Llano, ABC: “La piel más temida”

Diretor de fotografia fala sobre o trabalho no filme
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Por Danielle de Noronha

“La Piel Más Temida” é uma coprodução Peru/Colômbia, escrita e dirigida por Joel Calero. No filme, segundo de uma trilogia sobre a política peruana, Alejandra (Juana Burga) retorna pela primeira vez a Cusco, de onde saiu há 22 anos com sua mãe.

O objetivo de seu retorno é vender, junto com seu tio Américo (Lucho Cáceres), a casa colonial que a família de sua mãe possui na cidade. Enquanto cuida da papelada, Alejandra descobre que seu pai, que a abandonou quando ela tinha três anos de idade, está vivo e na prisão, por ter sido membro do Sendero Luminoso, o grupo subversivo maoista que desencadeou o chamado Conflito Armado Interno, um processo que abalou o país por quase duas décadas. Apesar de sua relutância inicial, motivada por seu tio Américo, Alejandra decide se encontrar com seu pai Pedro (Miguel Medina), sua avó (Maria Luque) e com suas memórias.

A direção de fotografia é assinada por Llano, ABC, com quem conversamos para saber mais sobre o trabalho no filme.

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Llano, você é chileno, mora no Brasil e foi fazer esse filme no Peru. Para começarmos, como aconteceu o convite para fotografar o filme “La piel más temida” e quais suas primeiras impressões ao ler o roteiro?

Preciso começar esclarecendo algumas questões que vão, finalmente, permitir também entender minha colaboração em “La Piel más Temida” (LPMT). Primeiramente não me considero chileno, sim nascido no Chile. Pode ser complexo de explicar, mas gosto mais de me apresentar como “de todo lugar”, como respeito aos diversos países e culturas com as quais convivi e convivo. Todas conectadas de alguma forma com o meu trânsito no cinema. E como surge o convite para fotografar esse filme, não escapa a esse sentimento.

Na metade de 2019, antes de ter alguma noção do que seria a pandemia, Joel Calero, diretor do filme, me ligou para trocar umas ideias, depois que meu nome e trabalhos apareceram no seu radar a partir da recomendação de um amigo fotógrafo, que também é associado à ABC.

Nossa primeira conversa, como tantas outras até hoje, focou-se em seus e meus autores favoritos, estilos e formas do cinema. Como se num jogo de cartas cada um apresentasse o seu baralho.

Mas o que realmente fez a conexão foi a cor e movimentos de “do.C.orpo”, filme experimental que fotografei e codirigi junto com Daniela Guimarães, que surpreendeu gratamente a Joel, e que lhe fez me convidar para colaborar em LPMT, com um roteiro que apresentava uma intimidade no relacionamento entre uma avó e sua neta indígenas, que me cativou. Mas que também tinha desafios associados a uma nova etapa de Joel como diretor, experimentar novas linguagens, movimentos e logicamente o uso da cor.

O filme faz parte de uma trilogia que busca apresentar narrativas e consequências sobre os conflitos armados do Peru no passado. Quais referências e pesquisas buscaram para a fotografia deste filme? Houve algum diálogo com o primeiro filme da trilogia?

LPMT é o segundo filme da trilogia, em que a conexão é dada pelas perspectivas diferentes desse conflito armado que aconteceu entre os anos 1980 e 2000, então é uma questão mais da história que da sua forma.

Mas Joel também é um cinéfilo e gosta de trazer elementos de alguns filmes para explicar alguma coisa em particular que está procurando e que faça uma articulação entre as personagens e o ponto de vista. Para esse filme tinha analisado em extenso o trabalho de Lázló Nemes em “Entardecer”, que se transformou num dos primeiros estímulos para chegar na proposta final, junto com o desejo de ter uma câmera que estivesse em constante movimento.

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Fotografia de Martín Chambi

Com essas referências, mergulhei na fotografia latino-americana, especialmente na peruana, com ao menos dois imaginários clássicos, os Irmãos Vargas e Martin Chambi, especialmente na forma de retratar a vida, os interiores e a luz. Novamente, meu desejo era capturar o máximo possível da natureza das coisas, mas sem que um olhar estrangeiro se impusesse. De fato, na última cena que filmamos, numa fria madrugada na praça de Cusco, o movimento de câmera acaba num enquadramento que homenageia a Chambi numa de suas placas mais reconhecidas.

Mas foi a vivência na serra peruana, durante a pré-produção, que acabou definindo o papel da luz e da cor no filme. Aí o complemento ao trabalho desses mestres fotógrafos do p/b.

Da mesma forma, o trabalho coordenado com a diretora de arte, Susana Torres, foi fundamental para estabelecer a paleta de cores, o valor das texturas e a importância de cada um dos elementos no enquadramento.

