Azul Serra: “Canastra Suja”

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Por Danielle de Noronha

Quarto longa-metragem de Caio Sóh, Canastra Suja conta a história da família de Batista (Marco Ricca) e Maria (Adriana Esteves), um casal que, aparentemente, é muito feliz em seu casamento. No entanto, a verdade é que as aparências enganam e muito; no fundo, Batista, um alcoólatra inveterado e Maria, que tem um caso com o namorado de sua filha mais velha, Emília (Bianca Bin), representam uma família que está à beira das ruínas.

Repetindo a parceira de Por Trás do Céu, o filme conta com a direção de fotografia de Azul Serra, que fala sobre o trabalho no filme.

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Li que desde que Caio Sóh teve a ideia do filme até o primeiro corte levou apenas cinco meses. Nesse período, como aconteceram os diálogos entre direção, departamento de arte e de fotografia?

Lembro que em junho 2016 ele me chamou numa reunião com alguns outros parceiros para contar que tinha tido uma ideia para um novo filme e que queria rodar em setembro. O roteiro ainda nem existia. Como já havia feito o longa anterior do Caio, sabia que ia acontecer independente de ter orçamento. O filme seria tão sem grana que tanto a direção de arte, assinada pelo Moa Batsow, quanto a fotografia teriam que aceitar as coisas prontas, não teríamos como interferir como de costume. Acordar o olhar comum e aceitar que ele também conta e contribui para os personagens. Conversamos muito sobre o que estamos acostumados a achar “o jeito certo”, aquilo que “funciona” e a questionar tudo isso. Teríamos muitos poucos elementos para escolher e fazer daquilo a força do filme.

Quais câmeras e lentes foram utilizadas? Por quê?

Filmamos tudo com uma Red Dragon e uma única lente. Uma 32mm mini Cooke S4/i, e tudo câmera na mão.

Isso foi incrível. Quando essa ideia surgiu eu e o Caio ficamos muito empolgados, porque sabíamos que isso ia ser um fator decisivo na narrativa. O filme, por ser extremamente realista, pedia um olhar “humano”, que estivéssemos presentes dentro da vida daqueles personagens. Fiquei na dúvida entre uma 25mm e uma 32mm. Decidimos pela 32mm e mandamos a outra lente embora junto com os tripés, ou seja, mesmo que mudássemos de ideia durante o processo, nem tínhamos mais opção, só existia uma lente no set.  Foi maravilhoso!!! Fora que a câmera estava sempre pronta.

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O filme apresenta os pontos de vistas dos cinco integrantes da família. Qual foi o papel da fotografia para diferenciar essas perspectivas distintas?

O Caio um dia me falou: “a casa é um ringue de luta, entra lá e veja o que acontece. Você é outro membro dessa família, então deve circular livremente pela casa, sem se apegar a nada”. Isso realmente aconteceu, como a câmera nunca fazia o mesmo percurso, todos estavam em cena o tempo todo. Acho que isso trouxe um estado ativo muito interessante com os personagens. Ninguém fazia a cena para a câmera, eles simplesmente faziam a cena, assim não havia diferenciação na maneira como a gente quis retratar nenhum dos membros da família. A não ser a Ritinha (Cacá Ottoni): por ser autista, não queríamos focar nossa atenção na condição dela, mas, sim, nas consequências familiares que são geradas ao se ter uma pessoa com autismo na família.

Como foi fazer o filme todo com câmera na mão?

Foi uma escola. Lembro no primeiro dia de filmagem, estava filmando uma cena com a Adriana Esteves e vi que ela podia parar em um lugar ótimo para a luz. Entre os takes chamei ela e logo que ia falar para ela parar naquela marca, me dei conta que não era esse filme que estava fazendo. Desconversei e entendi naquele momento que o filme sempre traz um jeito de mostrar o caminho que “ele” quer que a gente siga. Dar uma marca para ela significava eu escolher a luz, portanto buscaria a melhor composição e posicionamento de câmera. Minha atenção seria gasta no lugar errado, o que me importava nesse filme não era a melhor luz ou o melhor ângulo, mas preservar uma fluidez e liberdade para que os atores estivessem presentes, plenos e entregues a todo o momento.

