André Besen: “Fica mais Escuro Antes do Amanhecer”

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Por Danielle de Noronha

Hoje, 30 de agosto, estreia o filme Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer, com direção de Thiago Luciano.

No filme, após uma tragédia familiar. Iran decide trabalhar em uma fábrica de gelo que fica em um povoado constantemente afetado por mudanças climáticas extremas e fadado a presenciar o último pôr do sol. Paralelamente, em um jogo psicológico de lembranças, Iran trata de sua mulher Lara, que sofre com a depressão de sua perda. Quais consequências da perda de um filho na vida de um casal?

Entrevistamos o diretor de fotografia André Besen sobre o trabalho no filme.

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Segundo a sinopse, Fica mais escuro antes do amanhecer é um filme que trata sobre o fim do mundo e da depressão de uma maneira poética. Qual foi o papel da fotografia na construção dessa “poesia”?

“Fica mais escuro antes do amanhecer” foi um filme extremamente interessante de realizar, um desafio em muitos aspectos, mas muito gratificante em relação à liberdade de criação. Quando o diretor Thiago Luciano me convidou para participar, ele deixou claro desde o começo a importância, para ele, de construir significações através das imagens para os diferentes contextos dramáticos do filme. Ele queria que eu, através da direção de fotografia, participasse ativamente na construção de uma poética visual que acompanhasse as metáforas que o filme tentaria transmitir. No momento em que desenvolvi conceitualmente o trabalho da direção de fotografia para esse projeto, sabia que tinha que tratar com cuidado e delicadeza as propostas dramáticas do roteiro, propondo soluções, porém, não deixando a imagem se destacar dentro da maneira ponderada que o filme queria trabalhar. Portanto, construímos em conjunto um conceito de imagens que tentasse, da melhor maneira possível, representar essa linguagem poética que o filme aporta.

O filme é contado de maneira não-linear. Quais foram as suas primeiras impressões ao ler o roteiro e como a fotografia foi pensada levando em consideração essa questão da não-linearidade?

Ao ler a primeira vez o roteiro do filme, eu senti que havia muita coisa que queria ser dita, porém, de uma maneira complexa e disruptiva, ou seja, já havia intrínseco um desafio grande. Foram necessárias algumas leituras narrativas do roteiro para compreender e absorver os pormenores da história, em razão da não-linearidade. Ao me aprofundar muito na história pelas diversas leituras, a questão da não-linearidade se transformou de um grande desafio em uma possibilidade de proposta criativa, que pedia para ser aproveitada. Em função disso, desenvolvi o meu conceito de direção de fotografia em blocos dramáticos, um que agregasse toda história, dando unidade para o filme, e outros que representassem de maneira particular cada contexto temporal do roteiro, para assim auxiliar o espectador na compreensão da narrativa não-linear.

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Quais câmeras e lentes foram utilizadas? Por quê?

O uso da câmera foi pensado de acordo com a condição orçamentária do projeto, ao se tratar de um filme com baixo orçamento, foi definida a utilização da câmera Sony A7s com o gravador externo Atomos Ninja, para a maior parte da filmagem (em poucos momentos foram usadas as câmeras 5D Mark II e Sony FS7).

Apesar de não ser uma câmera convencional para o trabalho cinematográfico, durante o projeto ela se demonstrou uma grande aliada, devido seu peso e dimensão, principalmente para operação em equipamento de estabilização.

Relativo às lentes, durante o primeiro período de filmagem no Brasil, utilizamos um jogo de Zeiss Compact Prime CP.2 e, durante as filmagens na Patagônia, usamos prioritariamente uma lente fixa Zeiss Planar 50mm, gentilmente emprestadas, juntas com boa parte do equipamento de câmera, pelo Alexandre Fuchigami, da locadora Monstercam.

