Rafael Irineu: “Majur”

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Por Danielle de Noronha

Gillmar é Majur, da etnia Bororo, chefe de comunicação da Aldeia Poboré, localizada no interior do Mato Grosso. Ele é o responsável por fazer a interlocução do seu povo com a cidade, levando suas reivindicações e lutando por sua cultura e anseios. Sua história será conhecida no curta que leva o seu nome, com direção, fotografia e montagem de Rafael Irineu.

Para Irineu, o projeto se resume em duas palavras: sororidade e coletividade. Em meio ao debate (e práticas) que buscam trazer mais visibilidade para o audiovisual produzido fora do eixo Rio-São Paulo e maior representatividade dos diferentes grupos, por trás e na frente das câmeras, Majur é um exemplo: com uma equipe 100% mato-grossense, composta por profissionais estreantes nas funções principais e formada por indígenas, mulheres, homossexuais e um transsexual.

Majur irá estrear no Festival Internacional de Diversidade Sexual e de Gênero, que acontece entre os dias 07 e 13 de junho, em Goiânia, e Irineu conta um pouco sobre o projeto.

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Como surgiu a ideia de filmar Majur?

Meu primeiro curta “Meu Rio Vermelho” é um documentário que faz o trajeto de um rio no interior do estado de Mato Grosso. O rio passa pela aldeia Poboré. Em 2016, assim que tivemos autorização do Cacique central, ele nos passou o contato do chefe de comunicação que iria nos atender. Ali conheci Gilmar.

Gravamos o que tinha que gravar e continuamos o contato. Também sou LGBTQ e confesso que vendo Gilmar ali, foi uma surpresa para minha zona de conforto. E com o passar do tempo pensei “quero contar essa história’’. Aos poucos, aconteceu a aproximação com sua família. Por fim, conversei com Gilmar sobre fazer uma biografia dele neste atual momento.

Quais câmeras e lentes foram utilizadas? Por quê?

Usei uma câmera Canon 5DIII, uma lente Sigma 35mm e Samyang 14mm. O equipamento era meu e possibilidade de alugar era difícil, até porque as datas das ações eram inesperadas e o agendamento de equipamentos melhores na cidade não suprimia toda a demanda. Assim, preferi fazer com o que eu tinha.

Qual foi o tempo de preparação do filme e quanto tempo levou para ele estar pronto?

A preparação durou em torno de três meses. Basicamente foi um ano de gravação, e um mês para o curta-metragem estar pronto. Em agosto de 2016 conheci Gilmar. Em março de 2017 conversei sobre o filme, e até abril de 2018 gravamos suas ações.

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No curta você é diretor, diretor de fotografia e montador. Como você se sentiu atuando nessas diferentes funções?

É algo que carrego comigo, nos meus trabalhos autorais, sempre uno essas funções. Foi mais desafiador ainda nessa obra, por ser uma biografia. Quando a sintonia da direção era formada com o biografado, havia uma ruptura, porque essa mesma pessoa erguia uma câmera pra gravar. Não tinha uma pessoa apenas para câmera, o que iria facilitar os registros e a sintonia. A montagem foi mais intensa, como os registros eram feitos por mim, tive que seguir firme para dar atenção à história que queria contar e não usar tantas imagens que, mesmo com apego, ficariam sem contextos na narrativa.

Quais foram as influências ou inspirações para a fotografia?

Vim de uma formação muito básica. Me formei em Radialismo na UFMT. Eram poucas disciplinas voltadas ao assunto, mas meus estudos e experiências por fora me deram muitas inspirações. A influência mais forte não foi um filme, mas, sim, o respeito pelo espaço que não faço parte, a observação natural então influenciou muito a fotografia. Aprecio muito a câmera na mão, sem estabilizador, como se fosse uma pessoa que realmente estivesse ali.

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Você comentou que a equipe é formada majoritariamente por mulheres, trans, gays e indígenas. Como aconteceu a escolha da equipe e qual a importância da diversidade (de pessoas e temas) para o audiovisual?

