Helvécio Ratton, Adrian Cooper e Lauro Escorel: “O Lodo”

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Foto: Bianca Aun

Por Danielle de Noronha

Estreia hoje, 13, nos cinemas brasileiros o filme “O Lodo”, dirigido pelo mineiro Helvécio Ratton. O longa é baseado no conto homônimo de Murilo Rubião, marcado por uma atmosfera gótica e sufocante.

“O Lodo” acompanha Manfredo (Eduardo Moreira), um pacato funcionário de uma companhia de seguros, que está deprimido e procura um psiquiatra, o Dr. Pink (Renato Parara). O médico afirma que ele tem um verdadeiro lodaçal dentro de si e quer saber de seu passado, mas há algo que Manfredo não deseja revelar. Manfredo se irrita com a insistência do Dr. Pink, sente raiva e medo do médico, mas não consegue se livrar dele, paralisado por uma culpa que carrega e procura esquecer. O Dr. Pink passa então a persegui-lo, até mesmo em terríveis pesadelos. O passado volta de repente e a vida de Manfredo se transforma num verdadeiro inferno.

O roteiro foi escrito por Ratton e L. G. Bayão, e transita entre diversos gêneros, combinando realismo e fantasia. O filme conta com direção de arte de Adrian Cooper, ABC e direção de fotografia de Lauro Escorel, ABC, que sublinha a atmosfera da trama, que em sua maior parte está em ambientes fechados, ressaltando a asfixia emocional do protagonista.

Nesta entrevista, Ratton, Cooper e Escorel conversam sobre o trabalho no filme.

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Cena de “O Lodo”

Helvécio, para começarmos, gostaria de saber o que o levou a escolher o conto “O Lodo” para transformá-lo em um roteiro e posteriormente filmá-lo?

Helvécio Ratton: Eu sempre gostei muito das histórias fantásticas do escritor mineiro Murilo Rubião, mas não conhecia este conto, “O Lodo”, uma pequena joia de oito páginas. Além de ser uma história muito original, surpreendente, é um conto de muitas camadas, que permite diversas leituras. E o que mais me atraiu foi a naturalidade com que Rubião coloca o absurdo na vida dos personagens, ao estilo de Kafka. Percebi que o conto poderia render uma bela adaptação para o cinema e chamei o Bayão para escrever comigo o roteiro, um roteirista com quem já fiz ótimas parcerias. Nós tomamos o conto como um argumento, desenvolvemos a trama, os personagens, puxamos todas as linhas que o conto sugeria e chegamos a um roteiro que nos agradou muito e filmamos todo em Belo Horizonte.

E como foram as primeiras conversas entre vocês?

H. R.: Eu mostrei as primeiras versões do roteiro para o Lauro e o Adrian, profissionais com quem tenho grande afinidade artística e pessoal, e fomos avançando juntos, desde cedo, no desenho da fotografia e da arte de “O Lodo”. Eu sempre pensei que essa era uma história para ser vista através de uma fresta, como quem penetra na mente do protagonista, em seu mundo claustrofóbico. Foi sugestão do Lauro que a gente trabalhasse com uma janela mais quadrada, mais fechada, e eu acho que o formato favoreceu muito a narrativa. Trabalhamos também desde cedo para definir uma paleta de cores que expressasse a vida monótona e sem graça desse homem, que se torna mais sombria à medida em que a história avança.

Adrian Cooper: Para mim, o “tratamento visual” de um filme começa, de fato, com a primeira leitura do roteiro. As primeiras sensações e vagas ambientações imaginárias que surgem durante essa leitura acabam ficando comigo, apesar das inúmeras mudanças que inevitavelmente vão acontecer durante o longo processo de fazer o filme. Seguiram outras leituras de diversas outras versões do roteiro, em que cada vez eram trazidas novas maneiras de entender e visualizar o filme: a história de um homem comum, solteiro, deprimido, oprimido pelo seu trabalho burocrático e por suas relações hipócritas, que não vê sentido em sua vida, e que, no fim, é novamente oprimido pela própria tentativa de se curar.  Uma história de mistério psicológico com elementos de fantasia!  Assim, a imagem-referência que ficou comigo era do filme “O Processo”, de Orson Wells, baseado no conto de Franz Kafka.  Foram muitas conversas telefônicas com Helvécio e com Lauro, sobre muitos diferentes aspectos do filme, antes de finalmente poder estarmos juntos na produtora Quimera em Belo Horizonte.

Além do trabalho dos atores e das atrizes, do som, a música e a edição, eu entendo que o “tratamento visual” de um filme é, em grande parte, o próprio filme que vamos assistir, pois refere-se às decisões tomadas sobre as locações, os cenários, as cores e as texturas de todos os elementos que estarão na tela; que incluem as roupas e os acessórios, com seus muitos detalhes (figurino), a caracterização (maquiagem, efeitos e cabelos) das personagens e, sobretudo, a luz, que é a substância emocional do mundo do filme, e as lentes usadas junto com a posição ou movimento da câmera. Da mesma maneira, o ratio da tela, a preferência para planos fixos e os tons mais escuros para o filme, em geral, também fazem parte integral desse tratamento.