Como foi a experiência em filmar no Peru? Em quais cidades e em quantas semanas o filme foi realizado? Quais particularidades poderia destacar?

Filmar no Peru, assim como em qualquer lugar na América Latina é sempre um prazer, mas também sempre traz desafios. Em geral, consigo levar parte de minha equipe de trabalho em poucas produções, o que sempre dificulta em parte as coisas, especialmente porque você tem que considerar um tempo para criar uma aproximação, explicar sua forma de trabalho e o que você está procurando nessa colaboração. Mas nesse caso foi simplesmente incrível.

O filme acontece em Cusco e redondezas, o que significa uma média de 3.500 metros sobre o nível do mar. Essas condições, que já são complexas para uma vida mais ou menos normal, viraram parte do próprio filme, ao ter por volta do 90% das suas cenas rodadas com câmera na mão, algo que pessoalmente gosto muito, mas que fisicamente exige um esforço enorme. Aqui é o momento em que a equipe de colaboradores vira algo muito importante, e que permite você se concentrar naqueles detalhes preciosos para construir o relato.

É um bom momento então de agradecer mais uma vez a o gaffer do projeto, Miguel Angel Rojas, e sua equipe, a Luís Cateriano, o foquista, e especialmente a Grécia Avilés, a segunda câmera, que permitiu que eu suportasse essas quatro semanas de filmagem com a câmera no meu ombro.

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Com quais câmeras e lentes trabalhou e por que elas foram escolhidas? Foram realizados testes prévios?

Ao ser um projeto orientado principalmente para as salas de cinema, não teve nenhuma pressão técnica para escolher minhas ferramentas. Então consegui escolher aquelas que achei mais acertadas para a história que tinha na frente. Mas também adequadas para as condições de trabalho que antes expliquei.

Por isso o RAW 2.8k da Arri mini se encaixou perfeitamente, complementada com uma mala de lentes Cooke Panchro/i Classic mais a mistura de alguns filtros da Tiffen.

Ao se tratar de um projeto independente, tivemos pouco tempo para testar a combinação, mas eu já conhecia bem os parâmetros e rendimento de cada uma delas, então pude extrapolar experiências de outros trabalhos e criar o próprio para esse projeto.

Me parece que a luz natural foi bastante utilizada durante a narrativa, em que percebemos um destaque também para as luzes diegéticas à noite. Pode comentar como foi pensada a luz do filme e com quais equipamentos trabalhou?

Uma das características do trabalho fotográfico em áreas de muita altitude é, sem dúvidas, a particularidade da luz. Aos 3500 metros, a camada atmosférica é bem mais fina que ao nível do mar, o que traz uma ‘dureza’ bem particular – que muitas pessoas rejeitam –, mas que eu acho muito interessante. Deve ser porque morei por mais de um ano em La Paz, Bolívia, um ambiente algo mais agreste que o de Cusco.

Então, durante um período de preparação física nesse ambiente, consegui fazer diversos estudos de luz que me permitiram entender como a luz chega na cidade, como revela os elementos, como ressalta as cores e principalmente como a cultura local convive com ela.

Uma das coisas que percebi, por exemplo, foi que nos interiores quase sempre está presente dois tipos de luz, aquela rebatida pelos muros ´brancos / sujos´ das casas e pelo raio direto do sol. Então pedi para o gaffer que, sempre que fosse possível, essa regra fosse respeitada. Uma fonte rebatida em panos que íamos sujando com a terra do lugar, mais um raio de luz mais cálido que desenhava o espaço.

Sobre a luz interior, dependia muito do lugar. Luzes mais frias para aqueles lugares onde a protagonista se enfrentava com a burocracia ou com a vida mais moderna. E espaços mais cálidos onde se conectava com sua infância e sua avó. Miguel Angel conseguiu criar para isso uma espécie de tubo com inúmeras lâmpadas de tungstênio para os ambientes menores, que permitiram destacar o uso das luzes diegéticas assim como você percebeu. Só imagina, interior de uma casa de barro, tudo cor da terra. Não queria perder essa riqueza. A cor da pele…

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Podemos dizer que “La piél más temida” é um filme de memória, de reconhecimento, mas também de presente e de (re)encontros. Tem um ritmo próprio, com planos mais abertos e contemplativos, que também dão conta do território e da cultura que a protagonista está retornando. Quais foram as opções que tiverem em relação à construção dessa imagem, como no que diz respeito a enquadramentos, movimento, etc.?

A memória foi sim um conceito que trabalhamos muito. Memórias emocionais, memórias afetivas, mas também aquela memória que seu corpo grava, mas que você não lembra conscientemente. Por isso, discutimos muito sobre como contar a história.