Trabalhando em outros projetos, sempre fiz amizades com algumas pessoas. No eixo se discute muito sobre a diversidade no set e na direção, mas aqui, no interior do interior, não encontramos a mesma realidade, e a discussão está aumentando a cada dia, com surgimento de coletivos negros e de mulheres, por exemplo.

Quando comecei a fazer o projeto, fui escalando naturalmente a equipe com aquelas pessoas que tive empatia em outros trabalhos e as que sempre queria trabalhar. Até que olhei a lista e vi algo em comum com todos. A diversidade estava de ponta a ponta.

E foi muito importante para a abertura do biografado. O feedback foi muito natural, todos queriam contar aquela história. Além de harmonizar o set de um filme, a importância de falar do outro é muito forte, principalmente quando tratamos do público em maneira geral e a importância e poder que todo material de comunicação tem, principalmente o cinema.

Como aconteceu as entrevistas com os indígenas?

Como o filme foi feito com baixo orçamento, apenas nas diárias que envolvia o depoimento a equipe esteve presente. O restante, o acompanhamento, era feito por mim, com uma lapela.

O diálogo se deu por parte das lideranças indígenas, e nosso fotógrafo still, que é da aldeia e é também é professor lá. Alguns registros que ficaram de fora da obra foram entregues para a aldeia, como fotos e vídeos das ações que envolviam toda a comunidade.

O que pode nos contar sobre o dia a dia das filmagens?

Os dias de acompanhamentos foram os mais desafiadores. Combinamos de avisar qualquer ação que poderia envolver a participação do Gilmar como Chefe de Comunicação. Saia de Cuiabá, capital, ia para Rondonópolis, onde tenho família, e assim ia para a Aldeia. Uma vez por estrada, outra por rio. A estrada, por conta do território protegido, demora quase duas horas para chegar, e por rio, apenas 15 minutos até o porto e a travessia de apenas um minuto.

Sempre conversava com quem estava presente antes de levantar a câmera, mas não era para pedir para não olhar para câmera, e sim para ter o consentimento de todos. Alguns eventos, por serem agendados de última hora, não foram registrados.

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O filme contará com libras e audiodescrição. Como foi esse processo para implementá-los no curta?

No primeiro curta, me deparava com o pedido de alguns festivais de um material com acessibilidade. Agora, mesmo que com baixo orçamento, foi uma prioridade em fazer.

O processo em si está em andamento, contamos com Tulio Andrade e Valentim Felix para transmitir não apenas a voz de Gilmar, mas toda a mensagem do filme.

Como foi o processo de pós-produção?

O processo foi desafiador, por falta de profissionais que se encaixam no conceito da obra, algumas pessoas de fora, como Isabela Padilha e Matheus Lazarin, ambos naturais de Mato Grosso, fizeram os serviços de Pós. O desafio da distância, por exemplo, foi um dos fatores que mais se destacou. Refletindo muito o atual cenário do mercado audiovisual no Estado.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Pessoalmente, foi muito motivador contar essa história. E creio que para a equipe tbm. A luta de Gilmar, de cada membro da equipe, e de cada um que faz parte do público especifico do filme, tem que ser altamente fortificada em todas as esferas da sociedade, desde cumprir e manter leis estabelecidas, até fazer parte de discussões acerca da educação básica.

Ficha Técnica
Direção, Câmera e Montagem: Rafael Irineu
Produção Executiva: Patricia Ribeiro
Assistente de Direção: Ayrton Senna
Som Direto: Matheus Lazarin e Isabelle Almeida
Fotografia Still: Cezar Rondon
Finalização de Áudio: Matheus Lazarin
Colorista: Isabela Padilha
Motorista: Nalme Mendonça
Trilha Sonora Original: Gontcha
Libras: Tulio Adriano
Audiodescrição: Valentim Félix
Faixa Musical: Vem – Jaloo
Apoio: Luiz Marchetti
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