Entrevista com César Charlone, ABC

Cesarcharlone

Por Danielle de Noronha

O filme “Cidade de Deus” (2003), de Kátia Lund e Fernando Meirelles e fotografia de César Charlone, foi escolhido pela revista American Cinematographer como uma das melhores fotografias entre 1998 e 2008.

O longa ocupou a nona posição. Em primeiro lugar está Bruno Delbonnel, ASC, AFC, pela fotografia de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001).

Charlone conta um pouco sobre sua carreira e sobre o seu trabalho em “Cidade de Deus”.

O que o levou para o cinema e quais suas influências?

Mais questões políticas, geração 68, e nós tínhamos uma urgência. Eu tinha uma formação de artes plásticas, fotografia. Naquela época tinha algo que dizia que o mundo estava errado e que a gente tinha que fazer diferente. Eu gostava muito de cinema político e alguns documentários me fizeram fazer cinema. Mas não tenho um norte do que é fazer cinema. Fui para a fotografia porque achava muito difícil um estrangeiro dirigir um filme, então achei que pela fotografia seria mais fácil. Eu acho o cinema brasileiro mais potente em documentário do que em ficção. Os documentaristas brasileiros são bons. Eu destaco na América latina os documentários brasileiros e a ficção argentina.

Qual a sensação de ser considero um dos melhores fotógrafos da década?

Ah, foi ótima. Tudo isso ajuda no currículo. Ajuda no desenvolvimento de uma carreira, para você arrumar trabalhos melhores e ter estimulo.

Qual foi sua motivação para participar do “Cidade de Deus”?

Gostar muito do Fernando Meirelles e gostar muito dele, trabalhar na empresa dele. Aí ele me deu a história para ler, eu achei bacana e topei fazer.

Quais os equipamentos que usou e por que os escolheu?

A gente filmou 70% em 16mm com uma câmera Aatom e o resto em 35mm, principalmente os planos mais abertos. A gente sabia que iríamos pra intermediação digital, então a gente poderia misturar a intermediação digital com diferente formatos. Misturamos 16mm e 35mm usando o melhor de cada um. O 16mm pela facilidade, agilidade e o 35mm pela definição, pela resolução.

No que você se inspirou para fazer a intermediação deste filme?

Não tem uma inspiração específica. Eu li o livro, vi fotografias de época e teve em algumas áreas, como por exemplo, a busca da cor, me inspirei num livro do Miguel Rio Branco, que eu gosto muito. A gente sempre se cerca de um monte de referências, um pouquinho de cada coisa, mas esse livro do Branco foi uma das minhas grandes referências. Eu também vi fotografias de jornalistas de época também.

Em quantas semanas e onde o filme foi rodado?

Foram nove semanas de filmagem no Rio de Janeiro.

Alguma locação em especial?

Olha, a gente circulava bastante. A cidade que fez a cidade de Deus chamava Cidade Alta, acho, não me lembro bem. É uma comunidade no Rio de Janeiro perto da avenida Brasil.

Qual o tamanha da equipe?

Uma equipe normal. Lula Carvalho como assistente de câmera, às vezes a gente tinha dois segundos assistentes, às vezes apenas um e um vídeo assist. De elétrica, o Sergião e dois assistentes e às vezes reforçava com três.

Tem alguma curiosidade para contar das filmagens?

Ah, a convivência, o aspecto humano dessa história, as pessoas que a gente convivia da comunidade, que apoiaram a gente. Era muito emocionante. Outra coisa também era a entrega dos atores, todos vinham de comunidades carentes do Rio de Janeiro e essa entrega era a nossa motivação. Fez com que o filme fosse como um depoimento. A gente viu que eles estavam contando uma história que era muito querida para eles. A vontade que eles tinham de fazer acontecer era muito contagiante. É diferente de você chegar num set e ter na sua frente um ator que está ganhando um dinheirão, é um trabalho pra ele, lá tinha uma coisa que os meninos queriam mais, que era contar a história deles, tinha uma energia muito forte e contagiante e isso passou para a equipe e deu uma química boa.

Alguma coisa que gostaria de ter mudado na fotografia do filme?

Não, nunca pensei nisso não. Eu tive a felicidade de trabalhar com o Serginho e a gente fez o que a gente quis, com a cor, com a marcação. Fizemos como a gente queria mesmo. O Fernando deu muita liberdade para a gente.

Houve muitas dificuldades durante as filmagens?

Não lembro. Todo filme tem sua planificação que você vai organizando as cenas mais difíceis e depois você vai lá e faz. Filmar na praia é sempre difícil por causa da luz do sol, se eu considerasse uma dificuldade seria essa, de filmar na praia, porque aí é difícil de você imprimir uma cara na fotografia porque o sol se posiciona muito.

Câmera sempre na mão?

A gente fez praticamente tudo com câmara na mão porque a proposta que a gente tinha com o Fernando era que o filme tivesse um tratamento documental, principalmente para respeitar o universo dos atores. Por eles não terem tido experiências anteriores como ator era muito difícil a gente tratar eles como atores profissionais, exigindo marcas e cuidado com a rotina da filmagem, então me ocorreu e, como eu já fiz documentários e gosto muito de documentários, eu propus ao Fernando para fazer com tratamento documental, então essa foi a linguagem, com câmera na mão e a ajuda do Lula foi super importante.

Quais são seus próximos projetos?

O Daniel Rezende está terminando de montar o filme que eu dirigi no Uruguai que por enquanto chama “La Redota”, a história do libertador uruguaio José Artigas, um filme de época, que espero que seja lançado em meados do ano que vem. Eu faço bastante comercial e para poder acompanhar a montagem do filme, estou ficando mais por aqui. Estou estudando alguns projetos que chegam, acabei de fazer uma parte de um documentário na Ucrânia para uma diretora americana e é isso, por aqui e acolá.

Veja o promo do filme “La Redota”

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