Adolpho Veloso: “Mosquito”

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Por Danielle de Noronha

Em Mosquito, coprodução Portugal, França, Brasil e Moçambique, Zacarias é um jovem português sedento por viver grandes aventuras heroicas durante a Primeira Guerra Mundial. Enviado para Moçambique, onde o conflito se desenrola longe dos olhares do mundo, o soldado vê-se deixado para trás pelo seu pelotão e parte numa longa odisseia mato adentro, à procura da guerra e dos seus sonhos de glória.

Baseado nas histórias do avô de João Nuno, diretor do filme, Mosquito conta com direção de fotografia de Adolpho Veloso, ABC, vencedor da categoria de melhor direção de fotografia para longa-metragem do Prêmio ABC 2021, com quem conversei sobre o trabalho no filme.

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Adolpho Veloso, ABC na filmagem de Mosquito em Moçambique

Adolpho, apesar de olhar para o colonialismo do passado, Mosquito acaba também por abordar o colonialismo do presente. Na sua opinião, qual a importância desse filme para pensarmos questões que tão urgentes em nossas sociedades como racismo, colonização, subalternidade, etc.?

Acho que ainda existem muitos Zacarias por ai, que só precisam de uma experiência para mudar de opinião e perceber o que Zacarias percebeu. Espero que esse filme possa ser uma dessas experiências.

O filme também tem uma relação pessoal com a história do diretor. Quais foram suas referências e inspirações e o que ele trouxe para que pudesse desenvolver o projeto para a fotografia do filme?

O filme é baseado na história do avô do João Nuno, então essa é uma história que ele cresceu escutando de várias pessoas diferentes. Num dos nossos primeiros papos fiz uma pergunta que gosto de fazer, que é: “em uma palavra, esse filme é sobre o quê?”. João me respondeu “orgulho”. E ai muito rapidamente entendi que o filme devia todo ser contado sob o ponto de vista do Zacarias. E que a maneira como ele enxergava Moçambique devia mudar conforme o orgulho dele vai sendo destruído pouco a pouco. Assim como nossa maneira de filmar e iluminar o lugar e as pessoas.

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Com quais câmeras e lentes Mosquito foi realizado e por quais motivos elas foram escolhidas? Foram realizados testes prévios?

Usamos uma Arri Alexa Mini com um jogo de anamórfica Lomo superspeed. Originalmente o filme tinha toda uma parte do Zacarias em Portugal antes de embarcar para Moçambique. A ideia era filmar essa parte com esféricas e câmera fixa e a partir do momento que ele embarca, mudar para anamórficas e câmara na mão. O objetivo era contrapor a monotonia e o aprisionamento que o personagem sentia em Portugal com a vivência de ir pra outra parte do mundo e a visão distorcida que ele tinha dessa desse outro lugar. Uma visão que em certo momento se torna também a febre causada pela malária e deixa ele cada vez mais confuso. As anamórficas antigas e bem distorcidas com foco quase inexistente refletiam um pouco esse sentimento do personagem, a febre e desorientação que uma câmera na mão se movendo o tempo inteiro também acentuam. Ao final nunca filmamos o começo em Portugal e o filme começa com o personagem já em direção a Moçambique.

Como já mencionou, a câmera está quase sempre bastante próxima ao corpo de Zacarias, que, além disso, muitas vezes está em movimento. Quais são os desafios e soluções encontradas para esses momentos?

O filme é todo feito com câmera na mão, quase sempre em terrenos difíceis de caminhar, então foi um desafio fazer uma câmera na mão que era intensa, mas estável ao mesmo tempo. Acho que o mais importante foi criar uma boa relação com o João Nunes Monteiro, que interpretou o Zacarias. Além de ser um ator brilhante, ele entendeu de cara a maneira que queríamos filmar e topou trabalhar com uma câmera que muitas vezes até encostava nele. A gente se enfiou em tanto buracos durante a filmagem que era quase uma competição entre os dois de quem tinha pego mais carrapatos.

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Você tem feito alguns trabalhos no exterior. Como foi essa experiência de filmar em Moçambique?

Foi difícil e incrível ao mesmo tempo. As locações ficavam espalhadas pelo país e muitas vezes perdemos dias inteiros só pra chegar na próxima locação, em estradas muito ruins ou em trechos sem estrada nenhuma. Então foi muito cansativo. Mas as locações valiam a pena. E Moçambique é um país cheio de pessoas incríveis, o que facilitou bastante também. A luz lembra muito a luz do Brasil, então foi fácil saber o que esperar dela.

Com tantas externas, em diferentes lugares, situações de clima, vegetação e luz, poderia nos contar um pouco sobre como foi construída a luz do filme?