A escolha dessas lentes foi feita com a intenção de aprimorar o desempenho cinematográfico da imagem da câmera A7s. O peso e a dimensão das lentes foram, também, levados em conta, em função da utilização de equipamento de estabilização na maior parte das filmagens. Trabalhar somente com a lente fixa 50mm na Patagônia foi bem interessante, trouxe toda fluidez, realismo e simplicidade que procurávamos para esses momentos no filme.

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Como foi a pré-produção? Foram realizados testes prévios?

Devido ao estilo de trabalho do diretor Thiago Luciano e ao meu, a pré-produção foi fundamental para o resultado do filme. Fizemos um trabalho dedicado de desenvolvimento, pensando cada detalhe do filme, tentando definir a maior parte das escolhas significativas, garantido assim um bom período de filmagem. Durante dois meses nos encontramos regularmente, assim como com as equipes de direção de arte, figurino, maquiagem, efeitos especiais, som, produção, desenvolvendo em cooperação, para tentar estabelecer a contribuição máxima de cada área e garantir que estivéssemos todos no mesmo caminho.

Em função desse trabalho muito próximo entre as diversas áreas, várias dúvidas surgiram no processo, por isso realizamos uma série de testes prévios, um pouco antes das filmagens, para garantirmos o funcionamento de uma série de decisões, como por exemplo: a reação de algumas maquiagens de efeito na imagem final, a aplicação e simulação de neve artificial, tanto pela direção de arte quanto pelos efeitos especiais, a resposta dos figurinos com a correção de cor, entre outros. Foi muito interessante, porque, em cooperação com a finalizadora Mistika, marcamos a cor dos testes e conseguimos projetá-los na tela do cinema, permitindo que tivéssemos mais segurança e garantia que nossas escolhas funcionariam no resultado final.

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Em quais cidades o longa foi filmado e como aconteceu o processo de escolha das locações?

O primeiro período de filmagem foi realizado em um sítio próximo da cidade de Louveira, em uma fábrica de gelo perto da cidade de Rio Claro, em algumas locações próximas da cidade de Monte Mor e os trechos de estúdio foram filmados na cidade de São Paulo. O segundo período de filmagem foi realizado na Argentina, em Villa la Angostura, próximo da cidade de Bariloche, na Patagônia.

Os processos de escolhas das locações no estado de São Paulo, assim como as várias visitas técnicas, foram realizados com muito cuidado, em função da importância das locações na construção do ambiente dramático deste filme e da busca de condições facilitadoras para o trabalho da produção.

A Villa la Angostura, filmada posteriormente com uma equipe bem reduzida, era uma locação já conhecida pelo diretor Thiago Luciano. Lá, tivemos que nos adaptar a um ambiente relativamente desconhecido para nós, a neve e o frio intenso, foi um grande desafio, mas ao final trouxe um universo imagético maravilhoso para o filme, fico muito contente com o resultado dessa locação no resultado final.

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A cidade onde os protagonistas vivem sofre por bruscas mudanças climáticas, como frio excessivo, calor excessivo até o último pôr do sol. Como a fotografia trabalhou para demonstrar essas situações distintas relacionadas ao clima e à luz?

Desde o começo da etapa da pré-produção, as questões relativas ao clima e à luz foram essenciais no desenvolvimento do conceito de direção de fotografia, era absolutamente necessário que esses elementos estivessem bem representados na imagem, significando inclusive a metáfora por trás dos mesmos. Conforme falei anteriormente, tentei pensar uma unidade cinematográfica para o filme como um todo e dentro dela, destacar a particularidade de cada uma dessas situações de clima, luz e tempo, através de graduações delicadas e específicas de contraste, exposição, saturação e preponderância de cores, auxiliando assim o espectador a se localizar na história e se relacionar com as metáforas dramáticas que essas situações propunham.

Essas foram algumas das razões que me trouxeram muito prazer na participação desse projeto, foi muito interessante poder participar ativamente, com a direção de fotografia, na criação dos ambientes dramáticos e narrativos representados no roteiro, contribuindo assim para a relação estética construída entre o filme e o espectador.

