Claudio Leone: “Pela Janela”

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Por Danielle de Noronha

O primeiro longa-metragem da diretora Caroline Leone, “Pela Janela”, conta a história de Rosália, uma operária de 65 anos que dedicou a vida ao trabalho em um fábrica de reatores da periferia de São Paulo. Ela é demitida e, deprimida, é consolada pelo irmão José, que resolve levá-la a Buenos Aires em uma viagem de carro.

Coprodução Brasil/Argentina, o filme já recebeu diversos prêmios, como no Festival de Rotterdam (prêmio da crítica), Festival do Novo Cinema Latino-americano de Havana (melhor direção para 1º longa-metragem) e Festival Panorama Coisa de Cinema de Salvador (melhor filme competitiva nacional).

O diretor de fotografia Claudio Leone conta sobre o trabalho no filme, que estreia hoje, 18 de janeiro.

Como foram as primeiras reuniões com direção e direção de arte?

No final da primeira versão do roteiro, começamos a falar do filme com a direção e desenhar o projeto de captação e fotografia. A princípio o filme seria feito em negativo, super 16mm. Trabalhei com essa perspectiva, levantando informações, parcerias e custos. Umas das preocupações maiores eram o prazo de entrega do material e as possibilidades de revelação aqui no Brasil e também na Argentina.

Como esperávamos, os custos da realização e finalização do filme em negativo, se mostrou em torno de 20% mais barato do que se realizado em digital.  Todos os testes de revelação na Cineclor e o prazo de entrega foram muito positivos e estava tudo ok. Porém, o filme acabou tendo que ser feito em digital. A razão foi porque o fabricante não mantem mais estoques de negativo no Brasil, então teríamos que comprar todo o lote de negativo antes do no início das filmagens. Isso, do ponto de vista da produção, iria prejudicaria a verba para as filmagens. Se fizéssemos o filme em digital esse custo inicial podia ser gasto em produção e os custos de finalização iriam para o final do projeto.

Por sorte ou intuição, no momento que iniciei os testes, para efeito de comparação e mesmo como exercício, fiz todos os testes com dois negativos e também com dois formatos de captação digital. Daí quando essa “bomba” estourou foi só finalizar os testes do material digital, e apresentar projetado lado a lado para a Caroline.

Com a ajuda e o talento da Samanta do Amaral, colorista do filme, trabalhei buscando aproximar os looks da imagem digital e do negativo, ajustando relações de latitude, granulação e colorimetria, assim, apesar de digital, o filme manteve as características visuais que eram pretendidas no inicio.

Quais câmeras e lentes foram utilizadas e por quê?

Para os testes iniciais em analógico trabalhei com ARRI 416, dois negativos; Vision 7207 250D e Vision 7219 500T e com três famílias de lentes fixas; Zeiss HS, Masterprimes e LOMO.

A forma de captação digital escolhida no final foi: RED EPIC com Zeiss HS fixas. Esse se revelou o formato mais adequado para o filme. As Zeiss HS são lentes antigas, leves, muito claras (T1.3), com “corte” suave. Isso, segundo penso, ajudou a tirar o aspecto “digital” das imagens, acho o resultado desse conjunto bem interessante. Além disso, o jogo de ZeissHS que dispúnhamos estava em ótimas condições e era bastante confiável. Mesmo assim, na última semana tivemos que mandar arrumar a 25mm que não aguentou o “safari” e foi parar no conserto. São questões como essa, que se não são levadas em conta, podem causar problemas sérios. Na escolha do equipamento é preciso olhar com afastamento e escolher o melhor levando em conta todos os aspectos e condições da filmagem que vamos fazer.

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Todos os filmes que fiz com a Caroline foram feitos com câmera na mão. O tempo todo na mão. Apesar das cenas serem quase sempre tranquilas e estáveis é assim que ela gosta de trabalhar. Essa escolha faz parte do estilo dela, desta forma os posicionamentos da câmera são sempre em um ponto de vista possível a uma pessoa. A tela se torna o olhar do espectador.

Outras características são o som que é sempre ambiente, e a não utilização de luz adicional. Aliás, é primoroso o trabalho de edição de som feito por ela e Martin Grignaschi no filme. A sensação é de “vestir” os personagens. Essa, acredito, é uma das principais ferramentas e possibilidades do cinema. Fazer com que se consiga experimentar a vida pelo ponto de vista do outro, através dos personagens, sentir através do outro como num exercício de empatia.

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As escolhas de tudo que envolvido em cada cena é feita de forma pessoal pela Caroline.

A escolha da câmera foi, por exemplo, uma concessão que tive de fazer. Nenhum problema com a RED, gosto de RED, mas uma RED não é a câmera ideal para câmera na mão, é pouco ergométrica, os acessórios não foram pensados para isso, acaba tendo muita coisa pendurada. Outro problema da câmera que dispúnhamos era o visor que era das primeiras versões da RedONE, PxB. Muito difícil. Porém, como o conjunto RedEPIC+ZeissHS atingiu a textura de imagem que ela queria optamos por ele. No final acredito que foi realmente a melhor escolha.

