todo o set através da estação de DIT da Nits.Lab, o workflow começou antes de apertar o REC. Isso porque a correta calibração de todos os monitores é essencial. Além disso, o sinal precisa ser gerenciado. Para o gerenciamento de cor, foi utilizada uma pipeline em ACES (Academy Color Encoding System), padrão da indústria audiovisual para gerenciar cores durante todo o ciclo de vida de uma produção cinematográfica ou televisiva. Entrei no caminhão de DIT, e o colorista Rodrigo Bodstein me apresentou as duas opções de LUTs baseadas no que eu havia pedido. Aprovei uma delas, e isso já foi para todos os monitores.

Segundo o DIT (Digital Imaging Technician) Rafael Lopes, os clientes acompanharam a diária toda com o look escolhido, e a exposição foi feita já contando isso. Assim, o diretor e a equipe de arte puderam monitorar todo o material com extrema precisão. De acordo com Rodrigo Bodstein, logo após o encerramento da última diária, a equipe da Fantástica Filmes tinha a segurança de oito cópias do material bruto com todos os metadados, as dailies com o look e os relatórios de toda operação. Nesse sentido, o fluxo de trabalho trouxe mais segurança, qualidade, eficiência e organização ao processo como um todo, otimizando tempo e custos durante todas as etapas de produção.

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Foto tirada durante visita técnica, uma semana antes da diária de filmagem. Produtor Thiago Freire faz stand in para posição de fazendeiro encostado na cerca. Ao fundo, ambiente de extrema claridade, desafiador para monitoração de cor. Foto: Felipe Hermini

Ficha técnica da campanha:

Cliente: @laysnobrasil @pepsico_br
Agência: @almapbbdo
Produção: @fantasticafilmes
Diretor: Marlon Klug (@marlonklug)
Diretor de Fotografia: Felipe Hermini (@fhermini)
1º Assistente de Câmera: Keller
Gaffer: Melão
Maquinista: Julinho
Diretora de Arte: @annikmaas
Assistente de Direção: Vitor Moreno (@vtrmoreno)
Produtor Executivo: @herminiovinholijunior
Gerente de Contas: @anasequinel
Coordenadora de Produção: @marinarossignoli
Supervisora de Produção: @akarinebarros
Diretor de Produção: @fr3ire
Produtores: @marcelakozinski e @wagner ramos
Figurino: Giovanna Marcondes
Maquiagem: Jessica Monge
Coordenadores de Pós-Produção: @cesarmaguilla e @renatapeter
Editor: @emanoelmaciel e Marlon
Empresa de Pós-Produção: Nits.Lab (@nitslab)
DIT: Rafael Lopes
Colorista: @rbodstein
Som: Jamute

Sobre o autor: 

Felipe Hermini é diretor de fotografia e associado da ABC. Trabalhou em longas-metragens de ficção como "No Ritmo da Fé" (2023), dirigido por Ernani Nunes, e em documentários como "Aqualoucos" (2017), dirigido por Victor Ribeiro. Colaborou com a fotografia da primeira temporada da série da Netflix "Sintonia" (2019-2023), dirigida por KondZilla e Johnny Araújo. Entre os curtas premiados nos quais trabalhou, estão "Subcutâneo" (2017), de Carlos Segundo (premiado na Romênia); "Preto no Branco" (2017), de Valter Rege (selecionado para o Toronto Black Film Festival); e "Noite Fria" (2008), de Felipe Adami (melhor filme no Brazilian Film Festival). Entre as publicidades em que trabalhou, está o comercial premiado da Cerveja Black Princess 180 anos, que venceu o troféu de ouro do Festival El Ojo de Iberoamérica 2023, em Buenos Aires, Argentina.

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