Com direção de Diego Freitas, a produção Netflix “O lado bom de ser traída” traz a história de Babi (Giovanna Lancellotti), que descobre a traição de seu companheiro de longa data e decide embarcar em uma nova aventura em sua vida ao lado do juiz Marco (Leandro Lima). O longa estreou em outubro de 2023 em 1º lugar no ranking semanal de filmes de língua não-inglesa mais vistos na plataforma.
Nesta entrevista, conversamos com o diretor de fotografia Victor Alencar sobre a cinematografia do filme.
Victor, como foi o convite para dirigir a fotografia de “O lado bom de ser traída”?
O convite partiu do diretor Diego Freitas. Já nos conhecíamos bem pois havíamos feito um longa juntos para os cinemas chamado “Tire Cinco Cartas”, que foi o meu primeiro na carreia. E “O Lado Bom de Ser Traída” foi meu segundo longa e primeiro pela Netflix.
Poderia contar um pouco sobre as primeiras reuniões que tiveram e os caminhos estéticos que guiaram vocês no desenvolvimento do projeto?
Começamos com uma leitura conjunta do roteiro com todos que encabeçavam os departamentos para discutir de maneira geral nossas impressões sobre a história e a estética a partir disso. Depois lemos com outros olhos, dessa vez trocando referências e lapidando a fotografia cena a cena. Desde o início, decidimos que o filme teria um ar de suspense constante e que a fotografia deveria acompanhar isso. Optamos por uma fotografia com bastante volume e contraste na luz com o desafio de manter uma estética muito refinada mesmo cobrindo com duas câmeras quase o tempo todo.
Você teve algum contato com o livro de Sue Hecker, que inspirou o roteiro? Ou quais foram suas inspirações e referências para a fotografia desse filme?
Sobre o livro, optei por não ler e assim ficar imerso somente na visão do diretor. Também decidi não assistir filmes de gênero semelhante. Sobre inspirações, busquei focar nos quesitos que poderiam ser um ponto fraco meu, cenas sensuais e de ação. Eu nunca havia feito cenas de ação envolvendo motos e carros em alta velocidade com perseguições, acidente e um fator de risco que precisa imprimir na tela. Então estudei a fundo a decupagem de cenas de filmes como 007, John Wick e Missão Impossível. Em cenas sensuais pesquisei modos de fotografar que fossem elegantes e empolgantes ao mesmo tempo, uma referência forte para essas cenas foram videoclipes como da artista Nathy Peluso e algumas cenas da série Euphoria.
Fora isso, a estratégia não foi muito no sentido de buscar filmes específicos como referência. O que fiz foi dividir o longa por locações e busquei, principalmente no site Shotdeck, referências de filmes que se encaixassem na estética definida.
Com quais câmeras e lentes trabalhou e por que optou em trabalhar com elas?
Usamos duas Alexa Mini LFs como câmeras principais. O Large Format nos deu um maior campo de visão usando focais mais teladas em diálogos e uma imersão maior em cenas de ação com lentes mais angulares. Nossas lentes principais foram as Zeiss Supreme Primes. Gosto muito de como elas contribuem para volume e separação dos elementos em cena entregando uma nitidez excelente em todas as aberturas e sutileza ao mesmo tempo.
Tivemos muito mais câmeras e lentes em algumas cenas, principalmente as de ação quando usamos, além das duas Mini LFs, as Reds Raptor e Komodo para grips de moto e Drone FPV devido ao corpo mais leve. Usamos também a Sony Venice 2 em cenas com Camera Car devido ao recurso de dual iso nativo que permitiu maior sensibilidade em cenas noturnas sem muito controle sob a luz das ruas e com lentes zooms angenieux, que são ótimas, porém menos sensíveis que lentes primes. Usamos também o que chamamos de “lentes especiais” para cenas de sexo, de sonho ou flashbacks. As queridinhas para essas cenas foram as lentes Petzval e Helios Iron Glass.
“O lado bom de ser traída” é um filme de suspense, que traz movimento, muito representado também pelas cenas com as motos, além de um equilíbrio entre cenas diurnas e noturnas. Poderia comentar um pouco as suas escolhas em termos de iluminação, movimento de câmera e enquadramento?
Creio que uma das coisas mais difíceis na cinematografia é conseguir manter consistência durante todas as diárias de filmagem. Busquei manter sempre essa consistência no contraste de luz e temperatura de cor e para isso contei com uma equipe sensacional. O gaffer Toti Cardoso e o maquinista Leandro Sabonete me ajudaram bastante a manter o look que batemos na pré-produção. O gaffer Franklin Closel e o maquinista Lucas Baiano atuaram fazendo frentes com base nos mapas de luz que fiz. Usei muitas luzes de led para maior praticidade e leveza nos setups, misturando com luzes tungstênio e HMIs, quando precisava de mais potência para simular luz solar em ambientes maiores ou luar e vapor de sódio em externas. O objetivo foi ter o máximo controle da estética e quando isso não era possível, como por exemplo em cenas noturnas de perseguição em que contei somente com a luz que já estava lá nas avenidas e túneis, trabalhei refinando o look junto ao DIT Felipe Fiori. Quanto ao movimento de câmera e enquadramento tivemos quase o tempo todo uma das câmeras no Steadicam operado por Gus Morozini e outra no dolly operada por mim. No filme a câmera está quase sempre em movimento mesmo que lentamente. No geral usamos uma decupagem clássica para diálogos com muita cobertura entre planos para ter muitas opções na montagem, o que foi um desafio para iluminar já que eu precisei planejar o contraste de luz já pensando nos diversos ângulos possíveis de cobertura.
