Resumo sobre o Oslo Digital Cinema Conference – FNF/IMAGO

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Por Henrique Vale

Entre os dias 18 e 20 de outubro aconteceu em Oslo, Noruega, a sétima edição do Oslo Digital Cinema Conference ou simplesmente ODCC. O evento acontece a cada dois anos e é realizado pela FNF (Foreningen Norske Filmfotografer) e pela IMAGO (International Federation of Cinematographers). Ao longo do fim de semana foram realizadas várias apresentações que contemplaram temas como: legislação, autoria e remuneração dos diretores de fotografia em diferentes países europeus; apresentações de várias novidades tecnológicas e masterclasses que elucidaram os processos criativos de Jakob Ihre, FSF na série Chernobyl, Fabian Wagner, ASC, BSC em Game Of Thrones e Philip Øgaard, FNF que comentou sobre a série Beforeigners, uma produção norueguesa para a HBO.

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Masterclass Fabian Wagner

Participar das masterclasses foi a minha motivação principal para encarar uma viagem de mais de 10 mil quilômetros para um evento de apenas três dias. Além disso, achei que seria uma oportunidade para conhecer melhor o mercado europeu e algumas de suas características. Em seu site, a ODCC se apresenta como “Probably the most social technonerd Conference in the World” e foi bacana entender as peculiaridades deste evento. A Conferência reuniu principalmente diretores de fotografia europeus com uma presença marcante de participantes vindos da vizinha Dinamarca, membros da IMAGO e alguns trabalhadores do audiovisual da Noruega, que possui um mercado interessante e agitado com a produção de muitas séries para os canais de televisão locais. Havia também alguns participantes da Ásia e América Latina.

O evento aconteceu na sede do Instituto Norueguês de Cinema (Norsk filminstitutt). O espaço conta com salas de cinema que têm exibições com programação equilibrada entre sucessos internacionais, produções locais e filmes de arte. As apresentações da ODCC ocorreram em uma delas. Oslo é uma capital bem tranquila, com cerca de 600 mil habitantes, e é interessante observar que o porte do evento segue um pouco essa característica de tranquilidade e de encontro local. A conferência inclui na sua programação oficial momentos dedicados à troca de ideias e socialização. Refeições, rodadas de cerveja no fim do primeiro dia e um jantar improvisado nos estúdios Storyline no sábado foram atrações do evento que enfatizaram esse caráter social da ODCC.

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Outra característica positiva da Conferência é a maneira como o tempo foi distribuído entre as apresentações. Por exemplo, o tempo para os fabricantes apresentarem novidades tecnológicas para o mercado dificilmente ultrapassava os 30 minutos. Isso possibilitava mais tempo para as apresentações sobre processos criativos, desafios e tendências do mercado. Para aqueles que quisessem se aprofundar em algum aspecto tecnológico apresentado haviam stands montados em outra sala com representantes dos fabricantes e patrocinadores do evento. Foi bem bacana conferir nos stands um dos quatro protótipos existentes do refletor Arri Orbiter, algumas Alexas MINI LF com lentes Signature Primes, as lentes ZEISS Supreme e Fujinon Premista para grande formato, o sistema de refletores EFLECT da Dedo Light e várias outras novidades.

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A conferência contou ainda com vários painéis interessantes, como o encontro com Phil Oatley e Leo de Wolf da Netflix, mediado por David Stump, ASC, pelo Skype. O painel tratou das exigências e características dos projetos da Netflix. Os convidados citaram que apesar de ser uma marca global, a operadora de streaming estrategicamente produz de maneira local, se adequando melhor a cada mercado onde está inserida. A IMAGO publicou em seu site um resumo sobre tudo o que aconteceu durante a conferência. Nesse post eu gostaria de fazer alguns destaques sobre as masterclasses, que foram a minha motivação principal para ir até Oslo.

A cada dia de evento uma masterclass foi apresentada e no primeiro dia acompanhamos uma conversa entre o mediador Rolv Haan, FNF e o convidado Jakob Ihre, FSF, que falou sobre a série Chernobyl da HBO. O trabalho rendeu a Jakob Ihre o prêmio Emmy de Cinematografia de 2019. A conversa foi conduzida de maneira muito amigável por Rolv Hann e era intercalada com a exibição de cenas da série que orientavam o rumo da discussão sobre o processo criativo do diretor de fotografia sueco.

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Apresentação DEDOLIGHT

Jakob destacou o fato de Chernobyl ter o seu foco principal nas pessoas afetadas pelo desastre nuclear e disse que este foi o ponto de partida para conceituar a fotografia da série. O fotógrafo comentou que realizou vários testes de lentes e que tinha a ideia de usar lentes anamórficas, mas ao final acabou optando por um jogo de lentes antigas Cooke Panchro para usar nas câmeras Alexa Mini. Jakob explicou a decisão citando o equilíbrio entre o look buscado por ele e o diretor Johan Renck e o entendimento de que com essas lentes não haveria um registro tão “estilizado” que dificultasse ressaltar o aspecto humano tão importante no projeto. Outro aspecto muito interessante da fotografia de Chernobyl é que a luz na usina está sempre flickando. Com isto, ele criou um elemento que colaborava para representar a tensão constante durante as consequências da explosão do reator nuclear e a sensação de que algo parecia fora da ordem. Até mesmo a luz do sol tem flicker, justificado pelas nuvens constantes e emissão de radiação na atmosfera. O fotógrafo comentou que a edição atenuou bastante a percepção dessa oscilação. Também sobre o sol Jakob acrescentou que conceitualmente tentou fazer com que a luz solar fosse uma espécie de vilão e que o escuro trouxesse uma sensação de conforto. Essa decisão se justificou por conta de relatos de pessoas que sofreram com o acidente nuclear e que foram orientadas a ficar dentro de casa pelas autoridades. Para quem quiser saber mais, esse artigo na British Cinematographer fala dessas e outras características da série.