Poderia falar um pouco mais sobre os testes?

Realizei testes em condições semelhantes as que teríamos nas filmagens, exterior e interior, diurnos e noturnos, inclusive alguns relativos à questão da compressão para definir formatos adequados para cada tipo de cena. No digital isso é muito importante. Cenas com maior amplitude, planos gerais com riqueza de detalhes necessitam de um nível de compressão menor, outras não. É preciso encontrar o caminho melhor para cada caso, evitando exageros que possam aumentar as necessidades de armazenamento, tempo de render etc., porém, sempre e principalmente sem comprometer a qualidade da imagem final projetada. Filmamos em 4K, com compressões de 5:1, e só umas poucas cenas em 3:1.

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O projeto da identidade da imagem do filme e continuidade de imagem foi resultado de tudo isso. Fizemos alguns testes também de maquinária. Com a ajuda do parceiro Jamelão, ajustamos e criamos uma “cadeirinha” para alguns movimentos de acompanhamento. O modelo final ficou bem mais simples do que os que já existiam, mais leve e rápido de montar. Com isso filmamos no centro da cidade em Buenos Aires e aqui também sem precisar parar o fluxo normal das pessoas.

Como foram feitas as escolhas das locações e como foi a experiência de filmar na Argentina?

A Caroline fez várias viagens de roteiro e escolheu pessoalmente todas as locações. Fotografou bastante nas viagens, me mostrou o material, então fizemos duas viagens juntos, uma livre para vivenciar e conhecer as locações, e outra de “tec scout” com toda a equipe definindo tudo relativo à cada sequência e cada cena. Mapeei todas as condições de luz e posicionamento de câmera, para depois definimos horários melhores em função das dificuldades das cenas e de produção. Trabalho, basicamente, com três APPs pra isso, Helios, Sun Sueveyor e Artemis. Com eles faço para a assistência de direção um desenho de cada cena, com os aspectos de ângulo de luz nas diversas horas do dia e lente que o diretor escolheu na visita de locação para cada plano.

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Tudo foi feito sempre priorizando a liberdade e o trabalho dos atores. O tempo de filmagem no “Pela Janela” ficou para os atores e para o trabalho de direção. Filmar sem uso de luz adicional, como o filme foi feito, depende muito desse compromisso e trabalho. Usei luz adicional em apenas uma cena, por motivos de produção, para ajudar a ganhar um dia de deslocamento, uma das diurnas internas foi feita à noite.

Filmar na Argentina é sempre ótimo, eu gosto muito. O suporte da equipe feito pela produção argentina foi muito profissional, os técnicos são muito bons, tão bons como os nossos. A diferença é que eles lá conseguiram um respeito profissional que aqui ainda não temos. É muito difícil não poder trabalhar de final de semana, lá pra filmar nos finais de semana custa o triplo. Então o jeito é ficar em casa com a família mesmo. Outra coisa ótima é a luz, facilita muito a luz não subir tão rápido. A cidade tem partes que estão inteiras, preservadas em suas características históricas, bem mais fácil de enquadrar do que aqui, infelizmente. Acho que filmar em lugares fora do nosso universo diário é inspirador, além de que, este é também um contexto que faz parte do roteiro do filme, o igual diferente.

Onde você buscou inspiração para a fotografia deste filme? Quais foram as suas referências?

Não trabalhamos em momento algum com referências, as únicas eram a dos trabalhos anteriores da Caroline, dos curtas metragens que fizemos juntos. A inspiração e discussões a respeito sempre foram referentes ao roteiro e ao universo dos personagens. O verdadeiro do filme é, acredito eu, resultado disso. Nada no filme partiu de abstrações ou sem relação com os personagens e os locais onde vivem.  A poesia do comum, fotografia com compromisso com a verdade.

Como foram realizadas as cenas na estrada?

Filmamos os atores com o carro em movimento, dirigido em grande parte pelo próprio Cacá, sem uso de acessórios ou reboques. Câmera na mão sempre que possível em estradas vicinais com menor trânsito e com fundos semelhantes ao das cenas de estrada feitas para subjetiva. Estas filmei nos deslocamentos entre as locações, filmei daqui até a Argentina, disparando nos pontos marcados no “tec scout” e aproveitando imprevistos quando eram bons para o filme. Era a condição de orçamento e tempo que tínhamos.

E nas Cataratas do Iguaçu?

As Cataratas são um episódio a parte. Maravilhosas. Absurdas. Com apelo visual e conteúdo semântico tudo a ver com o filme. Filmar ali foi maravilhoso e desafiador, água por todos os lados, muito vento, um barulho ensurdecedor, chão escorregadio, condições bastante adversas, tanto em termos técnicos quanto de produção, muito fluxo de turistas, enfim, só pra quem é do cinema. Me sinto um privilegiado de ter podido filmar lá, e ter feito aquelas cenas. A sequência das cataratas sempre me emociona, não importa quantas vezes a veja. Aquelas andorinhas, o que é aquilo, muito lindo.