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Adrian Cooper e Lauro Escorel

Poderiam falar mais sobre essa questão da tela quadrada e também da opção por planos bastante simétricos?

Lauro Escorel: Lidamos com esse roteiro, muito original, mas que na primeira vez que li achei estranho, achei difícil definir o seu gênero narrativo. Um estranhamento que foi instigante para a busca da visualidade mais adequada ao projeto. Como foi dito, nas conversas preparatórias com Helvécio e Adrian concluímos que a melhor forma de expressar a estranha situação vivenciada por Manfredo seria utilizarmos um tratamento realista, tanto na arte quanto na fotografia.

Enquanto pensava na melhor forma de executar essa proposta, me pareceu que a forma de enquadrar e, principalmente, o formato do quadro deveriam ser utilizados para construir a atmosfera psicologicamente opressiva que pretendíamos. Pensei que se optássemos por uma tela “quadrada”, sem respiros nas laterais, obteríamos uma imagem mais claustrofóbica. O formato ajuda a passar a ideia do aprisionamento do personagem, que foi muito bem interpretado por Eduardo Moreira. A tela quadrada também me levou a pensar nas possibilidades oferecidas pela verticalidade do quadro. Na possibilidade de utilizar o espaço livre como mais um “peso” sobre nosso protagonista.

Com Helvécio e Adrian vimos alguns filmes que se utilizaram desse formato e concordamos que o formato quadrado poderia ser uma boa escolha. Assim, usamos poucos movimentos de câmera, uma paleta de cores econômica, acinzentada e uma luz que ao longo da narrativa vai se tornando gradualmente mais dramática, buscando transmitir a atmosfera de aprisionamento vivida pelo protagonista.

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Lauro Escorel e Helvécio Ratton
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Câmera, elétrica e maquinária: Felipe Andrade, Heitor Misuki, Ilcemar Souza, Milca Piskulich, Lauro Escorel, Barcelona, Lorena Cardoso e Fernanda Tanaka.

Apesar da câmera ter pouco movimento, os espaços percorridos por Manfredo e a própria cidade são muito importantes para a história. Poderiam comentar sobre essa escolha em relação tanto ao movimento de câmera quanto à construção desse universo do personagem?

H. R.: Como diretor, não tenho um estilo pré-estabelecido que eu imprimo a todos os filmes que dirijo. Penso que cada história exige de nós que encontremos a melhor maneira para contá-la. Em “O Lodo”, eu quis acentuar a vida rotineira e monótona do protagonista, um burocrata que faz sempre os mesmos trajetos da casa para o trabalho e vice-versa, mostrá-lo como um homem que tem seus caminhos delimitados, traçados que se repetem a cada dia. E marcar o personagem dessa forma era importante porque, ao longo do filme, ele vai perdendo o controle sobre sua própria vida, em certo momento da história já não é ele que decide mais sobre o rumo que irá tomar.

Em relação à luz e à cor do filme, como foram pensadas e desenvolvidas?

L. E.: Esse tratamento das cores começou já no set, trabalhando a imagem com nossa logger Lorena Cardoso, e foi se complementando com as intenções finais sendo trabalhadas junto ao colorista Henrique Reganatti na Zumbi Post. Na equipe de câmera contei ainda com a inestimável colaboração de Fernanda Tanaka, ABC como operadora de câmera e de Heitor Mizuki como seu assistente.

Esse planejamento entre nós, e junto à produção, foi fundamental para obtermos um bom resultado. “O Lodo” é um filme de pequeno orçamento, realizado em uma conjuntura adversa para o nosso cinema. No filme trabalhamos com excelentes profissionais de Minas Gerais nas equipes de elétrica e maquinária. A dedicação do elenco e da equipe, reunidos por Helvécio e nossa produtora Simone Mattos, nos ajudou a superar as dificuldades da conjuntura.

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Eduardo Moreira e Inês Peixoto em “O Lodo”

Helvécio, poderia contar sobre a preparação do elenco e sobre o que o levou a trabalhar com o grupo de teatro Galpão?

H. R.: Foi a primeira vez que trabalhei somente com atores de Minas, ótimos atores, alguns deles do grupo Galpão. O fato de serem todos de Belo Horizonte me permitiu fazer um trabalho intenso antes das filmagens para encontrarmos o tom certo de interpretação dessa história absurda e realista ao mesmo tempo que é “O Lodo”. A afinidade entre os atores e as atrizes e o fato de vários deles já terem trabalhado comigo em outros projetos permitiram que a gente atingisse um nível muito elevado de interpretação, em que todo o elenco está muito bem, no mesmo tom. Eu gostaria de destacar a atuação do Eduardo Moreira como Manfredo, que passa por uma transformação mental e física impressionante ao longo do filme. O trabalho do Eduardo no filme está impecável.