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Master Class Chernobyl
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No sábado foi a vez do mediador Nigel Walters, BSC conversar com Fabian Wagner, ASC, BSC, fotógrafo alemão responsável por vários episódios da série Game Of Thrones desde 2014. Fabian Wagner tem grande experiência em séries e atualmente está filmando episódios da série The Crown para a Netflix e recentemente fotografou os filmes Liga Da Justiça e Operação Overlord.

A masterclass também foi conduzida com trechos da série Game of Thrones orientando a conversa entre mediador e convidado. Fabian comentou sobre a preparação e gravação de sequências de grandes batalhas e dos desafios que enfrentou durante o processo. Em uma das sequências apresentadas ele destacou a dificuldade de rodar uma sequência em 17 dias em um clima completamente instável que incluía sol, chuva, nuvens e neve na Irlanda do Norte. A sequência tinha a participação de dezenas de cavalos, dublês, atores e figurantes. Todos os planos foram feitos com câmera na mão, uma marca importante do seu trabalho. Fabian disse que no início sofreu muito com essa inconsistência meteorológica durante a mesma sequência, mas que com uma boa relação com a equipe de direção conseguia alterar a ordem de gravação de planos de acordo com a relação com o sol para minimizar as diferenças de luz. Segundo ele, esse foi um exercício interessante para concluir que desde que o público esteja envolvido na sequência essas modulações acabam não tendo destaque ao final.

A conversa entre Nigel Walters e Fabian Wagner foi conduzida de uma maneira que me deixou pessoalmente satisfeito por ter viajado de tão longe para estar ali. Dificilmente um artigo de revista ou um making of conseguiriam dar conta dos aspectos humanos envolvidos em cada um de nós ao exercemos a função de Diretor de Fotografia de um projeto. Fabian foi muito sincero e transparente sobre o seu processo criativo e dividiu com o público várias situações que reforçam a dinâmica do set, a lida com imprevistos e mudanças, as relações interpessoais e as suas inseguranças no trabalho. Tivemos contato com a pessoa por trás do crédito. Para conhecer mais sobre o trabalho de Fabian Wagner em Game of Thrones deixo aqui esse link de um artigo da British Cinematographer.

No domingo foi a vez do mediador e presidente da FNF Trond Tønder conversar com o Diretor de Fotografia Philip Øgaard, FNF sobre a série do HBO Beforeigners. Philip é um dos DFs mais consagrados na Noruega com uma carreira extensa e atuação em séries, documentários, longas e curtas de ficção. Beforeigners é a primeira série original norueguesa produzida pela HBO e é uma ficção científica que trata de um fenômeno da natureza que traz humanos do passado, da Idade da Pedra e da Idade Viking, para os dias atuais de Oslo. Com bastante humor a série mostra a complicada adaptação desses personagens na rotina contemporânea da capital norueguesa. Øgaard comentou suas escolhas de câmera, movimento e iluminação a partir de cenas destacadas pelo mediador e registrou que após sua transição para o digital deixou de usar filtros nas lentes para trabalhar os efeitos na pós. A masterclass também destacou outros projetos da carreira de Philip Øgaard.

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Em uma das últimas apresentações da conferência o diretor de fotografia, pesquisador e membro da IMAGO Kommer Kleijn, SBC exibiu o seu estudo “Frame rates, movement and image sharpness”. O painel foi conduzido de maneira muito técnica e colocou em pauta a discussão sobre resolução espacial X resolução temporal, sugerindo que o aumento de qualidade das imagens que produzimos está completamente ligado ao aumento do frame rate que utilizamos. O pesquisador holandês considera que os 24FPS ou 25FPS são inadequados para a captação audiovisual e demonstrou com imagens como parte das informações são perdidas ou existe perda de definição em planos com movimento de câmera ou do objeto filmado. Kommer Kleijn definitivamente tem um grande embasamento e um estudo enorme sobre a questão apresentada, mas preciso dizer que pessoalmente não considero essa perda de informações um problema e gosto da cadência dos 24FPS. Para quem tiver interesse em conhecer o estudo deixo aqui o link para o conteúdo da apresentação de Kleijn.

Foi um fim de semana agitado com temas muito diversos e relevantes para o mercado e foi bacana discutir questões globais em um evento com esse caráter de socialização e perfil hospitaleiro. Ao final da conferência tive a oportunidade de conversar com Paul René Roestad, presidente da IMAGO e principal organizador da Oslo Digital Cinema Conference. Paul René foi muito gentil comigo desde o dia em que enviei o e-mail com interesse em participar do evento e fez questão de enviar calorosas saudações aos membros da ABC.

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