Quando começamos a conversar sobre a opção de utilizar a câmera na mão como linguagem, imediatamente vieram muitos questionamentos.  Por exemplo, não queríamos que aparecesse como uma câmera subjetiva convencional ou que fosse uma outra personagem que estava ali fazendo o relato.

É a história de Alejandra – Juana Burga – e como ela a descobre, então trabalhamos para que essa câmera fosse de alguma forma o olhar da própria protagonista.

É por isso que em momentos a câmera somente aparece registrando os fatos, mas em outros ela reage ao que as e os protagonistas dizem, indicam ou veem. Por isso que a câmera está na altura dos olhos, e eles sempre algo mais embaixo que o limite do primeiro terço do quadro, porque de alguma forma a câmera também é Alejandra.

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Poderia falar um pouco mais sobre os diálogos com o diretor e as equipes de arte e som?

Temos que lembrar que o cinema é a única arte colaborativa, então a comunicação é fundamental. Com Joel, as trocas foram e continuam sendo muito interessantes. Ele é um diretor muito generoso, e se tua posição é acertada para o filme e você consegue justificar ela claramente, ele não tem problema nenhum, não somente para aceitá-la, mas para abraçá-la. LPMT foi nosso primeiro projeto, e na sequência filmamos outro longa-metragem, “Álbum de Família”, o terceiro da trilogia, que está agora na pós-produção.

É muito lindo quando você consegue criar parcerias, especialmente quando elas vão se projetando. Aprendi muito junto com ele.

Já falei um pouco do trabalho com Susana Torres, a diretora de arte. Uma profissional muito experiente, que consegue materializar as propostas com um imaginário muito rico, imagino porque também é uma grande artista visual. Coincidimos desde o primeiro momento sobre a palete de cores do filme, pudemos olhar Cusco desde o mesmo ponto de vista.

O trabalho do som, muitas vezes parece menor e menos respeitado, o que é um erro muito grave. Mas quando você consegue dialogar, resulta ser um grande parceiro. Omar Pareja, o chefe dessa equipe, é um dos profissionais mais respeitados do Peru, com uma experiência enorme, então colaborar junto com ele foi um verdadeiro privilégio. Virou um grande amigo.

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Como funcionou o workflow de pós e sua participação nele?

Nesse filme em particular não consegui fazer um LUT que me permitisse olhar de uma forma mais precisa se minhas escolhas estavam dentro das ranges que tinha projetado. Então, foi fundamental que levasse a maior quantidade de informação para a sala de cor, tanto frames de testes que eu tinha feito na minha sala como também algumas das referências que eu tinha utilizado para meu livro de proposta.

Toda a pós-produção foi feita na Colômbia, na 2.35 Digital, com uma equipe incrível liderada pelo colorista José Espinosa.

Uma correção feita numa sala de projeção sempre marca uma diferença nas suas escolhas. A sala da 2.35 é um microcinema, dirigido por artistas. Um tremendo plus para finalizar o trabalho de uma forma precisa.

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Alguma previsão para estreia do filme no Brasil e como vê o acesso aos filmes latino-americanos no país?

LPMT acabou de ter sua pré-estreia na sessão de Gala do Festival de Cine de Lima, e como cinema independente tem um circuito de festivais para percorrer e conseguir uma estreia comercial sólida. No começo do ano que vem estará nas salas peruanas, logo após disso começará a corrida para alcançar outros países. Mas o distribuidor é brasileiro, então acredito que possa ter chances de estrear no Brasil.

Como sabemos, as grandes franquias de salas de cinema apostam por títulos da grande indústria e deixam poucos espaços para as produções nacionais, imagina então para o cinema independente de outros países, ainda mais em espanhol.

É por isso que é fundamental não somente a cota de telas, mas também a formação do público, que permitam que especialmente os cinemas de rua se fortaleçam, pois são principalmente essas salas as que trazem cinema ‘alternativo’.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Só agradecer à ABC pelo espaço. À minha equipe pela entrega. Ao cinema por ser essa grande cachoeira.

Ficha Técnica:
Direção: Joel Calero
Elenco: Juana Burga, María Luque, Lucho Cáceres
Direção de fotografia: Llano, ABC
Direção de Arte:  Susana Torres
Som Direto:  Omar Pareja
Gaffer: Miguel Angel Rojas
Foquista: Luís Cateriano
2da AC:  Grécia Avilés
Vídeo Ass. Jorge Paredes
D.I.T.: Juan Moreyra
Montagem: Roberto Benavides
Colorista: José Espinosa / 2.35 Digital, Colômbia
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