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O diretor Thiago Luciano também é o protagonista e montador da obra. Como foi trabalhar com ele nessas diferentes funções?

Thiago Luciano, além de um excelente profissional, é um grande amigo, portanto foi muito interessante poder trabalhar com ele neste projeto. Com ele como protagonista foi interessante porque tive uma grande liberdade, assim como uma grande responsabilidade, de realizar a imagem do filme, muitas vezes assumindo por completo a posição de representar o olhar dele sobre a obra. Como montador foi interessante porque, devido à nossa proximidade, tive a oportunidade de dar sugestões no processo de montagem, contribuindo da melhor maneira possível para o resultado final.

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Como ocorreu o diálogo da fotografia com as equipes de arte e som?

O trabalho com a equipe de direção de arte, comandada pela Iliana Grinstein, foi ótimo, tivemos a oportunidade de construir juntos os ambientes e os personagens do filme, pensando o máximo possível sobre como unificar nossas duas áreas, essencialmente complementares, para concretizar da melhor forma a imagem do filme e tudo que ele intencionava representar, fiquei muito satisfeito com o resultado.

O mesmo posso dizer sobre o som, comandado pelo Ragnar Ribas. Nos ajudamos o máximo possível na filmagem, assim como na pré-produção, para garantir um resultado ótimo em ambas as partes, também complementares no produto final.

Como funcionou o workflow de pós e qual foi sua participação nele? Poderia nos contar um pouco sobre o trabalho de marcação de luz?

O workflow de pós foi relativamente simples, dado que o material da câmera já saia praticamente pronto para montar e não era muito pesado.

Minha contribuição durante o processo de montagem foi tentar ajudar o Thiago da melhor maneira possível, oferecendo algumas marcações offline, bem simples, para auxiliá-lo a já imaginar a imagem final do filme enquanto definia a linha de montagem.

O processo de marcação de luz foi feito na produtora Mistika, realizado em conjunto por mim, o colorista Gigio Pelosi e o diretor Thiago Luciano, foi um trabalho extenso, mas muito legal, marcamos juntos plano a plano, discutindo cada decisão. Usamos como base as marcações que tínhamos realizado nos testes e que nos guiavam desde a pré-produção, determinando características específicas e dando o ajuste final nas imagens de cada período do filme e em cada bloco dramático. Foi bem trabalhoso, mas acredito que esse trabalho cuidadoso e colaborativo ficou impresso na imagem final do filme.

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Algo mais que gostaria de acrescentar?

Destaco o prazer que foi trabalhar com atores e atrizes incríveis como o Caco Ciocler, Imara Reis, Lucy Ramos, Danilo Moura, Thiago Luciano, entre outros. Acredito que houve com eles, também, uma cooperação muito bem-sucedida, que está clara no produto final da direção de fotografia no filme.

Gostaria, também, de ressaltar o papel fundamental da minha própria equipe no processo. O trabalho da direção de fotografia é condicionado a um bom trabalho das equipes de câmera, elétrica e maquinária, acredito que eles foram essenciais para o resultado do meu trabalho.

Ficha Técnica:
Direção: Thiago Luciano
Produção: Beto Schultz
Elenco: Caco Ciocler, Lucy Ramos, Imara Reis, Thiago Luciano, Danilo Moura
Roteiro: Thiago Luciano
Direção de Fotografia: André Besen
Direção de Arte: Iliana Grinstein
Técnico em som direto: Ragnar Ribas
Montagem: Fausto Noro, Fernanda Cardoso e Thiago Luciano
Trilha Sonora original: Teco Fuchs
1º Assistente de Câmera: Itamar Bethancourt
Colorista: Gigio Pelosi
Figurino: David Loreti
Produção Executiva: Beto Schultz, Domingos Meira, Kadi Moreno, Lucy Ramos e Thiago Luciano
Fotos Making of: Otávio Pacheco e Rildo Cundiev
Estúdio: Zero Grau Filmes
Distribuidora: O2 Play
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