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Filmamos no lado argentino, que é mais selvagem e violento. Do lado Brasileiro elas são mais grandiosas, mas do lado deles a cachoeira é mais forte e próxima. A gente fica na parte de cima dela diante do abismo. Havia também um outro componente adverso engraçado, o ângulo da luz. Precisamos calcular o horário e o ângulo de luz e câmera para a cena, de forma a evitar os arco-íris. E isso é o que mais tem lá, arco-íris, por todos os lados, lindos, que se formam por causa das partículas de água em suspensão. Eles não eram bem-vindos para o filme. A Caroline, acertadamente, também queria a água naquela coloração marrom que está no filme. Um marrom que aos poucos deixa de parecer água para parecer o que é naquele contexto da sequência do filme.

A composição de cada cena do filme foi feita e pensada pela diretora. “Pela Janela” é um filme simples, que fala de pessoas simples, com uma protagonista de 65 anos, e um caso comum, mas vendo o filme mais cuidadosamente, o cinéfilo ou estudante de cinema, pode fazer outras leituras em suas camadas. A composição dos quadros e o posicionamento dos atores, repetidos iguais em locais diferentes. A distância da câmera as vezes se repete, mas de forma espelhada, tudo sem interferir no andamento ou na narrativa normal e simples, mas criando surpresas e permitindo outras leituras. A imagem da tela líquida, a máquina de solda projetor de cinema.

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Você fez a fotografia dos dois curtas, “Dalva” e “Joyce”, e deste primeiro longa da sua filha, Caroline Leone. Como a relação entre pai e filha se apresenta na fotografia e no dia a dia do set, em especial em “Pela Janela”?

Aprendi muito com ela nos curtas, me fez ver a fotografia de cinema de uma dimensão diferente, ousar muito mais, mudei muito na forma de ver e trabalhar depois deles. Por outro lado, é também um privilégio e um prazer incrível poder estar no set vendo o trabalho da Caroline. Vermos o filme pronto. Muito legal.

Dentro do set somos fotógrafo e diretora, me submeto a ela como deve ser. A relação se dá com todos os parâmetros de hierarquia. Não conversamos do filme quando estamos “em família”, se quero ou preciso falar do filme, marcamos um almoço ou reunião pra isso, e daí falamos do filme, mas nesses momentos somos fotógrafo e diretora. Não dá pra misturar as coisas. Acho até que “o chumbo” é mais grosso comigo do que seria com outro fotógrafo, afinal ela confia e espera muito de mim, mas isso não dá pra saber.

Fazer um filme é um trabalho muito difícil e árduo para o diretor. Ainda mais se o diretor é o próprio autor do argumento e do roteiro. Presenciar tudo isso as vezes é difícil, mas é bom também poder estar lá por isso mesmo.

É muito fácil trabalhar com ela. Além disso, ela tem um senso de equipe incrível, todos os que de alguma forma participaram e a ajudaram a fazer seus filmes sabem disso, são sempre lembrados e convidados a participar, eu sou um dos que tem esta sorte.

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O que dizer do workflow de pós e qual foi a sua participação nele?

Uma coisa incrível foi ter tido menos acesso às imagens, filmando em digital neste trabalho, do que filmando em negativo na selva amazônica. Acabei vendo o material filmado só dois meses depois de terminada a filmagem. Não vimos nada literalmente durante as filmagens. O tempo foi todo usado para os atores e para filmar. Esse é um traço peculiar na direção da Carol, ela nunca quer e não gosta de rever a cena no vídeo, ela olha, pensa e avalia a cena no momento em que filma, então não se gasta o tempo precioso de set revendo.

Foi feito um primeiro telecine sem marcação e mandado para a montagem na Argentina. Depois do primeiro corte, aí sim, participei de todas as etapas de grade e pós. Tive muito apoio de todos os que participaram direta e indiretamente da finalização, contei com o carinho de muitos colegas, tanto na Cinecolor como na DOT, e tenho certeza que todos fizeram um trabalho que excedeu o profissional, foi mesmo um caso de amor pelo filme. Finalizamos em 2k. Acho que o resultado ficou excelente.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Fazer cinema no Brasil é muito difícil e leva muito tempo. Precisamos fazer mais cinema. Refletir sobre qual tipo de cinema é possível fazer por aqui, mas, principalmente, qual tipo de cinema nos interessa fazer.

Ficha Técnica
Roteiro e Direção: Caroline Leone
Produção: Dezenove Som e Imagens – Sara Silveira e Maria Ionescu
Coprodução: Rizoma Films – Hernán Musaluppi e Natacha Cervi
Direção de Fotografia: Claudio Leone
Ass. de Câmera: Marcelo Tavares
DIT: Marcelo Krowczuk
Elétrica/Maquinária: Cristian Zinngraf
Direção de Arte: Juan Giribaldi
Direção de Produção: Cristina Alves
Montagem: Anita Remón e Caroline Leone
Direção de Som: Martin Grignaschi
Som Direto: Federico Billordo
Figurino: Cassio Brasil e Julieta Ganto
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