A sexualidade também é um tema frequente no filme, que possui diversas cenas eróticas e de sexo. Como foram os diálogos da equipe de câmera com o restante das equipes e as atrizes e os atores para a realização dessas cenas? Quais cuidados eram tomados para a segurança e conforto do elenco, em especial das mulheres?
Essas cenas foram muito conversadas na fase de pré-produção. Contamos com a Maria Silvia, coordenadora de intimidade, que nos ajudou muito na preparação do elenco e decupagem de cenas eróticas. Fizemos reuniões com ela e depois fizemos storyboards das cenas para que tudo ficasse bem demarcado. Durante as filmagens reduzimos equipe presente no set e monitoração na hora de rodar essas cenas.
Hoje, levando em consideração a sua experiência nesse filme, quais são as especificidades de realizar um filme Netflix e voltado para o streaming?
Houve uma diferença considerável no modo de trabalhar com relação ao primeiro longa independente que fiz. Tivemos reuniões na Netflix Brasil para alinhar padrões técnicos de produção e durante as filmagens houve um controle de qualidade via dailes, que é subir uma versão mais leve do arquivo bruto captado todos os dias para uma nuvem exclusiva da Netflix e receber feedbacks todos os dias. Na fase pré-produção confesso que fiquei um pouco inseguro com tantas informações de especificidades exigidas pela Netflix, porém no dia a dia do set apenas busquei sempre dar o meu melhor e não ficar pensando tanto se alguma coisa representaria algum problema. Meu pensamento era que se eu fizesse algo julgando ser certo para o filme, não seria um problema para eles. O processo acabou se desenrolando de forma tranquila e acabei achando muito interessante esse controle de qualidade técnico, pois garante que o material captado chegará à finalização sempre com a melhor qualidade possível.
Como foi o workflow de pós e qual a sua participação nele?
O workflow de pós se deu já durante a pré-produção com reuniões de como faríamos quanto às cenas que teriam inserções de pós e durante as filmagens com a presença do departamento de pós no set quando necessário. Após as filmagens pude assistir todos os cortes do filme, o diretor Diego Freitas sempre compartilhava comigo e estava aberto a ouvir as minhas opiniões. Depois, quando o filme foi para o Color Grading, acompanhei presencialmente e tive uma troca incrível com o colorista Serginho Pasqualino da Bleach Fimes. O color realçou a fotografia dando uma estética com contraste marcante e cores vivas, como já era a ideia inicial.
O filme tem alcançado um grande público na plataforma. Quais são os elementos que acredita fazer o filme dialogar com as e os espectadores?
Acredito que é um gênero que tem grande público no mundo inteiro. O filme se passa em São Paulo e Ilhabela, porém tomamos um certo cuidado para que passasse a sensação de que poderia ser em qualquer cidade grande ou praia que vemos em diversas partes do mundo. O resultado com ótimo público em diversos países nos surpreendeu positivamente.
Quais são seus próximos projetos?
Tenho feito muitos videoclipes e comerciais enquanto estudo propostas para o próximo projeto de longa-metragem ou série.
Algo mais que gostaria de acrescentar?
Nesta área, dedicamos muito tempo de nossas vidas entre pré-produção, captação e pós-produção num projeto como esse, então acredito que o audiovisual se trata muito mais do processo do que do resultado em si. O que faz valer a pena é aproveitar esse processo ao lado de pessoas que estão na mesma sintonia que você e que deixam o ambiente de trabalho mais leve e divertido. Por isso só tenho a agradecer a todos os departamentos que colaboraram comigo neste filme e tornaram esse processo o mais prazeroso possível. Em especial, o diretor Diego Freitas, o diretor de arte Fábio Goldfarb, a produtora executiva Mayra Lucas, todo elenco e minhas equipes extensas de câmera, elétrica e maquinaria, que foram incríveis.
Ficha Técnica: Direção: Diego Freitas Produção: Glaz e Mayra Lucas Prod. Executiva: Luciano Reck e Gabriela Lima Roteiro: Camila Raffanti Ass. Criativa: Joisi Freire Direção de Fotografia: Victor Alencar Direção de Arte: Fábio Goldfarb 1 AD: Wally Araújo Som Direto: Carol Barranco Gaffer: Toti Cardoso Maquinista: Leandro Sabonete Op. de câmera: Gus Morozini e Victor Alencar 1 AC: Renato Leitão, Eduardo Yamanaka e Daniel Desanti 2 AC: Alice Sesoko, Naiara Carrasco, Giovanna Ferranti, Matheus Mendes e Eduardo Sousa Video assist: Giovana Ferrarese, Omar Ugelli e Maicon Barboza GMA: Isabella Oliveira DIT: Felipe Fiori Steadicam: Gus Morozini Op. Grua: Murillo Ribeiro Camera car: Coptercam Drone Alta: Renato Passarelli Drone FPV: Wales Ribeiro Supervisão de Pós: Aza Pinho e Nessa Alves Montagem: Renato Gaiarsa Correção de Cor: Serginho Pasqualino