Na casa só cabia eu e o operador de boom. Quando ficava complicado, Yan Saldanha (diretor de som) assumia e íamos numa coreografia maluca. Não cabia mais ninguém. E não tínhamos orçamento para termos foco wireless nem links para uma monitoração boa. Portanto, eu operava o foco e caminhava sem ninguém guiando em planos sequência que percorria a casa toda, era um balé incrível. O tempo todo os questionamentos vinham, quando movimentar a câmera, quando segurar, quem enquadrar e quando. O exercício que eu sempre tentava fazer era imaginar o ponto de atenção, se estivesse vendo essa cena realmente acontecendo, aonde meu olho queria ir… E não tinha como hesitar, pensou perdeu, não poderia existir a mente no meio do caminho. Era deixar a atenção conduzir os pés e corpo. Foi realmente um privilégio fazer isso com um elenco tão forte e inspirador.

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O filme trata de diversas questões, como alcoolismo, violência, juventude, família, através de personagens complexos e intensos, que de diferentes modos devem dialogar com quem assistir ao filme. Na sua opinião, quais são as relações dessas histórias com nossa sociedade contemporânea?

A construção desse roteiro deixa claro que todos nós temos nossos segredos, nossas contradições e pulsões.  Não tem o vilão e a vítima, somos humanos tentando viver nossos sonhos, prazeres, angustias e decepções. Todos os personagens têm suas loucuras, assim como a vida. No Canastra, vemos isso se dar nas relações familiares, o que é normalmente uma fonte inesgotável de assuntos mal resolvidos.

Pode nos contar um pouco das locações e do trabalho da direção de arte?

Desde o começo sabíamos que não teríamos recursos e que o segredo seria encontrar locações mais prontas possíveis. A casa foi a principal e as outras foram aparecendo. Nosso diretor de arte Moa foi incrível nas adaptações. Eu comecei realmente a entender a proposta visual do filme quando eu vi que não íamos ‘escurecer’ as paredes, trocar os móveis, criar as texturas. O olhar era outro. Como tornar o não interessante em interessante. A força está no comum, já que nossos personagens são comuns, são ordinários, sem requinte estético aos nossos olhos. Não é fácil aceitarmos rodar um plano sem apelo estético. Mas quando direcionamos esta característica para a dramaturgia, para as relações dos personagens, isso ganha uma força muito mais integrada na obra.

Como foi repetir a parceria com o Caio Sóh?

Esse é o segundo longa que fazemos em sequência. Tenho uma admiração imensa por sua capacidade dramatúrgica e de direção dos atores, é bonito de ver. Existe uma confiança muito grande entre nós e isto dá uma sensação de liberdade incrível. Não ter medo de errar e tornar o erro parte da inspiração faz com que o processo seja muito vivo, passamos o tempo todo mudando, transformando o roteiro, elaborando formas de aprofundar nossas loucuras.

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Qual foi sua participação na pós-produção do filme? O que pode nos contar sobre o trabalho de marcação de cor?

Finalizamos na Mistika, que desde o filme anterior “Por Trás do Céu” esteve muito presente no processo todo e marcamos cor com o Didio. A ideia foi seguir como nas filmagens e não elaborar e desenhar nada demais. Demos um contraste mais forte e esfriamos as externas de um modo geral para acentuar um estranhamento.

Ficha Técnica:
Direção e roteiro: Caio Sóh
Produção: Caio Sóh e Samantha Capdeville
Direção de fotografia: Azul Serra
Direção de Arte: Moa Batsow
Diretor de Som: Yan Saldanha
Edição: Caio Sóh
Fotos Still: Marcinho Nunes
1AC: Ricardo Pentagna
2AC: Sofia Paciullo
Video Assist: Douglas Picolo
Logger: Pedro Nascimento
Eletricista Chefe: Pinah
Trilha sonora: Maria Gadú
Estúdio: Boca Filmes
Distribuição: ArtHouse
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