O filme conta quase que só com luz natural. A ideia era ser o mais naturalista possível e fiel à luz que existia em Moçambique em 1917. Ou seja, sol e fogo. No barco, último anexo da Europa, usamos energia elétrica e luzes práticas. Além disso, tínhamos um skypanel que usávamos mais como luz de serviço para iluminar ensaios e o set enquanto as fogueiras não ficavam prontas, e algumas kinos no navio. Como usávamos fogo de verdade em todas as cenas, e precisávamos de bom level de exposição, chegamos a ter que tirar o teto de algumas cabanas que tinham teto de palha para não correr o risco de ter nenhum acidente. O Paulinho, nosso gaffer, fez um trabalho brilhante com as lamparinas também. Ora usando gás, ora escondendo lâmpada dimerizáveis dentro delas, para podermos fazer longos planos sequências nos quais queríamos controlar o nível ao longo da cena. Sobre as externas o desafio foi convencer a equipe toda que não queríamos filmar no meio do dia então muitas vezes passávamos horas ensaiando para filmar alguns takes na hora que queríamos. Foi um processo que, no começo, preocupou algumas pessoas que não estavam acostumadas com isso, mas que depois de um tempo se instituiu bem. Ter um diretor que topa algo assim é fantástico.

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Como funcionou o workflow de pós e qual sua participação nele?

A montagem e cor foram feitas no Brasil, o que ajudou bastante. Acompanhei um pouco da montagem enquanto João Nuno e Gustavo Giani faziam a mágica deles, e acompanhei o processo de cor com o Serginho em São Paulo. Foi muito tranquilo como sempre. Com Serginho sempre fazemos um passe de cor antes, mesmo que seja numa montagem inicial, pra dormir algumas semanas com aquilo e depois com a montagem final entender se era aquele o caminho mesmo ou se tínhamos viajado. Acho que é sempre bom ter uma distância pra analisar o que fez na correção de cor. Ver em outros monitores, em outras situações de luz. Tem coisas que só funcionam em monitor bom, infelizmente quase ninguém vai ver aquilo num monitor bom ou numa sala de cinema com projeção boa e calibrada. Então a gente sempre joga pro celular uns frames pra ver se aquilo tá funcionando em qualquer tipo de tela.

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Poderia nos contar um pouco sobre a parceria com o departamento de arte?

Foi quase toda feita na pré, a maior parte do tempo o diretor de arte, Nuno Mello, estava fazendo frente. Então eram sempre boas surpresas quando chegávamos na próxima locação e lá estava uma aldeia incrível construída do zero, ou um acampamento utilizando construções antigas. Conversamos muito sobre os tons do filme e decidimos deixar a saturação para a natureza. Todo o departamento de arte, desde o figurino até maquiagem, fez um trabalho incrível de deixar o filme ainda mais cru e real. Todas as texturas e cores foram essenciais na construção da imagem.

Mosquito tem feito uma bela carreira nos festivais e este ano você ganhou mais um Prêmio ABC por seu trabalho nesse filme. Qual a importância desse prêmio para você e também do reconhecimento com a concessão da sigla ABC?

A verdade é que ser reconhecido pela própria categoria deve ser o que faz a gente mais feliz. Então tanto o prêmio quanto a sigla eram daqueles sonhos que a gente tem desde que começa a fazer isso. Fiquei muito feliz e muito honrado com ambos. Espero poder contribuir mais com a associação e que ela cresça e se solidifique como um lugar aberto a todo mundo.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Agradecer imensamente, mais uma vez, toda a equipe desse filme. Todo mundo se desdobrou muito pra fazer esse filme acontecer e filmar ele do jeito que João Nuno visualizou. Especialmente minha equipe. Jonas que domou essas anamórficas velhas com 1.6 de diafragma. O Paulinho que se virou muito com o pouco que tínhamos e fez um trabalho brilhante domando o fogo também. E ao Serginho que sempre melhora meu trabalho e o filme.

Mosquito será exibido na próxima Sessão ABC online, em parceria com o cineclube Casas Casadas, entre os dias 27 e 29 de novembro. Em breve divulgaremos mais informações.

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Ficha Técnica
Direção: João Nuno Pinto
Escrito: Fernanda Polacow e Gonçalo Waddington
Ideia Original: João Nuno Pinto
Diretor de Fotografia: Adolpho Veloso, ABC
Direção de Arte: Nuno Gabriel Mello e Tigre de Fogo
Montagem: Gustavo Giani
Som: Gita Cerveira, Tiago Raposinho e Matthieu Deniau
Música: Justin Melland
Guarda Roupa: Lucha D’Orey
Maquilhagem: Nuno Miguel Esteves
Diretor de Casting: Ricardo Moura
Produtor: Paulo Branco
Coprodutores: Ana Pinhão Moura e Mario Peixoto
Produtores Executivos – Ana Pinhão Moura e Enrico Saraiva
Elenco:
João Nunes Monteiro
Miguel Moreira
João Lagarto
Filipe Duarte
Alfredo Brito
Miguel Borges
Cesário Monteiro
Joāo Vicente
Manuel João Vieira
Nuno Preto
Aquirasse Nipita
Messias João
Mário Mabjaia
Sebastian Jehkul
Josefina Massango
Hermelinda Simela
Maria Clotilde
Gigliola Zacara
Gezebel Mocovela
com a participação especial de Ana Magaia e Camané
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Adrian Teijido, ABC e Frederico Pinto, ABC: “Marighella”
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