Como vocês destacaram, o filme traz elementos e personagens que mesclam a realidade e o fantástico, mas isso sem perder a verossimilhança. Quais as dificuldades e possibilidades dessa narrativa e como veem o desenvolvimento desse tipo de cinema no Brasil hoje?

H. R.: “O Lodo”, de fato, é um filme original e muito diferente no contexto do cinema brasileiro, não temos tradição em lidar com histórias fantásticas. O absurdo, o fantástico, não é um gênero fácil e exige um ambiente realista para acontecer com toda sua força. Se o contexto da história já é absurdo desde o começo, isso enfraquece a narrativa. No caso de “O Lodo”, tudo parece estar em seu lugar, a vida segue seu curso normal, mas, por trás dessa aparente normalidade, de repente surge o absurdo e nos desconcerta, criando um clima de estranheza e desconforto. O absurdo nos permite ver a realidade com outros olhos e descobrir coisas que não percebemos no cotidiano.

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Os atores Eduardo Moreira e Renato Parara e o diretor Helvécio Ratton

Essa parceria entre vocês é antiga. Porém, esse filme traz algumas características novas em relação a outros filmes nos quais trabalharam juntos. Como foi repetir essa parceria em “O Lodo”?

L. E.: “O Lodo” é meu terceiro trabalho com o Helvécio Ratton. Antes fizemos “Batismo de Sangue” e “O Segredo dos Diamantes”. Visualmente, ele reflete a consolidação de uma parceria criativa entre a direção do Helvécio, o trabalho do Adrian Cooper na direção de arte e o meu na direção de fotografia.

H. R.: “O Lodo” foi um desafio para todos que fizemos o filme, por ser uma história absurda, diferente do realismo a que estamos acostumados. Isso exigiu uma troca intensa de ideias entre nós desde o início do projeto, como disse antes, para deixarmos claro que tipo de filme a gente pretendia fazer. Essa construção foi se dando aos poucos e o entendimento que existe entre nós favoreceu muito o desenho da produção e, principalmente, a integridade da obra, que eu sinto visível em “O Lodo”. Da mesma forma que o elenco, trabalhamos com a mesma compreensão do projeto, no mesmo tom.

A. C.: Foi fundamental para a unicidade e dramaturgia-visual do filme o tempo que nós três tivemos para estarmos juntos nessa imersão no mundo do filme, para poder traduzir, aprofundar e incorporar a definição desse tratamento/essência da obra. Também, o fato de Lauro e eu já termos feito outros filmes com Helvécio, sem dúvida, ajuda muito nesse processo, facilitando o entendimento entre nós. Já sabemos melhor como o outro prefere trabalhar e o que considera importante. Ao longo desse tempo, acho que aprendemos bastante sobre os gostos e desgostos, as referências políticas, culturais e estéticas do outro, permitindo (pelo menos, em teoria) uma maior concentração nas questões novas e particulares do projeto em questão, e poupando tempo e energia que, no fim, custa caro para a produção do filme.

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Detalhe do consultório do Dr. Pink. Foto: Miriam Menezes
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Eduardo Moreira interpreta Manfredo em “O Lodo”

Qual a expectativa de vocês para a estreia do filme?

L. E.: Fiquei muito contente com o resultado, que me parece servir bem à originalidade deste projeto.

H. R.: Estamos felizes por chegar agora às salas de cinema, depois de vencermos a pandemia e a epidemia de ignorância que castigou a cultura e, principalmente, o cinema brasileiro. Sinto que “O Lodo” chega às telas fortalecido, esse tempo de espera acabou fazendo bem ao filme. Tenho plena consciência do momento que estamos passando, da dificuldade em levar as pessoas ao cinema, ainda mais para assistir a um filme brasileiro, mas acredito que são nossos próprios filmes que irão mudar essa situação. Tenho confiança no trabalho que fizemos em “O Lodo” e acredito que o filme será bem recebido pelo público.

Ficha Técnica:
Direção: Helvécio Ratton
Produção: Simone Matos
Roteiro: Helvécio Ratton e L.G. Bayão (adaptação livre do conto “O Lodo”, de Murilo Rubião)
Fotografia: Lauro Escorel, ABC
Direção de Arte: Adrian Cooper, ABC
Cenografia: Miriam Menezes
Montagem: Mair Tavares
Música Paulo Santos
Elenco: Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Teuda Bara, Renato Parara, Rodolfo Vaz e Fernanda Vianna, Maria Clara Strambi e Cláudio Márcio
Produção: Quimera Filmes
Distribuição: Cineart Filmes
Fotos: Bianca Aun
Gênero: Drama
Duração: 94 min.
Classificação Indicativa: 14 anos
Site: olodo.com.br
Instagram: @olodo.filme @quimerafilmes @cineartfilmes
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